terça-feira, 11 de agosto de 2020

TEXTO PUBLICADO NO PORTAL CRONÓPIOS

 

Reflexão de um cão vira-lata, preso na jaula dos cachorros finos. 

O menino virou homem. Refletindo consigo, no seu canto de ser só dele, bom tempo seu que ninguém mete a mão, tempo de escritor, diria, porque sem esse tempo que é só dele não há criação.

Nele foi mais ele com suas dúvidas, angústias, alegrias.

Diz aê, quem tiver tempo de sobra que divida com quem tempo tem demais para doar.

No tempo que é meu, me acho como a água do rio encontra o mar. Satisfeita por ter chegado a seu destino, sem empatar a vida de ninguém. Uma vez ou outra a água do tempo meu, de estar em sobras múltiplas comigo mesmo, pode ser revolta, mas se segura e pede que não passe a quem tem tempo livre também, a ira dos endemoninhados, dos que não sabem viver entubados na UTI dos valores contemporâneos.

Dito isto, mesmo sem conhecer direito o aparato das personalidades humanas que, a me, parecem, terem a personalidade de um Macunaíma.

Tempo livre que hoje me leva às letras, a aglutinação irreverente delas, para definir as frases, os períodos longos, dando-lhe uma forma de expressão, sem judiar a retórica contemporânea, mas descer a borduna nos nefastos que acham que os valores se esfriaram, e para alimentá-los, por esse tempo, o faz ir parar nos fornos aquecidos a mil graus de calor que o derrete. 

E não é pra isso que serve a escrita, desde àquela vindo das cabeças mais acentuadas no dístico que as distingue como pedra preciosa de lava bem formada, àquela que encena como representante também de um segmento social menos sedento de sabedoria e que se formou da pedra bruta como eu? 

Os valores estão em crise de ser ou não ser, pelo visto.

Os valores se entrincheiram na desordem, por escutar que, o jeito e a ordem é se dá bem, não importando os meios pelos quais querem levar vantagem.

Em crise e, achando que tudo pode, acharam um meio de se enfeitar para redigir o panorama atual do povo brasileiro, desde aquele mais simples cidadão vestido de comum andando pelas ruas fazendo negócios escusos, àqueles que se fardaram num passado para receber o diploma universitário. 

O saco de forte fibra de sisal ou algodão que antes levava a disposição da multiplicação dos pães para a excentricidade do caráter nacional, não mais distribui  caráter único, não, duplicado por mil  e ensacado por sacola de plástico barato se encontra desde muito, aja visto que todos estão mergulhados na defesa da honra e da hora exata de se dar bem, à saber, bem mais, em vista dos escândalos que se renova a cada dia mostrados pela mídia que os desensaca,  deixando a olhos nus, e distribui gratuitamente a quem quiser se informar dos valores em crise. 

Foi-se o tempo, em hora tão adiantada nas informações, do homem se deixar minimizar pelo largo corredor do pregresso e não querer vivê-lo de forma intensa, possuindo aquilo que a indústria o põe às vistas e o cega de informação para tocar no produto e dizer: é ele que eu quero, é dele que preciso (mesmo sem precisar). Quero só pela forma de dizer que consegui, nem que seja por vias ilegais, eu preciso. Quero ser dono da usura, imperador da fortaleza que me cerca, quero ser o capanga que resguarda a suntuosa indústria psíquica interna que acho que devo possuir. 

Assim não há quem queira caminhar pelas vias legais até o altar da cidadania plena, desde os bem informados, aos maus.

Pelo menos um deslize, se não deu até agora, vai chegar a dar o cidadão de hoje para se compor da sabedoria e do poder de conseguir regurgitar pelos cantos da boca, a baba da avareza. 

São valores impetuosos perseguidos pelos colarinhos brancos/azul/anil, dizendo que ama o Brasil, mas que vão se divertir fora levando os malotes captados das repartições públicas. Numerários vastos adquiridos a vista de grossa e engenhosa corrupção. 

