sábado, 18 de março de 2017

CONTOS MEMORIAIS - CONTO 2

CONTO 2

Menino não gostava da época de inverno no sertão, de acompanhar o pai austero de enxada nas costas em direção ao roçado de mato pesado, com disposição de varar o dia sob sol calamitoso cultivando leiras de vazante com filhotes de milho e feijão. Era dia de facada no peito, de tiro de fuzil nos sonhos como ainda o então sertão caminhava acelerado.
O calor braseiro do senhor o destronava da alegria, tristeza acachapava a esperança de menino em formação, pondo na grande e dolorida tristeza que era limpar mato desde o nascer da aurora, até o sol se por com pinceladas de várias cores: negras, quentes e frias. Cores que descoloria quase sempre a esperança de meninos filhos de sertanejos pobres que tentavam tirar da terra o sustento como alimento.
Sentia que deveria estar como estava pelo momento muitos filhos de bacana da pequena vila de funcionários, com  livros, cadernos, lápis não mão, e os lábios quentes prontos pra beijar  meninas, mais tarde produzir com firmeza um encontro para tirar sua virgindade. Era seguro que este boy bem nascido e de família com os pés, as mãos e as ações no corrimão da segurança pública do sertão, não sofreria represália, a moça era do campo, pobre e com sonhos além das possibilidades.
Ganhava coceira dos diabos no corpo das folhas do milharal, e outras tantas culturas florando como o arrozal, mandioca, canavial. Sofreguidão na pele, nos movimentos, por não conseguir pegar o dia com sua aspereza de trabalho pesado e trazê-lo pra si para um carinho beneplácito.
Encher as unhas de terra preta dava vergonha ir de encontro às meninas nas noites do sertão, até mesmo nos encontros em sala de aula, quando já era mocinho com hormônio visitando o organismo, e o vício o pegando pra levar até uma moita, quando retirava de dentro de si energias acumuladas pela testosterona. As cabritas pastando capim seco ou verde como a esperança, era  fuga pra desafogar a sexualidade.
A tristeza deletéria em algum momento surgia, quando o eito ia se fechando, ah, vou ficar livre daqui a pouco pra jogar bola, paquerar, tomar banho no rio que corre desde o sangradouro do açude soltando água sertaneja que sonha conhecer o mar. Quando as enxadas se encontravam derrubando mato, cobras surgiam tentando fugir pra longe. Sabia dos conselhos do pai pra não enfrentar cobras venenosas sem estar por perto um adulto muito macho em pegar ela com a mão e matá-la  com os dentes, pois quebrar coco e rapadura na testa já sabiam que isso ele fazia.
Dava risada dos pulos dos irmãos tentando correr do ser rastejante, e da valentia do pai mirando a cabeça da cobra para amassar com a enxada cortante.
Cada filho menino fugia pulando pra longe do bote da cascavel. Salamandra, coral, jararaca, punha medo e respeito sem depender do tamanho.
Os mais velhos se encarregavam de pegar a cobra de pau, ajudado pelo pai. Pendurada em forquilha, estava garantida a destreza na ligeireza que tiveram em matá-la primeiro que ela a eles.
Momento bom surgia lá pras onze horas da manhã, no mais tardar, ao meio dia, quando cansados de fome no cambão da enxada surgia meninotes que não podiam cair na lida do campo, acompanhando mãe carregando num cesto a comida pobre em sustança, mas preparada com amor no coração gigante.
Filhos que ainda mamavam choravam pra andar escanchados nas costelas de mãe, de modo a ela andar torta dum lado arrastando tantos filhos pequenos, levando na cabeça, protegida com rodilha,  o cesto com vários pratos de comida.
