domingo, 17 de setembro de 2017

UM VELHO SAFADO

                                                       UM VELHO SAFADO

 

Há um tempo onde tudo termina, pois não é? Ah, se não é!

Para animais que leva na parte superior do corpo, órgão que a natureza deu-lhe para pensar o quanto quiser e o que lhe ataviar, não poderia ter nascido para outra função, ser superior aos demais animais da natureza.

Animais racionais como nós, por mais que o corpo perca a condição do que foi feito para fazer e resistir e sentir,  massa craniana é componente sem reposição por parte da medicina, mas pode viver até o apagamento total sem drama ou com, sem amor ou com, se compondo de sabedoria ou ignorância.

Era o que acontecia com o velho Laza, chamado assim pelos mais íntimos nos negócios que empreendia, Lazinho pelas mulheres e, pelos inimigos de concorrência profissional e de vida pessoal, filho da puta de quinta grandeza.

 Coroa muito esperto. Ao longo da vida pôs muita lucidez peculiar para qualquer situação na massa encefálica. Se não fosse pela doença, estaria fazendo e acontecendo.

Mal que o pegou de uma hora para outra o pôs sobre uma cama. Encontrava condição de se  mexer um pouco aqui, um pouco ali, por não ter condição  de se locomover com maior ou menor velocidade. Movimentos bruscos por parte de algum membro exterior eram acontecimentos do passado, perdidos há pouco pelo coração ter dado um basta ao bombear sangue importante para as regiões que precisam ser visitadas de instante a instante.

Viveu muito o coroa Laza, o quase morto já, o que esperava a vela  acessa diante a morte que não tardava levando os últimos suspiros e ser puxado para o andar de cima pela luz encarnada das trevas que ninguém em sã consciência quer, ou azulada em espaço que ninguém veio contar como é, mas que dizem os espiritualistas que existe e que todos desejam estar após a passagem.

De todos os fatos que passaram pela vida agitada que levou o acamado Laza, o que mais  marcou foram àqueles relacionados às mulheres.

“Vixe Maria! Eh mulheres luminosas que me encantou com a formosura, com os declives e aclives do corpo e com as sutilezas dos lábios que ferviam enquanto a quentura do corpo fazia elastecer os dias sem serem por arrasto, esses se descortinavam com prazer, por muitas vezes serem curtos para tantos encontros de negócios e amores”.

Muitas delas passaram pelo seu desempenho de bom amante.

Foi homem fogoso em tempos idos, tempos que só estão guardados na velha lacuna cerebral, escondido por entre encadeamento de tecido que um dia fora regado com mais vivacidade.

Andando pelo glorioso passado de homem de posses, com poder para fazer e desfazer a qualquer hora, era muito visitado por diversas mulheres. Gostava de experimentar todas as raças e teve com isso de conviver com a esposa que nunca deu bola pra verdade ou mentira que circulavam nos encontros granfinos a esse respeito, ou se fazia de desentendida, para não pôr a perder a firma.

 Laza sente que ainda está vivo quando saem dos pensamentos os acontecimentos surreais pelos quais passou em convívio com as mulheres.

Viveu intensamente o coroa, mas por esse tempo de en-treva-mento dos órgãos, ainda encontra na massa encefálica, refúgio para se dizer vivo.

Essas horas quem o cuida divisa com um sorriso tímido  do quase morto. Hora dos sonhos sobre viagens pelo corpo das mulheres que conseguiu amar até onde pode.

Sonhando como sonhava nas horas propícias dos dias viajando ao passado, tinha momentos que verbalizava palavras de entusiasmo para com nomes de  mulheres que se atiraram sobre seu corpo.

Tempos bons que se foram voltava tão somente nas viagens que a cabeça ainda conseguia fazer, não tinha que forçar nada para viajar a esses desempenhos dos pensamentos.

As mulheres sempre exerceram fascínio nas suas atitudes de bom amante, bem dizendo, aquelas mulheres que do corpo, as deusas mitológicas saem perdendo, aquelas que do rosto, Monaliza, de Leonardo da Vince, passa ao largo, aquelas que dos movimentos, nem Sônia Braga ganharia no filme a dama do lotação, nem Vera Ficher nas chanchadas do Walter Hugo Kouri.

Deitado com o costado no colchão, esticado esperando a visita de quem nunca falhou, encontrava lá no fundo d’alma quase morta, o benefício que exerce quem ainda respira ares de sobre vida em possuí-lo. Os pensamentos.

Numa dessas ocasiões, recebendo visita de parentes, foram ater-se com ele e pegar-lhe na mão duas meninas bem jovens, mas que sabiam de tudo sobre os tempos modernos, meninas  que, como as amantes do incapacitado moribundo, conheciam tirar dos rapazes de mesma idade nos banheiros das festas regadas a droga e hock end roll, nas festas raves servidas a comprimidos êxtase, complemento a satisfação de ser alegre e viver de acordo com o bom momento de ser jovem.

Saindo às outras visitas, acharam por bem fazer um estudo mais aprofundado com o quase morto e começaram por alisar-lhe as mãos.

Não satisfeitas em pegar só nas mãos do moribundo, resolveram que era hora de também morder-lhes os pés, as coxas, e lamber o peito que batia descompassado coração.

As duas sabiam fazer crer a quem por elas passavam no serviço da satisfação  ao prazer da carne, que levantavam até defunto.

Há muito, o moribundo sem abrir por completo os olhos, bater as pestanas e movimentar o corpo com maior alusão aos movimentos, nessa hora fez e pode ver as duas. Acendeu muito os olhos vindos às pupilas quase cair fora da caixa. Pelo que mexiam dele e pelo que pode distinguir, descobriu que podia mexer com maior intensidade as pernas, esticar-se, rejuvenescer-se.

Esticou o esqueleto,  retesou até onde pode nessa hora.As juntas estalaram, as duas riram e se divertiram, por achar que estavam recuperando o quase morto.

Continuando buliçosas, descobriram que estavam fazendo um bem dos diabos, mandando embora daquela casa, daquele leito, a dona da foice que corta quem está em pé, deitado ou sentado e manda para debaixo da terra ou para o forno.

Enquanto  as visitas não apareciam no quarto pela fofoca que conversavam na sala, e  em discussão para quem ia o quê depois que o velho juntasse os pés, as duas faziam o doente reviver outrora, dando ao momento, pleno júbilo ao renascimento.

Mordendo joelhos, passando línguas pelos peitos, visitaram quase todo o corpo do velho enfartado, quando uma se interessou em pegar uma das mãos que se sentia revivida e ajudou a ser levada as suas partes  pubianas. A outra com os pés dava a mesma sina, o esfregando nos seios de si.

Meninas danadas. Eram estudantes de medicina, prostitutas ou simplesmente estavam tentando ajudar a quem precisava? Tinham o coração para fazerem parte de alguma entidade assistencialista, ou deveras queriam ver o coroa morrer feliz?

Talvez não fosse nem uma coisa nem outra, talvez fossem simplesmente duas taradas, que não encontrado hoje gente diferente para fazer o que estavam fazendo, foram encontrar no velho doente, amparo para suas taras e novas descobertas, uma vez que só tinham agido dessa forma com rapazes e moças de mesma idade.

Usavam de tudo que podiam pra fazer com o doente aquilo que  deviam ter muita experiência em fazer no banheiro da escola, no carro ou num motel.

Só não acreditaram que o doente fosse se levantar da cama num só salto, agindo assim, caiu às cobertas. Assustaram-se com o membro do doente enrijecido, trazendo o corpo numa tremura de entenderem que estava baixando um santo, dizendo o velho às duas moças que ia morrer satisfeito por elas terem surgido e o levado a perseguir  horizontes de um passado cheio de glória sobre o sexo.

Venham meninas, estou pronto para morrer nos braços de vocês, façam esse favor  a quem desse dia não passa. Dizendo isso com voz trêmula, caiu com parte do corpo na cama, parte no piso, duro como estava, acabou de ficar para sempre.

Correram para sala as duas, onde as visitas se achavam e informaram que o homem tinha se levantado sem nada mais nada menos e caído novamente, dessa vez sem se mexer.

Chegando ao quanto encontraram o doente no chão, com o corpo descoberto e o membro para cima ainda em estado de alerta, tão duro quanto os outros membros.

