quinta-feira, 20 de junho de 2019

AQUI TEM HISTÓRIA - É TUDO VERDADE I

           AQUI TEM HISTÓRIA - É TUDO VERDADE I
  • Fui uma criança e adolescente criado sem acesso a arte da diversidade. Minha casa de taipa não tinha nada relacionado a discos, livros, rádio, TV, revista. Pobreza quase absoluta. Lembro que, só mais tarde, quase aos dezoitos anos, já morando numa casa nova de alvenaria e caiada de amarelo, meu pai conseguiu comprar um rádio com uma graninha extra que entrou do seu trabalho. O trouxe do Recife, única cidade grande que conheceu. Lembro ele abrindo um saco de açúcar e apresentando o aparelho. Depressa um monte de rapaz e meninos, eram oito irmãos, todos homens, deram jeito de ligar na tomada. Com o tempo correndo eu que ficava mais tempo o escutando depois das lidas nos campos como boia-fria. Esse rádio me segurava a seus pés ouvindo a rádio verdes mares de Fortaleza, nos programas que tocavam músicas populares mais elaboradas com o cantor Ednardo, (pavão misterioso) Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Bethânia, Gal. Nas horas mágicas da tarde com a noite tomando lugar do claro do dia, escutava uma rádio de Cajazeiras, a altos piranhas, nesse horário tocava um programa de nome forró do varandão. Esse rádio, ainda hoje lembro, e revivo a cena, um dos meus irmãos mais velhos do que eu, o jogou ao chão, com muita raiva, pela pressão que estava passando pelo meu pai lhe cobrar se casar com uma moça maior de idade que ele tinha levado pro mato e feito sexo com ela. Casou-se na marra, na polícia, como diziam. Lembro do tio da moça, que era o tutor dela, ao chegar em minha casa, numa tarde calorenta do sertão e falar com o meu pai que sua sobrinha havia contado do caso. Tinha perdido a virgindade. Espatifado o rádio, fiquei sem minhas viagens lúdicas nas músicas diferentes dos forrós tocados nos rádios dos vizinhos. O cinema da vila também me fazia viajar muito para dentro dos filmes de faroeste, algumas séries do zorro, superman. Os filmes que mais me deixavam triste e numa preocupação de estragar momentos alegres, eram aqueles que tinham, na sua narrativa, o cangaço e a seca Nordestina. Gostava tanto de ver os filmes no pequeno cinema da vila que, numa tarde, à boca da noite, sem dinheiro para pagar ingresso, eu e um colega entramos no cinema mais cedo e ficamos atrás da tela sentados nas vigas que a segurava. Assistimos a exibição do filme ao contrário nessa noite. Foi uma aventura e tanto. Todo sábado era exibido um filme. Quando o filme era, de fato, muito chamativo, havia duas sessões. Paixão de Cristo, na Páscoa, era um deles. O filme retirava quase todos de suas casas para assisti-lo, depois da janta, que era cedo. Este fazia o chão umedecer com os olhos dos caboclos sangrando o sofrimento de Jesus açoitado, ferido, ensanguentado morto na cruz.


terça-feira, 11 de junho de 2019

LUGAR DA PALAVRA


PALAVRA...
Ah, o que mora dentro das palavras que a gente diz?
Dentro da nossa palavra mora munição, disparada por arma construída pela memória ao longo do tempo.
Nela tem passado, tem presente, história, tem ponte que pode nós levar pro futuro, tem substantivo curto como a palavra flor, amor, tem verbo comprido como a palavra estudar, trabalhar...
Dentro da palavra tem tecido bordado, colorido, preto, branco, listrado, furta-cor.
Palavra tem peso como o peso do elefante, também pode ter o peso do peso de uma formiga... Para ter valor...Ou desvalor, depende de quê boca saia.
Dentro das palavras está nosso passado vivido na liberdade ou acorrentado nalgum modelo de vida.
Palavra liberta as pessoas, ela falada, escrita, gritada, até silenciada.
Quanto à palavra silenciada, ela grita dentro de cada um, e machuca a carne, porque é uma palavra presa.
Quanto à palavra livre, escancarada, muitas das vezes pode machucar, quem anda, por demais, em liberdade.
A palavra de cada um tem história, muita, pouca... Mas nunca nenhuma.
A palavra pode ser palavrão quando diz a verdade pra quem anda na mentira desde pequeninho.
A palavra, o palavrão, a palavrinha, pode ser remédio pra quem anda sem o direito de dizê-la.
Cada palavra sabe o que pretende proferir, mas as palavras que mais sabem o que dizem, são aquelas construídas ao longo da história de cada um, tendo como base, a leitura de bons livros.
Os livros são peças fodas, meus camaradas!
São capazes de nos exportar para palavras de outras línguas, de outros povos, inclusive!
Palavra é cultura! Sim! Tem a dissonante de dizer a que veio... quando processada dentro de parâmetros adquirido no conhecimento de causas e efeito.
Palavra bonita é o bicho, quando dita com poesia, com irreverência, latitude, com linguajar erudito ou popular.
Gosto muito de escutar quem sabe dizer palavras que nos elevam com verdade, com conhecimento de causa.
Palavra do tipo que cospe munição e que deixa os zovidos de todos zunindo e com vontade de repeti-las em todo lugar que chega.
É isso aí, dentro da nossa palavra mora toda uma existência e vivências adquiridas ao longo dos anos.
Anos vividos em meio aos grupos de pessoas aos quais pertencemos.
Quem tem o dom da palavra, tem o poder de uma grande e poderosa arma. Vai munição de palavras aí, meu irmão?