“Ai meus Deus, que aperrei, é muito menino querendo mimo de uma só criatura!”
Panelas amarradas em panos encardidos resguardados pelos modos do sertão levavam pouca comida. Geralmente não dando para repetição. Deixava língua lambendo beiço e barriga ocupada pela metade, nos coitados jovens que volviam a terra do roçado na esperança de que ela produzisse bem mais comida que a que a mãe trazia no momento.
Acontecia de ser assim pelo meio da seca, que apresentava sangria no corpo do homem, vazando pouca gordura que porventura havia ganhado nos invernos muito curtos. Era um tapa na cara a fome impertinente de tempos em tempos que ultrajava a gente do sertão do polígono das secas.
Quando do  breu e do adeus das chuvas, regurgitava, em estado caótico, esqueleto vivo ululante  pervertido pela miséria praticada pela fome.
Magreza esquelética ganhava corpo de gente resistente na impertinência, em viver em estado de conveniência com o solo impiedoso e os homens poderosos que exploravam sua gente pelo advento da indústria da seca.
Sentados em qualquer pedaço de toco, ou no próprio cabo da enxada, comia com alegria a família, por mais um dia terem conseguido atravessar, sem se despistar do futuro do céu em cantilena religiosa, para ver se nova nuvem carregada precipita ronco de trovão, e clarão de relâmpago enfeita o firmamento que assusta a meninada.
Ao surgir a chuva, se precipitando assim,  contentamento e nova fé ressurgia em cada cara, geralmente mais triste que alegre do homem da caatinga que, tinha na terra molhada, o Senhor como seu patrono.
Na seca era o cão o inimigo urinando em seu corpo, na sua fé, esperança.
Descansados um tanto de minutinho depois da comida, peleja voltava à carga, não ficando pedaço de mato em pé que não caísse, quando ajuntavam todos os filhos presentes nos sábados de todas as semanas dos bons invernos.
Fim de semana de tristeza para uns menos levados a ser do campo,  por serem preguiçosos pra enxada, picareta, cortar vara de marmelo nas serras para abrir brenhas para roças de coivara, pisar barro pra conserto de velhas paredes, ir pegar lenha para o fogão com pouco grão para cozimento, trazer água dos canais que corria logo abaixo da tapera.
Sabadão de produção de alegria para outros acontecia, por ver que o mato não ia comer os grelos novos de cultura de vazante, e mais adiante as espigas de milho iam encher o paiol, sacos de estopa ganhariam grãos de feijão, outros tantos trazia do campo o arroz catado cacho por cacho quando pronto pra colheita se achava dourando os campos de vazantes.
O plantio que nasceu em dia de chuva, esperando que ela caísse em constância vigorosa, cresceria e produziria o suficiente pra encher pequenos e grandes açudes, e a pança da grande família não seria esquecida, nem somente visitada pelas lombrigas que a fazia esticar.
Vixe Maria, minha mãe do céu da minha infância!
Açude despejava pelo sangradouro sobras de água do enchimento, como os grãos enchiam os silos dos agricultores da minha meninice.
Grãos em baciada traziam alegria pela fartura de tudo dá as caras. Não cobrava um vintém de alguém à natureza, mas lubutava o sertanejo para ser feliz até o ultimo suspiro, ao fugir das terras dos coronéis que cobravam a metade do que ele produzia em suas propriedades.
Feliz ficavam mães de muitos filhos, chamando o vento no assobio, para fazer palhas pularem da arupemba na limpa dos grãos e envaidecer e crescer todos e não virarem retirantes prontos pra serem explorados pelo latifúndio reinante.





