PEDRO
– Nunca me
passou pela cabeça
trair sua filha,
caralho! Sobretudo depois que ela começou a trabalhar fora, pra não dá a
oportunidade de ela fazer o mesmo dando o troco. Algumas de vocês são muito
vingativas.
SOGRA – (Com Pedro arrasado no sofá, a Sogra
se encaminha até ele, começa massagear seus ombros). Eu vou procurar um especialista
pra ver o que acontece comigo, pra ver se ele explica de onde vem tanta energia
e vontade de homem.
PEDRO
– Imagine quando
você era jovem, em... Teu marido
que ainda não era o português deve
ter pastado muito pra te sustentar de sexo, e os vizinhos pra fofocar a teu
respeito.
SOGRA – Quando eu dava as minhas escapulidas,
era bem longe da vizinhança, vizinho
só serve pra
ficar bisbilhotando e
fazer fofoca com inveja da vida alheia.
PEDRO
– Ainda bem
que nós não transamos. Uma,
porque se a tua filha descobrisse, ia ser aquele fuzuê
da porra, e outra, não ia poder sustentar as duas. Ia dá muito “zé povin” falando
de nós.
SOGRA
– Eu aqui
com esse calor
fervendo meu sangue
e você com o vento do ártico
congelando os nervos. Quem diria, em! Ninguém conhece ninguém nesse mundo
apinhado de muitas cabeças que pensa diferente.
PEDRO
– E quem
falou que você
me conhecia, nem
a sua filha você nunca conheceu. (Sogra começa a cantar uma canção sensual
tentando ninar Pedro para ver se levanta
seu astral).
SOGRA
– Acorda meu
nenenzinho, o dia
já nasceu, pega
o seu nervinho e faz ele levantar.
O seu nervinho não quer levantar e sair espirrando pelo ar? Levanta, levanta
meu amiguinho que a sogrinha que usar. (Para a cantoria e pega a falar normal).
Usar até ele se desgastar e ficar em frangalhos! (gargalha).
PEDRO
– Acho que
o meu problema
é outro, não
é fisiológico, é psicológico
mesmo. Também frequentando
a mesma caverna
há tanto tempo, sem a malícia sensual que requer a relação íntima nem o
colorido de luz piscante.
SOGRA – Pra você ver, não é só de fuque-fuque
que as relações íntimas entre duas
pessoas precisam. Você
veja, o meu
corpo sempre teve preparado
para as batalhas,
nas camas, nos
sofás, nos banheiros públicos, nas áreas remotas das festas granfinas
que frequentei, até por cima dos espinhos da irresponsabilidade já me doei aos
homens.
PEDRO - Você é mulher, não precisa ter nenhuma
força psicológica e física, é só abrir as pernas e fazer a sacanagem se deixar
levar.
SOGRA – (Ainda o massageando) Também não é
assim! Tem que ter certo desejo pelo
homem, também pra alimentar
o desejo da vitória, desejo de
vencer a guerra e dizer que conseguiu o homem que estava atrás. Tudo isso nos
trás o upgrade, alimenta o ego, a autoestima, a vaidade.
(Sogra tenta pegar em suas partes íntimas,
ele sai de supetão do sofá, caindo a
ficha sobre o que ela está acontecendo).
PEDRO – Não, sua gulosa, comigo não! (Pega a
roupa da sogra no chão e joga sobre ela). Veste sua roupa e para de palhaçada,
antes que apareça alguém e veja
você nesses trajes se oferecendo. Comigo
você não vai
usar de subterfúgio com seus
restos de paixão antiga. O meu amor por você se chama ódio, ódio!
SOGRA
- Não aja
assim comigo. A
pior dor é
a dor da incompreensão, do lavei as mãos, do nem
fede nem cheira. Dê-me a chance de lhe ter pelo menos uma vez.
PEDRO – Nunca serei seu! Será que você não
ver e não se toca que eu quero
ficar só, longe
de todos vocês.
Quero riscar pra sempre
todos vocês do
meu relacionamento, do mapa das
minhas idas e vindas. Não suporto
mais o aperto dessa corda nas
minhas jugulares desde muito. Não me faça perder a cabeça. O fôlego faz tempo
que estou perdendo!
SOGRA
– A minha
vida já não
era nada, depois
da morte do português a coisa ficou muito pior.
PEDRO – Tome uma atitude uma vez na vida,
pelo menos digna e se retire dessa casa. Não lhe quero pelada, não lhe quero
vestida aos modos de uma rainha, princesa, não lhe quero pra dividir o aluguel,
portanto, me
deixe só no
meu mundinho estreito
entre essas paredes.
SOGRA
– Eu não
tenho para onde
ir! Como vou
conseguir viver sozinho, onde as pessoas
só pensam nelas mesmas, qual a chance que vão dá pra uma mulher de 50 anos sem
saber fazer nada.Nem lavar roupa e passar eu sei, cozinhar, vá lá, aprendi
alguma coisa, mas o resto de tudo que tem de profissão, nãos sei migalha.
PEDRO
- Não sei,
dá um jeito,
tem tanta casa
de bacana precisando de
empregada doméstica com possibilidade
de dormir no emprego.
SOGRA – Nunca!
PEDRO – Casa de repouso.
SOGRA – Casa de repouso custa dinheiro.
PEDRO
- Asilo...! Não
lhe sobrou um
pouco de jóia?
Vai num penhor da
caixa, ela te dá dinheiro
na hora, vende
uns vestidos caros pra bazar chique,
vende tudo que dê pra fazer grana.