O menino que cresceu e virou homem entende, assim  acontecendo, há o ensinamento pra quem já aprendeu na graduação, chegando a fazer a pós, há o ensinamento a quem quer aprender fazendo o curso superior, há o ensinamento a quem não nasceu pra aprender em poucos dias, por só ter feito o ensino médio, e haverá o ensinamento  a quem não vai aprender nunca, por ter ido só até o ensino fundamental então, por essa razão, se masturbam de subserviência suficiente pra tentar mamar na teta daquele que se fez como homem dono do alheio. Esse é um dos piores da crise contemporânea, porque se deixa levar pela prerrogativa do assistencialismo do mau caratismo.

Todos, ou quase, estão e estarão à disposição de mudança de caráter e com as mãos coçando para se enturmar com quem tem o poder de demanda de fazer-lhe um cliente do desmando. (Sem esse aprendizado passado pelo mau-caratismo brasileiro, não há solução para o enriquecimento, para os louros da vitória e a participação na renda do tesouro nacional). 

Visão caótica, sabe o menino que cresceu e virou homem, de ceticismo a dar com pau no cangote de um mal-feitor, mas não sabe fugir pra nenhum lugar do cantinho da mente sem que veja no cidadão atual, a acidez da crise cruel de ser ou não ser, vou ou não vou.

Escuta conversa no repouso que requer o seu ouvido, por todos os cantos, imagina que seja essa a conversa, infelizmente da maioria, incitando os outros a irem pelo mesmo caminho da insensatez de caráter.

Vamos, cara, entrar nessa, tem tanta gente se dando bem! Vamo! Vai dá certo, acredite!

E se formos pegos?

Esquece! Com o que conseguirmos, compramos nossa liberdade, o nosso repousa estará garantido pelos sequentes anos, e outra... Nunca mais nos acharão sem estarmos com os cálculos da fuga engendrado. No máximo, por aqui, nessa metrópole de loucos e espertos, vamos puxar um mês, dois, de cana. Parece que não conhece o judiciário do nosso país, as delegacias distritais, a polícia. Parece que não conhece o homem atual, estudado, alfabetizado, formado em letras, em medicina, engenharia, administração, parece que não conhece o pedreiro, o padeiro, a parteira, todos precisam do papel que faz vislumbrar a quem estar vivo sonhar. Por dinheiro é tudo e nada mais!  

Espero que entendam quem anda alegre ou entristecido com a crise de valores contemporâneos.

Primeiro, nesse cara, tem que ir pondo com vaselina, mais a frente com cuspe, manteiga é muito cara, depois um cuspezinho não vai mal, cuspe é de graça, quase no final, será  apresentado a pasta nada, isto é, temos que lhe por à cru, e no The End, irá ser  recebido com um punhado de areia. 

Cuidado cidadão moderno que quer se elevar de sabedoria para passar a perna naqueles coitados que vendem confete por aí em meio à folia de carnaval fora de hora pra sobreviver, você merece ser tarado com despudor.

domingo, 9 de agosto de 2020

AQUI TEM HISTÓRIA-O PAI

 