terça-feira, 14 de março de 2017

CONTOS MEMORIAIS - CONTO 3

                                                                    CONTO 3

Frutas produzidas no vale irrigado caiam do céu para boca de famintos como luz multicolor quando ilumina quem vive em tempos de cratera de trevas. Nos períodos de safra frondosa, ah, que delícia! a fronte dos moradores das áreas rachadas pelas estiagens ganhava botox natural, o cosmético mais empregado hoje para esconder as rugas de quem tem, na vaidade, o vício de se esconder do tempo.
Matava fome de meninos quando estes pulavam cercas e usavam do impulso das pedras para derrubar frutas ainda madurando no cacho. Um olho na fruta, outro no dono do pomar para fugir de bala de sal disparada por munição de espingarda de socar.
Alimento bom trazia as frutas sertanejas pro buxo, sustança elementar pra continuar sonhando o homem com céu escurecido e o ronco dos trovões acompanhados de claridades passageiras pelos relâmpagos crepitantes.
Espigados coqueiros produziam bola verde pra matar a sede de menino arteiro e de adultos famintos. Era um refrigério animador a melhor água doce de coco do sertão, quando descia pela goela em dia de sol a pino, com suor escorrendo pelo corpo, produzido por seguidas brutalidades de braços sacolejantes nas enxadadas na terra.
De barriga cheia, bola chutada era as de meia no terreiro de casa de taipa sua ou dos vizinhos.
De capotão em campo de terra brincavam de quem fazia mais goools em traves com trevas nas armações de pedra, de touco de madeira sem lei. Os dedos dos pés dos jogadores mirins correndo atrás da pelota, se lesionavam com farta facilidade pelos tocos e pedras serem chutados no lugar da bola.
Água de coco nas sedes das estripulias matava  desejo de meninos nos pomares, que nasceram por mãos de funcionários da vila de terras públicas. Quando o inverno surgia, era uma festa, sacoleja a esperança de banhos demorados. Saiam os meninos nadando arrastado pela correnteza do rio, canais de irrigações eram frequentados para brincadeiras demoradas, do trampolim improvisado da galeria, pulava de ponta rapazotes mais afoitos. Perigo a vista de ser puxado por redemoinho formado acima da comporta sugando água que enchia os canais.
Água do açude era entregue à população da pequena vila de funcionários públicos, em canos de aço enferrujados. Entrava nas casas derivada de grande caixa d’água pendurada num despenhadeiro.
Lembra do dizer dos mais velhos que a água era boa não só para beber, servia como xampu, a de coco, a água renovada do açude em reboliço, podia trazer para as tripas, o vibrião da cólera. Tramóia! Dava cabelo endurecido pelo açucarado doce sabor, a de coco. Pente não penetrava. Só quando forçava o garfo de madeira com raios de bicicleta, pelas entranhas do Black Power dos anos de irreverência dos setenta.
Fiapos de manga do vale irrigado se metiam à besta, se embocando entre dentes.
Aja palito de lascas de capim pra socar entre um e outro, e tirar o cabelo pelo da manga espada, coquinho. Manga rosa, bem vinda era a popa. 
A menina Rosa fazia um bem dos diabos, alimentava a fantasia, aquecia a energia da juventude espoleta procurando se aventurar em busca dos primeiros amassos, depois de experimentar os iniciais goles de cana pitu nas beiras dos canais de irrigação, embaixo das moitas de avelozes.
Suco adocicado de manga chupada com prazer de olhar perspicaz na próxima, não exprimia careta. Da Rosa o riso tímido alimentava moleque, seu beijo dava efeito de acelerar o coração. Lembra o menino arteiro de quando moleques de cócoras, esperava vento no galho que a manga derrubasse, enquanto o outro o galho balançava, sonhando com a presença de Rosa alargando o sorriso o convidando pra se encontrarem  na praça, bem longe de olhares guardiães e da TV que mais chiava que falava, bem mais chuviscava que mostrava imagens definida.
Enfeitava a vida de fartura nas safras as frondosas árvores.
Enfeitava a alegria a Rosa rebolando com trouxa de panos para lavagem na cabeça, com a mãe à frente gritando. “Rosa, peste de minina, anda adespressa, tá ficando muito pra trás, é tarde!”
Passarinhos vigilantes cuidavam das frutas para bicar e papo encher, com elas ainda sem por toda amadurecer.
Meninos parrudos cuidavam da Rosa em formação para beliscar atenção pra pensamentos sobre amor e sexo nas macegas.
Era bom, lembra o moleque!
Disputava com quem tinha mais fome de amor e comida como os homens já crescidos.
Das pinhas e graviolas se comia até o caroço, por ser alongado pequeno e não roliço nem grosso, deslizava fácil pela garganta e não entupiam como as goiabas.
Amadureciam por debaixo de capim amontoado, frutas como abacate, pinha, graviola. Frutas esquentavam a polpa no calor, amoleciam mais cedo pra festejo de menino que tinha pressa para a fome matar.