Nada  como boa química para dar vida a quem está morrendo, quando em excesso retirar de vez.

           


José Sarmento

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

NOSSOS DESFILES DIÁRIOS

NOSSOS DESFILES DIÁRIOS 
No Brasil de hoje há varias áreas de desfiles, no campo e na cidade. Passarelas a céu aberto tem fachadas visitadas por diversos calibres de munição, e isto vai aumentar mais por esses dias, com a intervenção militar nos morros favelas do Rio de Janeiro. As paredes de tábuas, alvenarias e corpos receberão buracos de balas, todas com poder de pintar de vermelho o chão acarpetado com modelos masculinos pobres pretos periféricos varados de chumbo nas comunidades.
Há uma luta sem fim por espaço no prato do desenvolvimento insustentável da nossa população descaminhada.
As balas nas noites de qualquer temperatura varam o céu e varam corpos desavisados que desfilam pelas ruas, vielas e becos para o fim do usufruto da existência.
Nesses espaços o céu se ilumina de riscos encarnados numa velocidade de cruzeiro, na troca de tiros por facções rivais ou em represália a repressão policial.
A guerra não tem trégua para dialogo verbal, na violência se resolve o desequilíbrio social para encontrar um pouco de pão que sirva de alimento às classes exploradas pela elite desavergonhada.
Cada pedaço de corpo e osso quebrado dos nossos jovens pretos, periféricos e pobres que visitam os cemitérios, é comemorado por conservadores perspicazes que investe muito do que sonegaram e roubaram na sua proteção.
Uma guerra sem fim não é o fim para quem nasce necessitado de tudo, de amor, carinho, respeito, educação, ação que se faça presente para uma criança crescer sem merecer morrer nas disputas por poder dentro do tráfico, das milícias paramilitares e militares, nos faróis vendendo balas com caras sofridas.
Cada presente que a elite oferece a periferia nas taças da violência,é um tranco de tristeza nos semblantes de mães que pariram filhos em áreas de conflitos das grandes cidades.
A luta é insana e a tendência são os ventos soprarem mais ainda o fogo que queima a autoestima da população pobre do Brasil, tendo em revista diária esse desgoverno imoral que ninguém escolheu para estar onde está, usando do patrimônio público para  locupletar correligionários que o dão apoio.
Zé Sarmento




terça-feira, 18 de julho de 2017

O QUE É PERIFERIA, BURGUÊS?

O QUE É PERIFERIA, BURGUÊS?
Periferia é um recorte da cidade metrópole aonde se encontra os bairros mais carentes ocupados por pessoas  que foram expulsas das proximidades da casa grande.
É lugar recortado por talhos fundos em rosto sofrido por ainda lutar contra o preconceito e as adversidades de uma sociedade conservadora.
Periferia é aonde se assenta os casos de necessidades básicas que o Estado rico formado pela burguesia, não soube como dá o pontapé inicial para acabar com as desigualdades sociais e exclusão.
Periferia é a aonde mora a gente que lhes serve a preço cômodo.
É o lugar de problemas sem solução pra morador das encostas.
É por aqui que o bicho pega em corpo que quer movimento, quer assento nos ônibus pra viajar pra servir vocês do outro lado da ponte.
É lugar recortado por talho de faca, tiro, necessidades, lugar de ruas cheias de vida nos fins de semana com o som da caranga alimentando a alma, que molha a garganta com cerveja de marca ou vinho barato.
Periferia não é só problema, é solução pras vossas necessidades quando estão com a roupa suja, a casa por arrumar e limpar, a cama por fazer depois de uma transa, as paredes por pintar, um portão por consertar.
Periferia é lugar onde vos serve quem nela mora e acorda cedo, chegando tarde em casa, sem dar tempo de ter tempo pra sonhar.
Periferia é lugar de esgoto correndo a céu aberto, córregos maus cheirosos fedendo ao que vocês  consomem, é lugar onde se joga fora vossos lixos quando não os servem mais.
Periferia é lugar de poeta, artista, escritor, doutor que sonha por igualdade de condições num Brasil que não os quis até uns anos atrás.
Nas periferias estão a energia da virada de mesa pra um país mais justo. Delas sairão os votos dos mais elucidados para trazer os políticos honestos pro seu lado, por que estes sempre estiveram do lado de quem não sabe o quê, e seja periferia.
Periferia é brisa na manhã alisando rosto cansado quando sai na segunda- feira para trabalhar em vossos condomínios. Os porteiros de vocês, as faxineiras, os motoristas, manobristas, as enfermeiras que cuidam dos vossos moribundos e nenéns, os vigilantes, os jardineiros, pedreiros, marceneiros, todos dormem em alguma periferia, e acordam cedo para não deixar faltar o café da manhã nas vossas mesas.
Periferia é onde se nascem as crias de um futuro incerto, mas que serão certos que irão vos servir, mesmo sabendo que pagarão pra eles salários miseráveis.
Periferia é lugar que cresce aqueles que no futuro irão fazer tremer as vossas carnes, se o Brasil não descobrir que nela precisa investir muito mais que aí, na educação, cultura, esporte, transporte, moradia, saneamento, renda, saúde.
 Periferia é lugar que estão às armas que os fazem tremer de medo quando apontadas para vossas cabeças, pela vida toda vocês negarem  um pouco do que possuem, por os terem feitos escravos das vossas ações e enriqueceram os expulsando para lá.
Periferia é onde mora a descendência de escravos, de nordestinos, pretos, ídios e brancos pobres que não tiveram oportunidade no campo de atuação que requer a educação.
Periferia é lugar que mora gente que tem sentimento, não de culpa, de culpa teria que ter vocês, por explorá-los até os ossos, e terem enriquecido por sonegar impostos que poderia ter melhorado a situação.
Periferia é lugar que nem os piscinões dão jeito nas enchentes, nos córregos que se enchem levando nossas vidas, como vocês também os levam, os fazendo adoecer de tanto vos servir.
Nas periferias de são Paulo e do Brasil é onde mora gente que não dá risada quando perde um ente querido, chora pelo sentimento da perda, porque é coração, ação, também razão quando é necessário botar  fogo na engrenagem de uma sociedade medíocre que recria seus dramas alicerçando-os através da arte da escrita, da pintura, do cinema, da vida vivida intensamente.

Viva as periferias de todo mundo que busca um acento nas costas do planeta para usufruir do que ele é capaz de produzir. Zé Sarmento

terça-feira, 6 de junho de 2017

POR FAVOR, ME DÁ UM ABRAÇO!

Preciso tanto dele
que chego a pensar que falta em mim
a existência de alguém que ainda respira ar
que sobra tanto a poucos, e falta tanto a muitos.

Não, não é esse abraço que eu quero
materializado em objetos do desejo e que aquece o corpo pelo gozo com tempo para acabar.

Não precisa estender a mão para me presentear seu brinquedo que fica entre as pernas
mesmo por que não sou mais um jovem que passa o tempo todo pensando numa trepada.

Preciso de uma mão que traga, além do afago
também enderece um sorriso
acompanhado de palavra amiga e gesto ativo.

Gostaria de receber meu abraço
pelos que transportam o bom senso por onde vão
sem acharem que transportam pesada carga nas costas
por não agüentam quilos de angústias.

O Abraço que eu peço é aquele que vem de gesto espontâneo
endereçado também pelos que precisam de atenção,
de atos de lisura e consideração.

Peço esse abraço desde que entrou o primeiro dia do meu entendimento como gente, mas até agora
se aproximando o maduro de mim que entende a verdade
depois de mais de 50 anos, ninguém me adiantou emprestar.

Será que estou sendo muito exigente
pedindo emprestado um abraço florido
que transporte às cores do campo para irradiar o perfume da paz
da civilidade e do entendimento,
da paixão...e sobretudo do amor?

Um abraçozinho só, amigo...sem muito aperto que seja
mas que seja visto e tocado e sentido
que no futuro não faça falta a ninguém que empreenda ceder
e entenda de como emprestar sem mais adiante pedir nada em troca
mesmo porque não tenho nada a dar
a não ser as mesmas competências recebidas.

Meu coração bate acelerado desde já
fazendo o sangue correr a mil pelos corredores do corpo
só em saber que desse ano não passa o presente que peço a tanto:
um abraço sem a fortaleza da soberba
sem o comprometimento da ignorância
sem o tédio da incompetência
sem a infelicidade do desamor
sem a chateação que trás a falta de bom senso
e sem a rudeza da existência dos avarentos.

