sábado, 3 de agosto de 2013

CONDUÇÃO DO SOFRIMENTO

Outro dia fui ao centro da cidade de buzão, aquele grandão que foi feito pra corredor que não tem pra onde correr nem como correr. –Toda vez que preciso me deslocar até o centro sem ser em horário de pico pego condução. Só vou com a Elba 96 quando é pra trabalho, por não ter horário de acabar os “reclames” nos estúdios da cidade ou locações.
Os corredores foram feitos pra, de repente, os ônibus chegarem primeiro que os carros, mas isso não. Os carros, mesmo em engarrafamento chegam primeiro. Às vezes eles até passam o engarrafamento, mas num piscar de olhos, os carros passam os ônibus.90% dos carros andam com uma pessoa, o motorista, horário de trabalho, dia útil, né. Dentro do ônibus me senti muito constrangido. Sentado por tê-lo pego no ponto inicial. Do centro até o bairro, vice e versa. No horário  das 11h foi calmo indo pro centro, mas na volta, às 3,4h, tudo muda pra pior. Observando do meu canto, vi como as pessoas sofrem andando de buzão, e muito mais por terem que enfrentar essa porra todo dia da sua vida trabalhosa. Percebi que a maioria dos passageiros desse horário é mulher com ar de muito cansada, carregando sacolas e suas bolsas, enfrentam dificuldades pra andar no corredor e passar pela roleta, bem mais dificuldade quando entram algumas atendendo celular. Bolsa, sacola e a mão ocupada com o celular no ouvido, a dificuldade aumenta. Tava doido pra dá o lugar pra alguém, (pelas minhas pernas estarem doendo, e pelo constrangimento  de estar sentado, homem, e tanta mulher em pé). O assento era muito colado um no outro, alguém alemaozão iria sofrer bem mais que eu.Do meu lado se sentou uma mulher, que pela maneira de ser e o cansaço que deflagrava no rosto, devia ter acordado, no  mínimo, às cinco da manhã. Todas ( a maioria era de mulher) com os mesmos cansaços, vendendo essa fisionomia na forma de estar, olhando o tempo ao derredor e sentir por dentro, certa angústia pelo ônibus nunca chagar ao seu destino e não ter assento pra todos.Cada parada num ponto, pelo menos pra mim, era uma eternidade, dali a pouco tinha que parar outra vez, pelos semáforos que fechavam. Ao meu lado a senhora  puxou uma arma, mas pra atirar,ela puxou outra, o óculos, abriu o tambor e colocou a munição a certa distancia das vistas pra poder enxergar. Abriu um livro que de soslaio eu li o nome do autor, Trish Willy, “sopro de esperança” era o título. Espero que esse livro consiga lhe dá uma luz e ela resolva os seus problemas e que tudo se resolva em sua vida.Na certa com a leitura ela vai se dá melhor que as demais que estavam ali apenas olhando as ruas. Foi à única que eu vi assaltar da própria bolsa um livro. Tava procurando alguém pra dar o lugar,mas olhando em volta, pensei, como eu ia ser correto se era tantas mulheres cansadas, desgastadas pelos seus trabalhos de diaristas? Estaria sendo injusto com as outras, e talvez passasse desconfiança de que estivesse tentando paquerar agradando uma delas. Na minha timidez, nessas situações, por dentro disse-me que quando chegasse no terminal ia abordar a mulher da leitura e dá-lhe um livro meu de presente, talvez ela não conseguisse ler até fim, por ser outro tipo de literatura, mas enfim faria boa ação e minha parte pra melhorar a auto-estema da sociedade.Não o fiz, ela desceu antes e como sou muito fechado nessas situações não a abordei ao momento de estamos de corpos quase colados, cada um em sua cadeira. O aperto entre duas pessoas como eu e ela é tão estranho pra mim, que às vezes tinha vontade de me coçar em alguma parte, mas segurava, pra não me mexer tanto e tocá-la. Segurava-me pensando noutras coisas, meus personagens, por exemplo, que são todos vindos de classe como a que anda todo dia de ônibus. Mulheres guerreiras essas da nossa pulação, que depois de certa idade têm que trabalhar pra tentar se firmar levando parte do sustento pra casa, e muitas delas são  provedoras do lar. Acordam tão cedo, trabalham por aí usando o corpo e mente, ou só um ou só outro e ainda têm que enfrentar condução  tão ruim. Que pena que os nossos políticos não precisem de condução pública pra ir trabalhar, pra sentir na pele o que é o transporte que eles oferecem a população. Sentir na própria carne nada mais é que sentir pelos outros. Acho que todo cidadão tinha que passar um dia por alguma dificuldade, mais os políticos e uma elite arrogante acostumada com as benesses oferecidas pelas fortunas que acumularam, pra poder ter o discernimento de saber entender o outro com mais finura e humanidade.

Zé Sarmento