quinta-feira, 14 de maio de 2015

INFÂNCIA








AQUI TEM HISTÓRIA - INFÂNCIA
A criança e jovem que existiram dentro de mim, sobreviveram em  tempos de vacas magras e gordas.
Era o nordeste nas áreas das intempéries pregando peça no homem explorado e esquecido envelhecido pelo latifúndio.
Vivi nos campos irrigados da planície num tempo.
Noutro em terras de vegetação da caatinga deserta nas estiagens.
Era o nordeste em chama queimando o intestino do homem pobre do campo.
A caatinga pregava a maldita seca, muito dramática para quem lá vivia.
Noutro tempo era o nordeste em aguaceiro.
Fazia rir o homem como os rios que se enchiam.
O inverno fazia uns continuar.
A seca fazia uns se retirar. FUI UM DELES.
Nas enchentes das invernadas, peixe era  fartura, sorria ao alimentar gente de tripa vazia.
Nas secas que rachavam o chão numa arte desalinhada,
carne de gado com bicho tapuru em luta com urubus, trazia fartura.
No homem crescia no semblante a vontade de seguir adiante.
Chão pra fazer seu roçado recebia com fúria a foice e machado derrubando flora. 
Filhos aos montes ainda em formação acompanhavam o agricultor.
Sempre nascia mais em cada juntada de carne em brasa para o amor.
Nas enchentes inigualáveis, no aguaceiro da peste do açude despejando o majestoso fluido no rio Piranhas, vinha na tarrafa apanhari, piau, curimba, 
cascudo, muçum, pirarucu, tucunaré.
No landuá caia peixe da lama. A traíra era atraída com isca de filhote de rã.
No anzol, peixe faminto tremia na linha do menino em busca de alimento.
Minha fome era saciada com a carne de peixe de escama, de couro.
Piabinha frita ao sol.
Era ouro ter o que comer pra não cair de paralisia infantil.
Peixe grande se debatia antes de  pancada na cabeça com pau de aroeira.
Sabia que ia pra fervura na trempe do fogão a lenha de Dona Francisca.
Alimentava boca espumando pela fome quase matando.
No roçado não tinha pra ninguém, esse aqui era menino muito labutador.
Afoito. Desbravador de mato brabo.
Dores de vez em quando o pegava. No interior.
Sonhos distantes de pegar com mão de ferro e trazê-lo pro prazer de estar vivo.
Era alumiado por sol medonho nos dias de todo dia.
Nas noites era a lua a poesia.
A enxada endiabrada, a foice envenenada,
o machado drogado por erva da mata calcinada,
extraia desse caboclo menino, um arcabouço de homem feito.
Cacho de banana nas costas. Uma manga na boca.
Feixe de palha de arroz no lombo.
Saco de farinha na cabeça.
Sobrevida me vinha,
quando sonhava comer bife a cavalo, parmegiana,  milanesa.
Esperança  de acontecer,
quando virasse retirante,
e desse de cara com  Sum Paulo pra trabalhar no metrô.
A partir desse dia começar sofrer de outras dores:
As da saudade, da discriminação, do subemprego, da solidão num quartinho de pensão, onde os livros eram os amigos. Lá no Bixiga. Num cortiço dos infernos.