Que o abraço que peço circule por todos os meios da sociedade
e transforme este gesto
numa festa para quem empreender a sabedoria do boom
que é possuir o bom senso.

Bom senso a todos! E abraço a todos!
quem tem os dois para dar, se sai bem melhor
e não sai por aí derrubando gente a torto e a direito
Usando de todos os meios para destruir um “simples” concorrente
Da vida corrida.

Débora Paim (Homônimo de Zé Sarmento)

domingo, 2 de abril de 2017

CONTOS MEMORIAIS - CONTO 1

              PRIMEIRA FASE

     NO CÉU DE NASCIMENTO

                                                                     CONTO 1


Casa humilde abraçada por serra gigante para meu EU menino, era refúgio para uma família com muitas crianças querendo mimo de braços de adultos e comida no prato de barro para saciar a fome.
Uma escadinha no tamanho dos moleques apontava a cada dois anos um óvulo  fecundado com fervor no prazer de se amarem abraçados na quentura das noites sertanejas.
O catre pocilga imunda de vara de marmeleiro amparava colchão de palha de junco, sempre pronto para receber corpos se unindo para fazer novos filhos.
Meu eu menino tem em memória a pobreza, muitas vezes base movediça para motivo de lágrimas no rosto de minha mãe que chorava escondida dos filhos em algum canto mal-cheiroso, roendo restos de unha carcomidas pela aspereza do sabão que retirava fedor de mijo de trapos da miserável família.
Reclamações impertinentes dos responsáveis pela quantidade de filhos, colocados no mundo sem pensar nas consequências, não levava a fábrica da família fechar a linha de produção. Mesmo vivenciando  cotidianamente quão difícil criá-los, continuava com a chaminé acesa soltando jatos de gozo dentro de enorme ventre materno.
Estação sempre aparecia de tempo ruim para o sertanejo selar o riso, bem mais que tempo bom para lhe abrir às gargalhadas. Momento coisa-ruim não existia para a fábrica de embrião humano perder tempo de galar óvulo e gerar mais filhos, prontos para no adulto do futuro dos dias que corria sanguinolento, virar retirantes para algumas plagas distantes. Muitas crianças nasciam concebidas nas noites de qualquer estação de qualquer tempo com chuva, sol, mormaço. A solidão nas noites sertanejas era quebrada por dedos calosos bolinando corpo ainda de pele macia de mãe, bem mais nova que meu pai.
Muito dos bens dos bons anos de inverno desapareciam com pressa, pela seca castigar a terra, gretar em fragmentos desalinhando o solo, e a face do sertanejo ser protagonista das aflições causadas pelas estiagens.
A terra dividida rachada em milhões de seguimentos formava um quadro surrealista, só vindo virar  arte-bela pela técnica da fotografia, ou por mãos de ótimo artista do lápis ou pincel ilustrando sua derrocada nos campos ignotos.
Terra pretumenta nuns cantos largos do sertão, avermelhada noutras áreas imensas de massapé, dava nó em visão de agricultor, quando o sol era o anteparo, e não as nuvens carregadas pelos ilustres visitantes vapor d’água, santificados pelas orações aos santos de devoção da população com São José.
Filhos pequenos e maiores exigiam mastigar o que a terra produzia de suas entranhas, não dava mais para viver de mastigar vento e sol e calor puxados para a boca nos sonhos que a todos alumia.
Terra segmentada, desamparada pelo desaparecimento das plantas viçosas e dos animais, de solidão pela fuga do agricultor que migrava para outras áreas nas secas brabas, deixando mulher e filhos no vazio dos dias mastigando calamidades produzidas pelos coronéis que demandava poder de arbitrar barbaridades.
Tinha nela seu sustento nos bons invernos, nos ruins, tudo sucumbia, dando pernas movimentar para outras áreas do brejo, cariri ou alguma capital dos Estados do país em desenvolvimento horizontal e vertical. A construção civil e as fábricas dominavam o movimento dos paus-de-arara singrando estradas de terra sangrando carnes e mentes dos retirantes.
Produzia poeira e dor algemando peito calafetado sem chave para abrir, as secas medonhas, trazendo doenças e abandono às crianças sem amparo quando o leite materno desaparecia da boca de muitas crias, pelas mães a cada ano receber nova cria em ventre preparado para por no mundo muitos filhos sem destino traçado de como sobreviver estudando os deveres nos cadernos que só a elite entendia que merecia.
Filetes de lágrimas escorriam no rosto pelos encovados canais das rugas dos pais, mais as mães, quando negava aurora primaveril da cor do anil, tempo de inverno sem negação.
Tapera humilde recebia nas noites úmidas, quentes que fossem, muitas redes estendidas com corpos de jovens e crianças, mais os dois adultos casal em cômodo separado numa cama, sempre se balançando impulsionada pelo movimento da máquina de fazer gente, as redes os pés faziam o movimento quando dava de encontro a alguma parede de reboco na casa de taipa.
Não tinha televisão!!!
Casebre trepado na solidão do alto do morro, segura por base sólida de granito, não entendia quão difícil foi o transporte das pedras para a construção do açude logo acima.
Em companhia de muitos filhos vindos de um só ventre, surgiam uma vez ou outra, homens do governo com pulverizadores nas costas para branquear as paredes da tapera de veneno, dizendo o responsável pelo evento, ser a mando de sanitaristas para dizimar ovos de barbeiro.
Estavam matando gente, dando prejuízo às finanças do governo, por gastar muito do bem público com a doença de Chagas.
Informou o homem de branco, não tivessem medo, não, podia as crianças partir pra cima e torar o rabo das lagartixas, mais tarde apareciam de rabo novo, como as diabruras sempre se renovava para prolongar o sofrimento dos homens e dos jumentos, animais que serviam pra jabá, depois de trabalhar tanto carregando peso no espinhaço para as trempes de fogão a lenha, sacos de mantimentos colhidos nas roças e capim para os cercados de varas que resguardava algum animal leiteiro.
O tempo por aquela região do polígono das secas vivia de tempo ruim num tempo, de tempo bom noutro, mas bem menor os bons tempos que os ruins.
Morcegos encandeados pela amarela lâmpada do teto da tapera, alumiando feito ouro de tolo, fossem chupar sangue de animais e não de meninos nas madrugadas,  já não possuíam  bons fluidos pra movimento, muitos de muitas famílias já se achavam tortos pela desnutrição infantil.
Vaquinha presa no cercado de arame farpado, não dava mais de alimentar os meninos pela falta de verde pasto, choramingavam ao lado puxando o vestido querendo mimo e o leite da mãe que também os peitos  secaram.
Sorria e fazia sorrir a vaquinha às famílias mais poderosas na economia de possuí-la nas invernadas, por fresco capim a qualquer hora colhido em vazante  nos descampados baixios que seguravam alguma umidade mais prolongada.
Crianças muitas, sustentadas na sua essência familiar pelo mais valente dos homens, davam movimentar pelos matos e terreiros sem anteparo às pernas nuas e descalças com  barriga saliente pelos vermes estocados, cachetes pra lombriga distribuídos pelos agentes de saúde, faziam mais tarde despejar os montes pelos matos dos aceiros de casa.
Cabra macho pai como aquele não existia, como muitos, cabra que num passado andou armado em proteção de coronel poderoso e parentes politiqueiros do sertão.
Homem de passado que se dispôs entocar-se nas brenhas das capoeiras, pra pegar de surpresa o inimigo da política dos coronéis dos anos trinta. Derrubava jagunços dos poderosos inimigos que queriam administrar o poder do sertão a seu modo, num piscar de olhos a mando do coronel.
Com tiro de coiteiro certeiro com rifle papo amarelo, o inimigo de outra facção política, de disputa por terra e derrubada de cerca,  visitava o chão, lá ficando para sempre sem bater as pestanas, nem saber de onde partiu a munição que o varou no peito e o jogou ao chão.
De cem metros alvejava o coração de ossos em movimento, sobre montaria, dizia o homem que um dia, alicerçado pelo poder de matar e proteção de quem detinha poder, viveu esse período do sertão do vale-tudo sem lei nos anos vinte e trinta.
Cabra que atirava como ele garantia empregado com passagem e carta de alforria, liberdade para viver acoitado em qualquer terra, de coronel poderoso, ou de político que lhe desse proteção.
Quem tivesse mais poder, o levava como protetor das sesmarias sem mais quais quais quais.
A tapera do cabra pau pra toda obra suspensa por paus de aroeira da braba caatinga, com certeza de prazer na hora do fazer muitos filhos, viu nascer dez rebentos, escapar oito com vida sem vida, sem irmandade nem anestesia pra sarar as dores da agonia da fome.
Com o tempo viviam pulando feito potro brabo, sem arreio, pelo meio da tapera dispersa, terreiro e adjacências, livres para fazer o que desse na telha recém nascida infantil e junvenil. Não existia preocupação de encontrar pela frente, alguém que os fizesse mal, além da fome e a quase miséria do entorno. O medo amedrontava mais quando a mãe gritava: “entra pra dentro, menino, cuidado com o papa figo”!
Pessoas de má índole, diziam, pegavam criança pequena pelas capoeiras e arrancava o fígado para vender às famílias de quem tinha gente com problema hepático e muito poder em bens e dinheiro. Acontecia de ser assim, se a família tinha poder de sobra pra pagar em partes ou a vista, a mercadoria retirada dos órgãos das crianças pobres lesando distante dos terreiros de casa.
Medo dos ciganos também fazia moleque se esconder nas brenhas, ou por baixo da saia de qualquer um da família mulher. Roubavam o que aparecia de interesse, jogavam praga a quem não ajudasse com esmola de caneca de grão de feijão, arroz, farinha, café, galinha, peru, pato, pedaço de leitão, carne de sol ao sol secando, salgada para se proteger das moscas varejeiras que pousavam ovos e criava bicho feio tapuru que dava engulho.
A tristeza maior pra moleque vinha quando na hora do almoço, jantar, merendar, via no prato de barro, feito pela vizinha artesã, o pastoso angu da cor de sangue que escorria dos buchos de cabras arruaceiros, que mexiam com moça donzela e não se sujeitavam a casar na polícia, por poder que o pai exercia nos desmandos. Faca, punhal e bala faziam estrago no corpo de quem não impunha respeito.
Sentia que a seca ressurgia, trazendo um pouco do purgatório,  levando um pouco do céu para fora do prazer que emanava dessa época de fartura, nas chuvas.
Abastança de milho cozido, assado, pamonha, canjica ao sabor de canela em pau, desapareciam nas estiagens prolongadas, era quando dava de crescer o bucho das crianças, pela terra e bosta de animais virarem insumos em alimento.
Desaparecia nas estiagens grãos como fava, feijão verde com nata nadando em caldo saboroso, arroz novinho grudado por ser filhote de grão branquinho ou vermelhão, só sobrava para alimento alguma farinha encaroçada nas vendas de espertos comerciantes, feijão gorgulhento e milho bichado para o moinho triturar e virar cuscuz, angu que fazia azia em goela que requeria mais substancioso alimento.
Colhidos da terra de vazante, ou nos baixios que mais segurava água, surgiam com fartura nas casas dos colonos e rendeiros todo tipo de legumes. Na chuvarada.
Fartura de sorriso nos lábios preenchia cara de moços e velhos, só a terra tinha o poder de produzir sorriso farto. Na chuvarada.
Arroz precisa de água pra se segurar ereto, produzir com profusão, assim como o sertanejo, para deixar de rolar na face, a água do seu interior e curvar-se à terra pra virar estrume nas mãos de quem tinha algum poder estatal ou particular. Os coronéis.
As chuvas traziam muita fartura e ainda segurava o agricultor no seu habitat, perdendo as capitais do país mão de obra barata para as lidas nas construções e fábricas de moer carne de gente deixando a alma demente.
A seca trazia muitos desenganos para o sertanejo que, por causa dela, estava sempre preparado para migrar como retirante.











