quarta-feira, 1 de agosto de 2007

ACERTO DE CONTA

Mano, olha aqui, não tou brincando, tou falando sério, se a grana não aparecer até amanhã, meto bala nessa fuça!

Pelo que contam os vizinhos e conhecidos do morto, esse foi o último aviso que escutaram das janelas semi-abertas de suas casas, num teatro a céu aberto. Às pardas luzes espaçadas dos postes da rua não iluminavam com focos fechados os atores da dramática cena de gestos largos e vozes exuberantes. Noite em que os minutos quase a encostavam as zero hora de um dia em que o caos mais uma vez se fez presente à cidade, pela chuva ter derrubado barrancos, alagado as planícies que num passado não era prejudicada pelas inundações.Não possuíam o que ocupa hoje espaços tão reduzidos, barracos formando grandes favelas que passa visão de horror a quem mora bem e distante das péssimas moradias da periferia.

Acossado pelos moleques com quem divide os pequenos roubos, tendo a companhia do muro da sua casa protegendo a retaguarda, o nada protegendo os flancos e a vanguarda, com dois revólveres o ameaçando, Damiãozinho é intimidado pelos dois comparsas com quem divide produtos de assaltos.

Precisavam embolsar o dinheiro do carro que conseguiram pegar na mão grande quando o dono saia com pacotes de pão numa mão, a outra ocupada tentando acender cigarro recém sacado do maço e retirar a chave do bolso. Na distração de estar tentando fazer mais coisas que duas mãos têm liberdade de praticar ao mesmo tempo, abrir o carro, acender o cigarro e segurar o pacote de pão, foi abordado pelos três, quando sentiu uma das armas com raiva pressa descer e beijar o frontal da cabeça sem ser por amor ao próximo, o ódio nessa hora falou mais alto que o tão referenciado sentimento amor.

Eram dessa forma que os três amigos crescidos em vilas diferentes, se conhecido a pouco devido às correrias da vida louca do mundo do crime, faziam para conseguir se vestir, comprar droga, possuir as cabritas que rodavam o dia todo e parte das noites nas correrias, fazer presença nas festas pela vizinhança e calçar as melhores marcas de tênis, mesmo que essas fossem falsificadas e contrabandeadas dos paises do oriente...ou copiados pelos homens de negócios sem fino trato para com pagamento de royalty.

Talvez tenha sido morto, dias depois, pelo fato de não terem crescidos juntos na mesma vila, se isso tivesse acontecido, o respeito viria em dobro ou dariam mais um tempo para as cobranças ou no próximo assalto o devedor deixaria quite a dívida por não levar a parte que lhe caberia.

A amizade foi formada já no mundo do crime, então resolveram se dissociar dos outros comparsas que estavam pisando e montar a própria firma. Não sabia o que veio receber balaços no futuro, que os amigos de mesmo conluio e sócio poderiam matá-lo. Não acreditou, porque achava que dividindo o mesmo trabalho, um cobria a pisada escorregadia do outro em ensaboado piso e assim levaria os assaltos na boa.

Foi por muito avisado de que poderia acontecer, pelas cobranças da parte em dinheiro de cada um não aparecer até então.

Dia sim, dia não, apareciam os dois cobrando de Damiãozinho o que devia, às vistas da porta de casa onde residia com os pais, à mulher e um filho recém-nascido.

Uma vez ou outra quando o pai estava em casa, se metia na discussão para retirar o filho do meio da encrenca e dar conselhos aos comparsas que não fizessem mais o que estavam aprontando frente a vizinhança.Quando não era ele, a mãe tomava as rédeas, esta sempre achando nas palavras que o filho dizia, ser merecedor da sua confiança.

O pai não, quando conseguia produzir que o filho descesse da rua para casa e o seduzia arranjando que se sentasse no sofá da sala, desembuchava da boca o que estava engasgado na língua, em conselhos e outros modos de agir, muitas vezes retirando das páginas escritas da bíblia o que tornava verbo.

Como ninguém conhece ninguém nem de perto nem de longe, os pais de Damiãozinho também não o conheciam, para eles, o filho não vivia enrolado nas correrias marginais dos vizinhos da vila, não fazia aquilo que era conversado e explorado diariamente pela boca dos moradores da rua. Só os filhos dos outros tinham o poder de cair no crime, os filhos de cada um dos moradores daquelas quebradas eram santos anjos que a todos os céus envaidece e fica o nosso senhor os olhando, protegendo os passos de cada um em direção aos erros e acertos.

Dois dias depois, na certa não tendo acertado o que devia com os que um dia foi amigo, Damiãozinho recebeu a última visita.

Contam uns vizinhos que ele merecia ir, mas não quem foi junto com ele, por se meter em direção à bala para protegê-lo.

Em mais uma noite de terror na periferia os tiros despertaram uma vez mais a vizinhança, e quando os tiros são enviados, na mesma hora as janelas se abrem para os mais chegados em ver a desordem humana acontecer em direção às vistas, mesmo tendo que negar dias depois que tenha assistido alguma cena do crime, não querem se comprometer, o filme assistido é de posse individual e não coletiva.

O pai em proteção ao filho se posicionou de forma a que não atirassem.

Contam quem sabe mais amiúdo do caso, que os comparsas que vieram para resolver a questão de uma forma ou de outra, se assustaram pensando que o coroa tivesse armado e, outra, por algumas vezes dizer que deixassem de agir como agiam.

Morreu o coroa, por levar a mão para trás e trazê-la engatilhada entre os dedos, pequeno livro sagrado que carregava no bolso da calça.

Onde já se viu, o homem todo dia ao chegar em casa tomava banho e se arrumava para ir falar da palavra de deus em casinha formada templo alugada pela própria família para juntar os irmãos de mesma fé.

Deixando dois corpos estirados, o pai na mesma hora dizendo adeus aos que continuaram vivos e o filho conseguindo se levantar e sair pedindo socorro pela rua, os moleques vazaram varando a noite pulando muro sem vistas igual os que viram e não viram.

Como ninguém viu nada, na certa estão agindo da mesma forma, isto é, se não pegaram alguém como eles para fazer consigo o que fizeram com Damiãozinho, porque é certo, como explicam os rifões populares mais conhecidos copilando as leis de Moisés ao seu povo a milhares de anos, quem com ferro fere com ferro será ferido ou, olho por olho, dente por dente, ou,..meter fogo depois do querosene.