AQUI TEM HISTÓRIA - O PAI
Tenho lembranças do meu finado pai, desde as que pulsam com alegria e tristeza, admiração e aversão.Antônio Aurélio Marques Sarmento nasceu em 1908.Imagine como foi sua criação e a que legou aos oito filhos, todos homens. Imagina, né? Como analfabeto, era um bom contador de história do passado sertanejo.
Período em que o sertão era terra sem lei e o cipó de marmelo visitava sem dó o corpo de quem não obedecia suas ordens. A fervura abrasava impropérios. Nesse mote seguiu por muitos anos, até o Estado tentar desarmar os homens meio mundo de homem.
Antônio foi cabra da peste na juventude como vaqueiro, cangaceiro, agricultor de roçado de coivara, soldado da volante na revolução de 1930, operário do DNOCS até se aposentar aos 65 anos. No tempo d'eu menino lembro que saia aos sábados a tardinha com o sol dando adeus ao dia e acariciando a noite para caçar com amigos, no domingo a família de dez pessoas tinha mistura como tatu, peba, tamanduá, gambá. Bichos da caatinga ranheta nos períodos de seca medonha eram enfeites pras vistas e nos pratos rasos davam melhor sabor ao arroz com feijão e farinha de mandioca ou de cuscuz.
Descrevia com entusiasmo na oralidade que embarcou no trem na cidade de Sousa sobraçado ao rifle papo amarelo para defender o Estado organizado e retomar a cidade de Princesa das mãos de Zé Pereira na revolução de trinta. Seu coração de jovem batia sem desalento por violência, como o de todos aqueles homens que faziam parte da dinâmica e estética daquele período no sertão.
Foi cabra de Chico Pereira. Este vivia em seu latifúndio com bandos armados na cidade de Nazarezinho.Também foi cabra de Otávio Mariz na cidade de Sousa, (este era seu primo e protetor quando jovem numa terra sem lei, e como médico, doutor Otávio curava suas feridas de bala, punhal, peixeira).
Participou de peito aberto da troca de tiro no entrevero em que parte do bando de Lampião, em conluio com o de Chico Pereira, invadiu a cidade de Sousa para matar Otávio Mariz, seu primo, pelo fato de numa tarde de bebedeira, este ter chicoteado o corpo de um dos cabras do inimigo coiteiro de muitos assassinos. Antônio Aurélio (meu pai) narrava façanha desse encontro entre invasores e defensores, quando foi alvejado com balaço de rifle. Esse tiro de bala mais alongada, não o levou a morte. Era forte. Inclusive tornou-se meu pai. (Risos).
Sentia orgulho em ter trocado tiro contra esse bando nas areias do rio do peixe e conhecido Livino, irmão do rei do cangaço Lampíão.
Sábias lembranças sobre tretas atrevidas em violência, com muita morte, muitas histórias medonhas, inclusive de assombrações, de almas penadas, sabia narrar, quando por sua garganta passava umas talagadas da branquinha marvada. Contava que um dia tomou surra de uma caipora, por não ter fumo para doar. 
Das brigas nos forrós que participou e teve que fugir numa noite sem o clarão prateado da lua, ao momento que estava dançando com uma donzela, e um cabra o abordou e o convidou para tomar uma pinga num balcão improvisado com estacas e varas da flora da caatinga.
Desconfiado do convite, permaneceu esperto, quando levou a pinga à boca e viu o brilho da lambedeira partir em direção a seu bucho. Conta que deu tempo de segurar a lâmina com uma mão que perdeu o movimento do dedo mindinho. Mostrava o dedo em riste que não se curvava como os bravos sertanejos do período de 1920/30. As sangrias na jugular que ocorriam nos cabras safados nunca teve coragem de fazê-lo pessoalmente, (era o que dizia) mas assistiu homens do cangaço ou da volante enfiar sem dó o punhal na jugular do covarde entreguista olheiro do inimigo. Assim era o sertão dos então coronéis donos do poder da terra e do dinheiro do Estado que para lá ia para combater a indústria da seca.
Nunca contou que algum cabra ficou estirado sem bater pestanas por suas mãos. Isso ele não assumia. Dava risada enfadonha e logo tomava outro rumo a prosa quando mais uma talagada de cachaça passava pela goela e o cigarro de fumo de rolo picotado a faca, recebia  brasa do tição de aroeira para acender. Pra todos mostrava as cicatrizes dos ferimentos a bala, faca, punhal que rasgaram sua carne por todo esse período do bravo sertão.
Entrar a cavalo cutucando a montaria na esporta, com companheiros de arruaças nas festas da classe dominante, o fazia verter lágrimas depois dos 70 anos de idade. Atenção e locução compreendida por mim no traçado da suas longas vivências e histórias, quando lá voltei, depois de 7 anos fora do seu convívio.
Antônio escapou por sorte desse tempo nevrálgico sertanejo.
Aquietou-se das bravatas, bebedeiras, arruaças e putarias, quando aos 42 anos foi procurar sua prima com dezessete anos, (minha mãe Francisca) e pedir ela em casamento. Foi quando se empregou no DNOCS para a retomada da construção do açude na região onde nasceu, viveu e morreu no distrito de São Gonçalo, Sousa, PB.