sábado, 18 de março de 2017

CONTOS MEMORIAIS - CONTO 2

CONTO 2

Menino não gostava da época de inverno no sertão, de acompanhar o pai austero de enxada nas costas em direção ao roçado de mato pesado, com disposição de varar o dia sob sol calamitoso cultivando leiras de vazante com filhotes de milho e feijão. Era dia de facada no peito, de tiro de fuzil nos sonhos como ainda o então sertão caminhava acelerado.
O calor braseiro do senhor o destronava da alegria, tristeza acachapava a esperança de menino em formação, pondo na grande e dolorida tristeza que era limpar mato desde o nascer da aurora, até o sol se por com pinceladas de várias cores: negras, quentes e frias. Cores que descoloria quase sempre a esperança de meninos filhos de sertanejos pobres que tentavam tirar da terra o sustento como alimento.
Sentia que deveria estar como estava pelo momento muitos filhos de bacana da pequena vila de funcionários, com  livros, cadernos, lápis não mão, e os lábios quentes prontos pra beijar  meninas, mais tarde produzir com firmeza um encontro para tirar sua virgindade. Era seguro que este boy bem nascido e de família com os pés, as mãos e as ações no corrimão da segurança pública do sertão, não sofreria represália, a moça era do campo, pobre e com sonhos além das possibilidades.
Ganhava coceira dos diabos no corpo das folhas do milharal, e outras tantas culturas florando como o arrozal, mandioca, canavial. Sofreguidão na pele, nos movimentos, por não conseguir pegar o dia com sua aspereza de trabalho pesado e trazê-lo pra si para um carinho beneplácito.
Encher as unhas de terra preta dava vergonha ir de encontro às meninas nas noites do sertão, até mesmo nos encontros em sala de aula, quando já era mocinho com hormônio visitando o organismo, e o vício o pegando pra levar até uma moita, quando retirava de dentro de si energias acumuladas pela testosterona. As cabritas pastando capim seco ou verde como a esperança, era  fuga pra desafogar a sexualidade.
A tristeza deletéria em algum momento surgia, quando o eito ia se fechando, ah, vou ficar livre daqui a pouco pra jogar bola, paquerar, tomar banho no rio que corre desde o sangradouro do açude soltando água sertaneja que sonha conhecer o mar. Quando as enxadas se encontravam derrubando mato, cobras surgiam tentando fugir pra longe. Sabia dos conselhos do pai pra não enfrentar cobras venenosas sem estar por perto um adulto muito macho em pegar ela com a mão e matá-la  com os dentes, pois quebrar coco e rapadura na testa já sabiam que isso ele fazia.
Dava risada dos pulos dos irmãos tentando correr do ser rastejante, e da valentia do pai mirando a cabeça da cobra para amassar com a enxada cortante.
Cada filho menino fugia pulando pra longe do bote da cascavel. Salamandra, coral, jararaca, punha medo e respeito sem depender do tamanho.
Os mais velhos se encarregavam de pegar a cobra de pau, ajudado pelo pai. Pendurada em forquilha, estava garantida a destreza na ligeireza que tiveram em matá-la primeiro que ela a eles.
Momento bom surgia lá pras onze horas da manhã, no mais tardar, ao meio dia, quando cansados de fome no cambão da enxada surgia meninotes que não podiam cair na lida do campo, acompanhando mãe carregando num cesto a comida pobre em sustança, mas preparada com amor no coração gigante.
Filhos que ainda mamavam choravam pra andar escanchados nas costelas de mãe, de modo a ela andar torta dum lado arrastando tantos filhos pequenos, levando na cabeça, protegida com rodilha,  o cesto com vários pratos de comida.
“Ai meus Deus, que aperrei, é muito menino querendo mimo de uma só criatura!”
Panelas amarradas em panos encardidos resguardados pelos modos do sertão levavam pouca comida. Geralmente não dando para repetição. Deixava língua lambendo beiço e barriga ocupada pela metade, nos coitados jovens que volviam a terra do roçado na esperança de que ela produzisse bem mais comida que a que a mãe trazia no momento.
Acontecia de ser assim pelo meio da seca, que apresentava sangria no corpo do homem, vazando pouca gordura que porventura havia ganhado nos invernos muito curtos. Era um tapa na cara a fome impertinente de tempos em tempos que ultrajava a gente do sertão do polígono das secas.
Quando do  breu e do adeus das chuvas, regurgitava, em estado caótico, esqueleto vivo ululante  pervertido pela miséria praticada pela fome.
Magreza esquelética ganhava corpo de gente resistente na impertinência, em viver em estado de conveniência com o solo impiedoso e os homens poderosos que exploravam sua gente pelo advento da indústria da seca.
Sentados em qualquer pedaço de toco, ou no próprio cabo da enxada, comia com alegria a família, por mais um dia terem conseguido atravessar, sem se despistar do futuro do céu em cantilena religiosa, para ver se nova nuvem carregada precipita ronco de trovão, e clarão de relâmpago enfeita o firmamento que assusta a meninada.
Ao surgir a chuva, se precipitando assim,  contentamento e nova fé ressurgia em cada cara, geralmente mais triste que alegre do homem da caatinga que, tinha na terra molhada, o Senhor como seu patrono.
Na seca era o cão o inimigo urinando em seu corpo, na sua fé, esperança.
Descansados um tanto de minutinho depois da comida, peleja voltava à carga, não ficando pedaço de mato em pé que não caísse, quando ajuntavam todos os filhos presentes nos sábados de todas as semanas dos bons invernos.
Fim de semana de tristeza para uns menos levados a ser do campo,  por serem preguiçosos pra enxada, picareta, cortar vara de marmelo nas serras para abrir brenhas para roças de coivara, pisar barro pra conserto de velhas paredes, ir pegar lenha para o fogão com pouco grão para cozimento, trazer água dos canais que corria logo abaixo da tapera.
Sabadão de produção de alegria para outros acontecia, por ver que o mato não ia comer os grelos novos de cultura de vazante, e mais adiante as espigas de milho iam encher o paiol, sacos de estopa ganhariam grãos de feijão, outros tantos trazia do campo o arroz catado cacho por cacho quando pronto pra colheita se achava dourando os campos de vazantes.
O plantio que nasceu em dia de chuva, esperando que ela caísse em constância vigorosa, cresceria e produziria o suficiente pra encher pequenos e grandes açudes, e a pança da grande família não seria esquecida, nem somente visitada pelas lombrigas que a fazia esticar.
Vixe Maria, minha mãe do céu da minha infância!
Açude despejava pelo sangradouro sobras de água do enchimento, como os grãos enchiam os silos dos agricultores da minha meninice.
Grãos em baciada traziam alegria pela fartura de tudo dá as caras. Não cobrava um vintém de alguém à natureza, mas lubutava o sertanejo para ser feliz até o ultimo suspiro, ao fugir das terras dos coronéis que cobravam a metade do que ele produzia em suas propriedades.
Feliz ficavam mães de muitos filhos, chamando o vento no assobio, para fazer palhas pularem da arupemba na limpa dos grãos e envaidecer e crescer todos e não virarem retirantes prontos pra serem explorados pelo latifúndio reinante.