Apetite de moleque em crescimento, não esperava tempo aberto fazer amolecer a polpa inteira de frutas do  viveiro de experimento agrícola, como os cajus, abacates, seriguelas, cajaranas, cajás e  umbus.
Tangerinas eram furtadas por bandos de moleques, em sítio afastado dos guardas do perímetro, sempre salientes no experimento de entregar os moleques pra família dar um corretivo de cipó de marmeleiro, quando o pai não tinha verba pra retirar o cinto do cós da calça.
Se demorasse derrubar do galho curvado pelo peso da boa produção, espertos com mais força na fome e na envergadura, chegavam pra comer fruta primeiro que menino arteiro.
Lembra dos canais de irrigação que nos invernos deixavam de produzir lágrimas nos agricultores e saíam abundantes despejando fertilidade nos campos sertanejos formados por várzeas de terra fértil.
Enfiava gosto pular de ponta de ponte de tábua, dando cabeçada  n’água em correnteza, com certeza. Diversão danada de boa sair nadando debruçado arrastado pela correnteza do rio temporão, flutuando deitado em pau de bananeira,  bóia de câmera de caminhão, vigilante no céu alumiado de calor feito braseiro do Senhor, levado mais adiante de encontro aos braços do guarda-civil  Bico-de-Aço.
Lembra, porém, dessa beleza de existência, apenas quando as chuvas se faziam presente e despejavam as sobras do grande açude pelo sangradouro, parando de sangrar os olhos dos agricultores e dando viva aos peixes.
Otoridade civil entregava moleque para os pais pra correção da malinação nas correntezas do rio e canais em ação de escorrer água nas invernadas.
Lapadas de cinto de couro cru no traseiro ou cipó de arbusto que desse pra mão quebrar, visitavam espinhaço a qualquer hora da ditadura dos pais, apois seguia a risca a ditadura militar, quando moleque não possuía ainda pernas-pra-quem-te-quero e corria feito potro brabo para diversão em busca dos braços da vó.
Vixe! Como era bom o sertão quando chovia de montão!
Vixe! Como era triste o sertão quando fazia seca de arrastão!
Das goiabas novas no verde do cio, reclamava moleque pra mãe que não conseguia cagar, tava entupido pelo excesso de caroço hostil.
Das muito maduras nem espiava por dentro moleque faminto. Eram devoradas no desarvoro mastigar quase não. Não via bicho mole se mexendo do tipo tapuru de fruta.
Horror aos bichos só delegava às vistas, quando era produzido nos restos que os urubus não conseguiam devorar dos animais mortos pelo estio.
O sertão dá e tira desde tempos imemoráveis, ouviu o menino esta frase muito dita pelos mais velhos embriagados por contar sobre o passado hostil do sertão, já contidos pelo aproximar da morte, apois que morriam desde que nasceram pras bandas de  terras distantes mais secas que molhadas. Em muitos, lágrimas de despedidas corriam pelos escovados canais do rosto, vindo sentimento aflorar devido saudade boa ou ruim do passado que migrara com mais afinco para o presente.
Os homens faziam cruzes com os dedos indicador das mãos, para afugentar o demônio da seca. Era lembrado ou citado por alguém adepto do imprestável, nas rodas de conversa dos mais velhos olhando para o céu em adivinhação, se o inverno seria bom ou não. Imagens que até hoje continua gravada na cachola de menino.
Com inverno ou não, ciriguela das verdes exprimia careta na cara dos apressados em chegar primeiro que os adultos. Subiam nos pés que curvava os galhos para o chão, pela fartura a cada entrada de ano tão esperada. Os umbus não deixavam faltar outra face nos sujeitos proprietários de muita fome, por colherem ainda verdes frutas temporãs produzidas em terras sertanejas. Sangrava boca de saliva as tangerinas do viveiro, por também não esperarem o amadurecimento dos frutos cajá, cajarana.
Derribava de galho moleque mais crescido, essas árvores que davam fruta, e se partiam inteiro com o peso dos meninos em crescimento.
Os adultos diziam pra ter cuidado com elas, não tinham trançado na matéria madeira como as goiabeiras resistentes, nem iguais eram aos homens que lutaram na guerra de Canudos.
Juá o menino não gostava de provar, em boca disponível pra qualquer alimento em qualquer tempo. Não tinha muito que mastigar a fruta da árvore sempre verde, perdido no esmo da mata calcinada. Sua polpa poupava a fome, por ser maior o caroço que o gosto. Sombra para o descanso de corpo estorvado pelos solavancos das ferramentas que volviam a terra para o plantio depois do estio era graça para os bóias-frias.
Cassacos da emergência da seca e agricultores das vazantes penavam quando um juazeiro por perto não existia. Eram procurados por  estarem sempre fechados no trançado das folhas verdes. Dele valia a casca raspada para escovar os dentes, depois de comer mais vento e sol que sustança sólida, os trabalhadores do eito.
Eita febre fibrosa que atacava sentimento de homem, já pensando nas plagas distantes que desse para viver sem o medo da fome.
O sertão imprimia medo ao homem, da fome.
Das mortes matadas, não.