É OSSO
Meus ossos de uma hora pra outra começaram a se rebelar com a
minha presença sempre exigindo deles mais esforço pra chegar em algum lugar de difícil alcance.
Quando das corridas malucas pra perder peso teve uma hora que
empacou, meus ossos, me fizeram estancar de supetão por se amolecer por entre
as minhas carnes e dizer pra que eu não saísse do lugar.
Ralhou: isso não é vida companheiro de luta, irmão das mesmas
angústias. Somos sangue do mesmo sangue, filhos do mesmo DNA, temos que entrar
num acordo, preciso ser cuidado com mais zelo pra durar igual vai durar toda
sua estrutura mole do seu corpo.
Noutras corridas pra chegar primeiro nas oportunidades que
apareciam, meus ossos também se fizeram amolecer, se revoltando.
De uns tempos pra cá anda me avisando: segura a onde meu
irmão gêmeo, somos do mesmo corpo, da mesma estrutura, regados pelo mesmo
sangue, o que você engole, a me chega também.
Meus
ossos querem me fazer retrair na corrida
para se colocar para tentar as coisas boas que a vida tem pra dar de
alguns anos pra cá.
Toda vez que meus ossos acham que excedo para o plantio de
algum feito que acho razoável pra me colocar
perante a sociedade, eles me deixam no chão sem poder levantar.
Quando estou ávido para chegar correndo feito um tantã em
algum lugar, muitas vezes meus ossos dizem que esqueço de que ter uma vida saudável
é melhor, pois, com o tempo, outros elementos que formam o corpo humano, que
participam dos mesmos eventos, logo estarão pedindo arrego.
Quando ocorre de se revoltar, meus ossos acabam amolecendo,
se tornando uma espécie de borracha que não quebra quando enverga, mas me
retira às forças para que o meu corpo não chegue aonde quero, nem a mente fique
alegre.
Nessas ocasiões acabo ficando puto com os meus ossos, quando
me ponho a me arrastar no lugar que me
encontro clamando a eles que tornem a endurecer, foi pra isso que os milhares de
séculos existiram, para formar o ser humano como é hoje, com ossos obedientes e
equilibrados.
Diz-me: não, meu irmão, tou agindo com você desse modo pra
segurar sua onde, sua loucura de querer estar em todo lugar se desgastando de
forma a me deixar com menos tempo de vida. Sou tua parte mais dura como
elemento de sustentação do teu corpo, mas não sou dono da sua mente, de seus
desejos, por causa disso, uso da artimanha e do poder que tenho, que pra mim é
sabedoria, de te segurar, quando eu passo a ficar mole nas tuas junções e armadura esquelética.
Se ficando mole, levando você a cair e se arrastar, não consigo lhe deixar
parado por muito, imagine se não usasse dessa arte de amolecer. Sou ossos
sábios, entendi com o passador do tempo que só amolecendo por dentro pra lhe fazer entender que tem hora
que as paradas às reflexões são necessárias, com isso consigo te parar por fora,
te estancar em algum canto do teu ser desobediente, que tá sempre querendo
bater no vento que sopra contra ti.
Acho que meus ossos têm muito ciúme das minhas correrias e
buscas e sonhos e realizações. Quer me fazer um João bobo, uma marionete, tem
ciúme das noitadas franqueadas quando estou de caso amoroso com uma mulher que
ele não acha gostosa ou não vai com a cara. Acho que meus ossos acham que quem
tem que gozar é eles. Até já se meteram com o meu pau, dizendo a ele que
fizesse e agisse como eles agem, amolecesse também nas horas que não comungasse
das mesmas idéias e desejos, nas horas das felicidades estremadas. Essas
situações na vida das pessoas são um pecado para a vida que se quer levar até
os noventa anos, dizem eles. Apesar do meu pau não ter osso, uma vez ou outra
quer acompanhar as ideais dos meus ossos. Parece um pau sem caráter, vai pela
conversa dos outros mesmo sabendo que mais tarde pagará alto preço pelas bobagem que faz.
Tem uma coisa estranha na minha relação com os meus ossos. Parece
que eles não me querem ver feliz. Quando rio,
já sinto por dentro do corpo um comichão, são meus ossos agindo pra me
fazer retrair e se tornar mais comedido. Outro dia tava eu com os amigos
farreando, quando na hora do desfecho do prazer inigualável, me fez arriar e ficar estatelado
sem poder sair do lugar. Tudo amoleceu. Meus amigos ficaram sem saber o que
fazer, foi quando tive que acalmá-los, dizendo que com os meus ossos eu me
entendia. Daí a pouco fiquei triste, foi quando voltou a endurecer, mais daí a
farra acabou, perdi a graça e a calma, senti vontade de pegar uma furadeira,
uma serra copo, esmerilhadeira, moto
serra e cortar meus ossos em pedaços minúsculos pra nunca mais fazer feio
quando das minhas alegrias.
Como grande parte dos elementos do meu corpo também é
mole, e ser meus ossos que formam a minha estrutura firme feito rocha, nessas
horas fico sem ter como me movimentar. Acabo me comedindo pra que eles acabem
com a greve que fazem pra com a minha pessoa quando está feliz.
Acho que meus ossos têm muita inveja de mim. Por que sou uma
pessoa solta, sem vínculo psicótico com nada, sem apego, livre, leve e solto no
pasto feito um potro em busca de ração
que lhe aqueça o estomago e a alma. Inveja é uma pedra que se atira na direção de
quem não se gosta, mas quem recebe não sabe de que direção partiu, isto é,
quando não se conhece quem é o invejoso, mas no caso dos meus ossos, não, eu os
conheço, afinal nascemos juntos, somos do mesmo espaço, ocupamos a mesma
estrutura, vamos no mesmo conjunto pra todo lado, não tinham porque ter inveja
de mim, já que aonde vou os levo.
Em varias situações meus ossos me deixam nervoso, é quando se
acham o sabichão, e eu o bobão, se acham o Doutor Honoris Causa da sabedoria.
Enche o saco: para de beber álcool, toma cálcio, come tal fruta com tal letra, você
quer que eu morra antes de você pra ficar por aí gandaiando pelas noites com
mulheres, poesias, se empatufando de
proteína animal, criando calo na barriga, desgastando os órgãos internos ingerindo
o que não presta como alimento. Respeita Zé! Sou teu e você é meu!
Zé Sarmento