terça-feira, 14 de março de 2017

CONTOS MEMORIAIS - CONTO 3

                                                                    CONTO 3

Frutas produzidas no vale irrigado caiam do céu para boca de famintos como luz multicolor quando ilumina quem vive em tempos de cratera de trevas. Nos períodos de safra frondosa, ah, que delícia! a fronte dos moradores das áreas rachadas pelas estiagens ganhava botox natural, o cosmético mais empregado hoje para esconder as rugas de quem tem, na vaidade, o vício de se esconder do tempo.
Matava fome de meninos quando estes pulavam cercas e usavam do impulso das pedras para derrubar frutas ainda madurando no cacho. Um olho na fruta, outro no dono do pomar para fugir de bala de sal disparada por munição de espingarda de socar.
Alimento bom trazia as frutas sertanejas pro buxo, sustança elementar pra continuar sonhando o homem com céu escurecido e o ronco dos trovões acompanhados de claridades passageiras pelos relâmpagos crepitantes.
Espigados coqueiros produziam bola verde pra matar a sede de menino arteiro e de adultos famintos. Era um refrigério animador a melhor água doce de coco do sertão, quando descia pela goela em dia de sol a pino, com suor escorrendo pelo corpo, produzido por seguidas brutalidades de braços sacolejantes nas enxadadas na terra.
De barriga cheia, bola chutada era as de meia no terreiro de casa de taipa sua ou dos vizinhos.
De capotão em campo de terra brincavam de quem fazia mais goools em traves com trevas nas armações de pedra, de touco de madeira sem lei. Os dedos dos pés dos jogadores mirins correndo atrás da pelota, se lesionavam com farta facilidade pelos tocos e pedras serem chutados no lugar da bola.
Água de coco nas sedes das estripulias matava  desejo de meninos nos pomares, que nasceram por mãos de funcionários da vila de terras públicas. Quando o inverno surgia, era uma festa, sacoleja a esperança de banhos demorados. Saiam os meninos nadando arrastado pela correnteza do rio, canais de irrigações eram frequentados para brincadeiras demoradas, do trampolim improvisado da galeria, pulava de ponta rapazotes mais afoitos. Perigo a vista de ser puxado por redemoinho formado acima da comporta sugando água que enchia os canais.
Água do açude era entregue à população da pequena vila de funcionários públicos, em canos de aço enferrujados. Entrava nas casas derivada de grande caixa d’água pendurada num despenhadeiro.
Lembra do dizer dos mais velhos que a água era boa não só para beber, servia como xampu, a de coco, a água renovada do açude em reboliço, podia trazer para as tripas, o vibrião da cólera. Tramóia! Dava cabelo endurecido pelo açucarado doce sabor, a de coco. Pente não penetrava. Só quando forçava o garfo de madeira com raios de bicicleta, pelas entranhas do Black Power dos anos de irreverência dos setenta.
Fiapos de manga do vale irrigado se metiam à besta, se embocando entre dentes.
Aja palito de lascas de capim pra socar entre um e outro, e tirar o cabelo pelo da manga espada, coquinho. Manga rosa, bem vinda era a popa. 
A menina Rosa fazia um bem dos diabos, alimentava a fantasia, aquecia a energia da juventude espoleta procurando se aventurar em busca dos primeiros amassos, depois de experimentar os iniciais goles de cana pitu nas beiras dos canais de irrigação, embaixo das moitas de avelozes.
Suco adocicado de manga chupada com prazer de olhar perspicaz na próxima, não exprimia careta. Da Rosa o riso tímido alimentava moleque, seu beijo dava efeito de acelerar o coração. Lembra o menino arteiro de quando moleques de cócoras, esperava vento no galho que a manga derrubasse, enquanto o outro o galho balançava, sonhando com a presença de Rosa alargando o sorriso o convidando pra se encontrarem  na praça, bem longe de olhares guardiães e da TV que mais chiava que falava, bem mais chuviscava que mostrava imagens definida.
Enfeitava a vida de fartura nas safras as frondosas árvores.
Enfeitava a alegria a Rosa rebolando com trouxa de panos para lavagem na cabeça, com a mãe à frente gritando. “Rosa, peste de minina, anda adespressa, tá ficando muito pra trás, é tarde!”
Passarinhos vigilantes cuidavam das frutas para bicar e papo encher, com elas ainda sem por toda amadurecer.
Meninos parrudos cuidavam da Rosa em formação para beliscar atenção pra pensamentos sobre amor e sexo nas macegas.
Era bom, lembra o moleque!
Disputava com quem tinha mais fome de amor e comida como os homens já crescidos.
Das pinhas e graviolas se comia até o caroço, por ser alongado pequeno e não roliço nem grosso, deslizava fácil pela garganta e não entupiam como as goiabas.
Amadureciam por debaixo de capim amontoado, frutas como abacate, pinha, graviola. Frutas esquentavam a polpa no calor, amoleciam mais cedo pra festejo de menino que tinha pressa para a fome matar.
Apetite de moleque em crescimento, não esperava tempo aberto fazer amolecer a polpa inteira de frutas do  viveiro de experimento agrícola, como os cajus, abacates, seriguelas, cajaranas, cajás e  umbus.
Tangerinas eram furtadas por bandos de moleques, em sítio afastado dos guardas do perímetro, sempre salientes no experimento de entregar os moleques pra família dar um corretivo de cipó de marmeleiro, quando o pai não tinha verba pra retirar o cinto do cós da calça.
Se demorasse derrubar do galho curvado pelo peso da boa produção, espertos com mais força na fome e na envergadura, chegavam pra comer fruta primeiro que menino arteiro.
Lembra dos canais de irrigação que nos invernos deixavam de produzir lágrimas nos agricultores e saíam abundantes despejando fertilidade nos campos sertanejos formados por várzeas de terra fértil.
Enfiava gosto pular de ponta de ponte de tábua, dando cabeçada  n’água em correnteza, com certeza. Diversão danada de boa sair nadando debruçado arrastado pela correnteza do rio temporão, flutuando deitado em pau de bananeira,  bóia de câmera de caminhão, vigilante no céu alumiado de calor feito braseiro do Senhor, levado mais adiante de encontro aos braços do guarda-civil  Bico-de-Aço.
Lembra, porém, dessa beleza de existência, apenas quando as chuvas se faziam presente e despejavam as sobras do grande açude pelo sangradouro, parando de sangrar os olhos dos agricultores e dando viva aos peixes.
Otoridade civil entregava moleque para os pais pra correção da malinação nas correntezas do rio e canais em ação de escorrer água nas invernadas.
Lapadas de cinto de couro cru no traseiro ou cipó de arbusto que desse pra mão quebrar, visitavam espinhaço a qualquer hora da ditadura dos pais, apois seguia a risca a ditadura militar, quando moleque não possuía ainda pernas-pra-quem-te-quero e corria feito potro brabo para diversão em busca dos braços da vó.
Vixe! Como era bom o sertão quando chovia de montão!
Vixe! Como era triste o sertão quando fazia seca de arrastão!
Das goiabas novas no verde do cio, reclamava moleque pra mãe que não conseguia cagar, tava entupido pelo excesso de caroço hostil.
Das muito maduras nem espiava por dentro moleque faminto. Eram devoradas no desarvoro mastigar quase não. Não via bicho mole se mexendo do tipo tapuru de fruta.
Horror aos bichos só delegava às vistas, quando era produzido nos restos que os urubus não conseguiam devorar dos animais mortos pelo estio.
O sertão dá e tira desde tempos imemoráveis, ouviu o menino esta frase muito dita pelos mais velhos embriagados por contar sobre o passado hostil do sertão, já contidos pelo aproximar da morte, apois que morriam desde que nasceram pras bandas de  terras distantes mais secas que molhadas. Em muitos, lágrimas de despedidas corriam pelos escovados canais do rosto, vindo sentimento aflorar devido saudade boa ou ruim do passado que migrara com mais afinco para o presente.
Os homens faziam cruzes com os dedos indicador das mãos, para afugentar o demônio da seca. Era lembrado ou citado por alguém adepto do imprestável, nas rodas de conversa dos mais velhos olhando para o céu em adivinhação, se o inverno seria bom ou não. Imagens que até hoje continua gravada na cachola de menino.
Com inverno ou não, ciriguela das verdes exprimia careta na cara dos apressados em chegar primeiro que os adultos. Subiam nos pés que curvava os galhos para o chão, pela fartura a cada entrada de ano tão esperada. Os umbus não deixavam faltar outra face nos sujeitos proprietários de muita fome, por colherem ainda verdes frutas temporãs produzidas em terras sertanejas. Sangrava boca de saliva as tangerinas do viveiro, por também não esperarem o amadurecimento dos frutos cajá, cajarana.
Derribava de galho moleque mais crescido, essas árvores que davam fruta, e se partiam inteiro com o peso dos meninos em crescimento.
Os adultos diziam pra ter cuidado com elas, não tinham trançado na matéria madeira como as goiabeiras resistentes, nem iguais eram aos homens que lutaram na guerra de Canudos.
Juá o menino não gostava de provar, em boca disponível pra qualquer alimento em qualquer tempo. Não tinha muito que mastigar a fruta da árvore sempre verde, perdido no esmo da mata calcinada. Sua polpa poupava a fome, por ser maior o caroço que o gosto. Sombra para o descanso de corpo estorvado pelos solavancos das ferramentas que volviam a terra para o plantio depois do estio era graça para os bóias-frias.
Cassacos da emergência da seca e agricultores das vazantes penavam quando um juazeiro por perto não existia. Eram procurados por  estarem sempre fechados no trançado das folhas verdes. Dele valia a casca raspada para escovar os dentes, depois de comer mais vento e sol que sustança sólida, os trabalhadores do eito.
Eita febre fibrosa que atacava sentimento de homem, já pensando nas plagas distantes que desse para viver sem o medo da fome.
O sertão imprimia medo ao homem, da fome.
Das mortes matadas, não.







domingo, 5 de março de 2017

CONTOS MEMORIAIS - CONTO 4

                                             CONTO  4
Dos frutos bons da terra irrigada pelos estreitos e largos canais, se mastigava o que enchia o vago do estomago com prazer presunçoso.
Nos descampados sem árvores frutíferas, mães parideiras não deixavam teta grande cheia boa de mamar faltar às crianças o leite materno.
Lembra que nasciam aos montes guris concebidos em camas sempre quentes, esperando a chaminé da fabrica acender para produzir muitos nenéns sem teréns, de futuro incerto.
Meninas criando penugem no seu lugar proibido faziam moleques viajar na perdição, pensando sobre como seria bom se relacionar corpo a corpo com ela escondido nos matos que dessem pra esconder corpos quentes.
Quando ocorria de se entregar com amor febril, logo ia a menina moça contar a mãe, que depressa ia contar  ao pai quem tinha bulido  na sua parte proibida de ser tocada antes do casamento.
Certas denúncias de relacionamento mais sério de moços e moças, às vezes, decorria em longo prazo, quando a barriga da moça se estendia mais volumosa à frente. Nesse caso, não se casasse com quem a embuchou, virava rapariga com furor nos olhos cheios de lágrimas, por ser expulsa de casa pelo pai austero machão.
Era tempo dele menino também estar recebendo pêlo, crescer os peitos por hormônio masculino virando também machão para os ditames do sertão.
Testosterona se formava na carne, sobrando dessa produção hormonal, mais a fantasia, vindo à realidade sobressair nos animais cabrita égua jumenta. Nelas os moleques retiravam energia da juventude sem a amnésia de culpa.
Tinham necessidades de alimentar não só a fantasia as meninas meninos, pelos hormônios dos dois sexos virem em visita ao corpo que se deslanchava aumentando o preço da carne.
Abria fissura nos olhos dos moleques  meninas botando corpo, quando se deixavam vestir-se de shortinho para sair sobre o calor braseiro do Senhor.
Também sonhava com esperança de que moleque ainda novo, e filho de classe melhor amparada no colo da sociedade local, a assumisse retirando da casa dos pais, dando agasalho nos abraços, na comida, no  cobertor, e muitas crias pro futuro não ficar incerto, e os filhos sem sangue de melhor correr pelos canudos das veias.
Ganhar sangue azulado como a atmosfera do mesmo céu, era o pensamento da menina menino mais esperto, de se casar com alguém de família com cabecinhas de gado num curral apartado, alimentado por capim cultivado sobre fertilizada terra preta, ou dezenas levadas pro matadouro.
Pensamento envolto por nuvens fecundas, a fazia sonhar em mudar de rumo no ramo das aplicações de como pegar marido bom de cama e gaita.
Ganhando vaquinha leiteira depois de neném no colo e o filho preso aos braços esperando emprego público, garantia  se sobressair junto aos demais de pobreza endêmica.
Nem sempre dava certo em se casar depois de bulida à menina em fase de crescimento, pelo pai do mancebo ter negado assinatura no cartório.
Muitas tinham única saída, servir pra chacota de marmanjos a chamando de rapariga, e querê-las levar pro mato os marmanjos, ou a moça ir parar na famosa zona mais perto do prazer dos homens que frequentavam o baixo meretrício.
Eh! vida arteira de infância sem cálculos matemáticos, sem conjunções aditivadas no comprido das falas, sem o complexo nexo dos verbos conjugados dentro da lei do seu tempo, sem a sintaxe overdose de pró-nomes, adjetivos feios vindos por apelidos excêntricos que cada um ganhava no linguajar de moleques criativos.
Era o calor do meio dia deixando arteiro quem tinha tino pra arte, na escala Celsius passava dos 40 graus ao sol a pino sem nuvem no caminho do destino.
Era a terra aberta em erosão de aluvião vermelhão no tempo bom de chuva forte.
Era a mão do agricultor carente asperamente envolvida com as ferramentas levantadas pro céu, rezando doidamente a fim de ver a água correr furando oco das brenhas.
Quando da negação da chuva, a erosão surgia na sua tristeza, na boca do estômago, com os ombros carregando a cruz de cristo por promessa enviada ao santo da devoção.
Lembra como o tempo abria porta que não queria abrir, nas chuvaradas, por exemplo, quando o tucunaré com pirão fazia dente moer cachaça em talagada lá no restaurante catete, comprada em meia garrafa por quem não achava dividendos pra garrafa inteira.
Sorridente por dentro vinha moleque da bodega de dona Zefa, venda enfiada debaixo das mangueiras, ao lado das bananeiras, bem perto dos sítios de coqueiro.
Bicicleta pedalava pernas ligeiras para ir de encontro à venda.
Beiços lambidos perdidos na poeira dos arados dos tratores ficavam ansiosos por talagada em roda animada por gente com gosto pra ficar contente por algum tempo, pelo menos ao momento de durar na cabeça o efeito da cana.
Tratores, jipes, caminhões no vai e vem do perímetro levando técnicos agrícolas,  trabalhadores braçais davam carona a rapaziada roceira como viajante da diversão na volta pra casa depois do dia na lida.
Sanfona, pandeiro, triângulo, zabumba botavam corpos tristes alegres nos fins de semana, esperando ter feito um bem dos diabos aos animados casais, estes compartilhavam vontades próprias de se casarem daqui um ano, se o inverno fosse de pouco alvorecer aurora, daqui seis meses, se fosse de muito alvorecer aurora, ou quando os grãos enchessem sacos paiós silos prontos pra esperar nova seca, ira dos demônios.
A gruta da santa Nossa Senhora de Lourdes recebia subindo  íngremes degraus,  joelhos de casal nubentes e velhos de membros tortos, crentes que no sofrimento de usar parte do corpo como assento rastejante, receberia garantia que a filharada que viria, traria na astúcia, saúde e água  com fartura no decorrer dos anos.
Mesmo com as artimanhas de tempo insano vez ou outra, melhor era o que se passou, em vista do que agora são essas coisas que vêm dos infernos urbanísticos, no caudal ir e vir dos dias de hoje pela urbana city São Paulo.
As lembranças arrefeçam de dentro do menino, como ondas em caudal nos arrecifes, pelas lágrimas virem visitar quase sempre, a quem só nasceu pra enxergar, sem propósito em ter que divisar, com as malquerenças dos sitiados cidadãos da urbe humana.


domingo, 22 de janeiro de 2017

TÁ OSSO!

Tá OSSO
Meus ossos de uma hora pra outra pegaram se rebelar com minha presença sempre exigindo deles mais esforço pra chegar em algum lugar de difícil alcance.
Nas corridas malucas pra perder peso, uma hora empacou, me fizeram estancar de supetão, por se amolecer por entre as minhas carnes e dizer pra que eu não saísse do lugar. Castigo pra quem se acha ainda um menino e não quer ver no tempo um parceiro que exaure.
Ralhou: isso não é vida, companheiro de luta, irmão das mesmas angústias. Somos sangue do mesmo sangue, filhos do mesmo DNA, temos que entrar num acordo, preciso ser cuidado com mais zelo pra durar igual durará toda estrutura mole do seu corpo.
Noutras corridas pra chegar primeiro nas oportunidades que apareciam, meus ossos também se fizeram amolecer. Se revoltaram.
De uns tempos pra cá anda me avisando: segure a onde meu irmão, somos do mesmo corpo, da mesma estrutura, regados pelo mesmo sangue, o que você engole, a me chega pelos teus excessos.
            Meus ossos querem me fazer retrair na corrida  pra se colocar e tentar as coisas boas que a vida tem pra dar.
Toda vez que meus ossos acham que excedo para o plantio de algum feito que acho razoável, pra me colocar  perante a sociedade, eles me deixam no chão sem poder se levantar.
Quando estou ávido pra chegar correndo feito um tantã em algum lugar, muitas vezes meus ossos dizem que esqueço de que ter uma vida saudável é melhor, pois, com o tempo, outros elementos que formam o corpo humano, que participam dos mesmos eventos, logo estarão pedindo arrego.
Quando ocorre de se revoltar, meus ossos acabam amolecendo, se tornando uma espécie de borracha que não quebra quando enverga, mas me retira às forças para que  meu corpo não chegue onde quero, nem a mente fique alegre.
Nessas ocasiões acabo ficando puto com os meus ossos, quando me ponho a me arrastar  no lugar que me encontro clamando a eles que tornem a endurecer, foi pra isso que os milhares de séculos existiram, pra formar o ser humano como é hoje, com ossos obedientes e equilibrados.
Diz: não, meu irmão, tou agindo com você desse modo pra segurar sua onda, sua loucura de querer estar em todo lugar se desgastando de forma a me deixar com menos tempo de vida. Sou sua parte mais dura como elemento de sustentação do teu corpo, mas não sou dono da sua mente, de seus desejos, por causa disso, uso da artimanha e do poder que tenho, que pra mim é sabedoria, de te segurar, quando eu passo a ficar  mole nas tuas junções e armadura esquelética. Se ficando mole, levando você a cair e se arrastar, não consigo lhe deixar parado por muito, imagine se não usasse dessa arte de amolecer. Sou ossos sábios, entendi com o passar do tempo que só amolecendo  por dentro pra lhe fazer entender que tem hora que as paradas às reflexões são necessárias, com isso consigo te parar por fora, te estancar em algum canto do teu ser desobediente, que tá sempre querendo bater no vento que sopra contra  ti.
Acho que meus ossos têm muito ciúme das minhas correrias e buscas e sonhos e realizações. Quer me fazer um João bobo, uma marionete, Zé ninguém, tem ciúme das noitadas franqueadas quando estou de caso amoroso com uma mulher que ele não acha gostosa ou não vai com a cara. Acho que meus ossos acham que quem tem que gozar é eles. Até já se meteram com o meu pau, dizendo a ele que fizesse e agisse como eles agem, amolecesse também nas horas que não comungasse das mesmas idéias e desejos, nas horas das felicidades estremadas. Apesar do meu pau não ter osso, uma vez ou outra quer acompanhar as ideais dos meus ossos. Parece um pau sem caráter, vai pela conversa dos outros, mesmo sabendo que mais tarde pagará alto preço pelas bobagens que faz, do tipo, pegar uma gonorréia.
Tem uma coisa estranha na minha relação com os meus ossos. Parece que eles não me querem ver feliz. Quando rio,  já sinto por dentro do corpo um comichão, são meus ossos agindo pra me fazer retrair e se tornar mais comedido. Outro dia tava eu com os amigos farreando, quando na hora do desfecho do prazer  inigualável, me fez arriar e ficar estatelado sem poder sair do lugar. Tudo amoleceu. Meus amigos ficaram sem saber o que fazer, foi quando tive que acalmá-los, dizendo que com os meus ossos eu me entendia. Daí a pouco fiquei triste, foi quando voltou a endurecer, mais daí a farra acabou, perdi a graça e a calma, senti vontade de pegar uma furadeira, uma serra copo,  esmerilhadeira, moto serra e cortar meus ossos em pedaços minúsculos pra nunca mais eles fazerem feio quando das minhas alegrias. Age nessas horas sempre pra me deixar pra baixo.
Como  grande  parte dos elementos do meu corpo também é mole, e ser meus ossos que formam a minha estrutura firme feito rocha, nessas horas fico sem ter como me movimentar. Acabo comedido pra que eles acabem com a greve racista que fazem pra com a minha pessoa quando está feliz.
Acho meus ossos muito invejosos de mim. Por que sou uma pessoa solta, sem vínculo psicótico com nada, sem apego, livre, leve e solto no pasto feito um  potro em busca de ração que lhe aqueça o estomago e a alegria nas trepadas com uma égua nova. Inveja é uma pedra que se atira na direção de quem não se gosta, mas quem recebe não sabe de que direção partiu, isto é, quando não se conhece quem é o invejoso, mas no caso dos meus ossos, não, eu os conheço, afinal nascemos juntos, somos do mesmo espaço, ocupamos a mesma estrutura, movimentamos no mesmo conjunto pra todo lado, não tinham porque ter inveja de mim, já que aonde vou, os levo.
Em várias situações meus ossos me deixam nervoso, é quando se acham sabichão, e eu o bobão, se acham o Doutor Honoris Causa da sabedoria do equilíbrio da saúde fisica e mental. Enche o saco: para de beber álcool, toma cálcio, come tal fruta com tal letra, você quer que eu morra antes de você pra ficar por aí gandaiando pelas noites com mulheres,  poesias, se empatufando de proteína animal, criando calo na barriga, desgastando os órgãos internos ingerindo o que não presta como alimento. Respeita Zé! Sou a torre da tua estrutura e você é meu com esse corpo cheio de malevolência e certa poesia!

Zé Sarmento

sábado, 21 de janeiro de 2017

UMA CANTADA DOS INFERNOS 2

...Filha, lava esse corpo, fica cheiro/zona e se apronta pra encontrar mais uma vez aquele que vai nos trazer vida melhor.
Põe teu melhor vestido, o vermelho/pink, pinta o rosto com a maquiagem que ele te presenteou, calça aquele sapato de salto plataforma, tasca uns pingos de perfume e cai na vida, menina...
...É a oportunidade da nossa vida, de nossa sobrevivência sem tanto sofrimento...
...Tá cheio de menina da tua idade que melhorou a vida da família, saindo com homens como aquele que parou pra conversar com você no farol...É a oportunidade de deixar de viver ganhando merreca nas ruas vendendo doce, de ter melhor roupa, sapata, maquiagem e comer o que gosta e alimenta com sustança...
...Tá vendo essa cozinha, não tem nada que preste, as panelas tão vazias esperando o que cozinhar há meses. A geladeira nem água limpa pra beber tem...
...O jeito é tu cair na vida e trazer dinheiro...
...Não temos outra saída, é você com esse corpo lindo que Deus te deu, que saiu de mim e que me orgulho, ou ninguém...
...A solução pra nossa miséria é você...
...Olha que lábio tão desenhado e carnudo... Os homens vão adorar beijar...Tuas pernas, nunca vi mais roliças...Vai ser um sucesso quando aparecer pela primeira vez na televisão, nas revistas...Os fofoqueiros não vão te tirar da pauta...Pelo visto esse homem tem conhecimento desse meio filha...Pelo que vi ele conversando contigo, ele conhece todo mundo do meio artístico...Ah, meu Deus muito obrigada!...
...Ainda bem, né, filha, que tu achou a pessoa certa...
...Quem diria, logo na rua. Deus escreve certo por linhas tortas, né, não, filha?
Mãe, eu tou com medo... e se não for nada daquilo quele me prometeu?
Acredita sua incrédula! Tu não pode jogar fora essa oportunidade... Elas são difíceis de chegar e quando vem não pode ter falha!...
...Filha, esse homem quer ti ajudar e ajudando você tá ajudando eu e teus irmãos que não mastigaram nada hoje...Coitados, não fosse à merenda pobre da escola que vão, morreriam de fome...
...Oh meu Deus! Tou com tanto vontade de comer um bife com feijão e arroz e batata frita...Há dias que o estômago pede e o desejo não vai embora, mas é muito caro, né, filha, carne?...
...Se pelo menos tivesse conseguido dinheiro do bolsa família, as coisas não tavam tão preta...
____Mãe, um homem queu nem conheço, nunca vi mais gordo...
É homem... e pelo quele falou, vai fazer de você uma modelo de primeira linha...Vai ganhar mais grana que as magrelas...as anoréxicas!
...Menina, levanta essa cabeça, ergue o peito, respira fundo e entra naquele carro!...O homem faz duas horas que tá te esperando lá fora.
____Ai que meda, viu...
A primeira vez é assim filha...Depois tu se acostuma e a coisa corre naturalmente...
...O importante é tu entrar de cabeça na vida desse homem...
...Como já disse, ele é nossa salvação...
Não vê que se tu não entrar naquele carro tá tudo perdido!...
Tu sabe que’u já andei essa cidade inteira em busca de emprego e não acho...
...Me responda...Como uma pessoa como eu, sem estudo, vai arrumar trabalho, se todos que têm hoje em dia é pra quem tem curso disso e daquilo?
O que sobra pra nós, é tu pôr esse corpo pra trabalhar e ajudar eu e os meninos...
...Se pelo menos eles fossem grande, já pudessem trabalhar...Mas coitados, ainda não conseguem levar direito nem o próprio corpo...
...A solução é tu e essa oportunidade que surgiu...
Vai, tu tá linda... Cheirosa... Vai antes que’le desista de te lavar pro sucesso...
Vai com deus, filha...E boa trepada!
Amem...!

ZéSarmento

sábado, 7 de janeiro de 2017

UMA CANTADA DOS INFERNOS 1

UMA CANTADA DOS INFERNOS 
Vai um suflair, doutor? 
Não. Obrigado!
Vai doutor, leva, é baratinho...
Não quero...
Não me diga que não tem uma moeda sobrando?
Tenho mais é minha.
Pra gasolina?
Não!
Pagar cartão de crédito?
Não!
A conta do celular?
Não!
Aproveita. É só um real o chocolate.
Não quero!
Como é difícil tirar um real de mão de vaca.
Quer ganhar mais?
Como assim, doutor?
Entra no meu carro que te dou 100.
Pra fazer o que?
Varias coisas.
Como assim?
Topa fazer de tudo?
Tudo o que?
Tudo!
Mas tudo não diz nada.
Tou precisando de uma companhia.
Pra que, doutor?
Pra fazer umas coisas...
Que coisas?
Escute aqui, você não é burra...
Não tou entendendo, doutor.
Quanto tempo você demora pra ganhar 100 pratas?
Uns 15 dias.
Não acha legal ganhar 100 em menos de duas horas?
Pra fazer o que?
Não se faça de desentendida bonitona...
Cê acha?
Depois de uma ducha no capricho.
Cê acha?
Em cama macia, vai valer mais de 100.
Pra fazer o que, doutor?
Eu quero sua “buceta” por 100 pilas, topa?
O doutor tá é doido!
Tou doido por você!
Eu sou virgem.
Pago dobrado!
Até tou precisando de dinheiro e de perder a virgindade. Sou motivo de gozação das amigas de escola.
Sua mãe não tá precisando de 200 contos?
Precisando tá.
Com 200 você vai ao mercado e enche a dispensa.
E o que digo pra mãe?
Que você achou o dinheiro. Você tem de tudo? 
Não.
Então...
Doutor, os outros carros querem passar.
Deixa esses filhos da puta buzinar.
O doutor é doido.
Tou doido por você. Por esses seus olhos!
Vixe!
Por esses peitos...
Isso é coisa feia, doutor.
Feio é você ficar aí nesse solão tentando ganhar 1 real.
Quem faz o que o doutor quer por dinheiro é puta.
Prostituição não é crime nem pecado. Crime é o que vc faz quase de graça. Com esse corpo, você vai viver bem melhor... e se for esperta, ficar rica!
Tem um monte delas que fica rica, Dr?
Se tem...
Não tenho coragem, sou muito nova, tenho medo.
Digo pra você que não tira pedaço. Lavou tá novo!
E a alma, doutor, não fica escangalhada?
Fica se você não aceitar. Duvido que sua vida seja açucarada vendendo esses doces.
Não é doce, mas também não é amarga.
Se não é uma coisa nem outra, por que não muda pra ver se adoça seu dia?
Não sei...
É só entrar no carro e sua vida muda.
Como pode uma vida mudar por causa de 200 reais?
Isse é dinheiro de saída, moleca. Se você aceitar e der tudo certo, todo dia você pode ganhar até mil.
Mil, doutor?
Se for esperta até 1500.
1500?
Com esse corpo, bonitona, gostosa, esses peitos e esses olhos, logo tá até pousando pra revista.
É verdade, doutor?
E não é...? É só contar dos seus desejos pra pessoa certa, que sou eu, que você vai voar alto.Vamo?
Não. Prefiro vender os doces.
Deixa de ser boba, entra logo. Você só vai sair ganhando.
Doutor, não me faça sonhar!
Não é proibido!
Pra pobre que nem eu, é!
Não é! É só você usar o que tem de melhor!
E o que eu tenho de melhor?
Seu corpo.Vende ele que você sai da pindaíba. Aproveita enquanto é nova!
Não sei...Posso falar com minha mãe...
Vai.
Tá bom... 
Vai logo filha desalmada, entra logo naquele carro, não vê que é nossa salvação!...
Zé Sarmento