SOGRA – Cínico! Você acha que vou desfazer
das minhas coisas caras, do que
me restou. Nunca!
Nem se o
mundo pegar fogo e
torrar meu corpo!
PEDRO
– Você é
que sabe se quer ficar
nas ruas perambulando, usando e curtindo suas jóias,
mais a frente um assaltante levar elas e seus membros juntos depois de
amputá-los com faca ou tiro de escopeta. Acho melhor vendê-las, com o dinheiro
arrumar um lugar pra morar, fugir da crueldade
das ruas. Ou
você prefere viver como mendiga nas calçadas imundas do
centro da cidade e dormir à sombra do firmamento sonhando com o diabo enfeitada
dos objetos chique que te sobraram?
SOGRA
– As jóias
são relíquias de
um passado distante,
objetos valiosos da minha
bisavó, algumas ganhas
me deitando com o
português, outras ganhas
de homens endinheirados
do meu relacionamento. Prefiro a morte que vender.
PEDRO – Nesse caso a morte não é uma saída
digna, tá certo que eu não gosto de você, mas daí até chegar desejar que você
morra é coisa pra se pensar, entenda, quando a gente também começa a sofrer.
SOGRA – Você mesmo falou que me quer ver
esmagada embaixo de um trem...
PEXDRO
– Força de
expressão, não tenho coragem
de matar nem uma
barata, só quero
que você caia
fora daqui, se
encontre por algum hemisfério
humano amistoso. Em
algum lugar deve
ter alguém disposto a lhe ajudar ou lhe querer para namorar. Ponha
anuncio num jornal.
Você só tem
que mentir um
pouco a seu respeito. O que todo
mundo faz. Fala que ainda é virgem...
SOGRA
– Você continua
cínico, cruel, prolongando
meu caos interior com
essas palavras vis.
Você quer mesmo
é o meu sofrimento, e eu, de ti, só quero o amor,
não vê?
PEDRO
– Que amor
porra nenhuma, abaixo
o amor, isso é
mais uma armação sua para se dar bem, pra continuar explorando mais um
homem, eu, sexualmente.
SOGRA
– Nunca explorei
ninguém! Talvez o
meu erro tenha ocorrido de
usá-los e jogá-los
fora, não sabendo
explorá-los a exaustão. O único
de fato que me doei foi o finado
português, mas que acabou em nada, por ter terminado dura.
PEDRO
– Essa é
sua paga, uma
praga por ter
sido vã nas
suas investidas e relações.
SOGRA – Você acha mesmo que eu não tenho
nenhuma saída plausível ao seu lado?
PEDRO – Não. A única saída pra você é aquela
porta. Ela levará você pra bem longe
da minha casa,
e fará que
minhas vistas não a
vejam nunca mais.
SOGRA – Tá bem! Se é o que me resta, deixarei
o caminho livre pra você viver
a sua solidão
mesquinha, egoísta e
aberto para outras mulheres.
PEDRO
- Que mulheres!
Eu lá quero
saber mais de
mulheres! Quero é viver
a minha vida,
com o direito
de estar em
qualquer lugar sem ter que dá satisfação a ninguém, sem se preocupar em
encher a dispensa, pagar conta de luz, água, gás, prestação dessa caixa de
fósforos que nunca
sei quando vou
terminar de quitar,
dividindo o que
ganho em tantas
partes no final
do mês, não sobrando nada nem para beber uma cerveja.
Chega de mulher, de casamento, de
família, quero viver diferente, já que faz mais de 10 anos que minha
vida é uma
merda. Faça você também à mesma coisa e para de falar que me ama. Vai
procurar tua turma nem que seja embaixo
da terra, se matando.
SOGRA – Turma, amor, amizade, não é fácil de
achar quando se tá na merda meu caro. A
onde vou encontrar essa gente, só se for
embaixo das marquises,
nelas estão os
miseráveis que só acham migalhas de amizade nas drogas.
PEDRO
– Meus olhos também
não enxergam os
horizontes pintados de drama que se formaram a minha frente, vai
enxergar turma.Quero é ficar só,
fazer uma reciclagem
do tempo em
que vivi casado
e tentar esquecer o passado,
jogando terra sobre ele.
SOGRA – Veja como
fala uma pessoa
que não consegue
enxergar nem o possível, vai querer ver o impossível, o inverossímil.
PEDRO – O meu possível eu vi, vivi e quero
continuar vivendo.
SOGRA – Nem viu, nem viveu, nem vai viver.
(A
sogra tira da
bolsa um revólver.
Quando Pedro tenta
chegar perto dela, acaba
vendo-o apontado para
si, nesse instante
ele para).
SOGRA - Não vem não! Atiro no seu peito, vazo
seu coração que carrego dentro do meu, e pronto! Ponho um ponto final na linha
do tempo dos seus dias tristes que vais passar e acabo com os meus.
(Abre o tambor e deixa cair às balas, pegando
uma delas antes de cair ao chão, quando a põe de volta no tambor. Fecha-o e
engatilha apontando para o peito dele. Aperta uma vez, a arma falha. Aponta
para a
sua cabeça, a arma falha.Pedro
está muito assustado.Os dois estão
estáticos no meio
do palco, apenas
uma música de suspense engrossa a cena final do
espetáculo. Aponta novamente para ele, a arma falha. Aponta para ela, falha
outra vez. A música vai crescendo, o
clima ficando mais
tenso, é quando a
cortina começa se fechar. Uma sirene de ambulância se escuta ao longe
quando vai num
crescendo se aproximando
do palco junto
com a música. A cortina acaba de
fechar, não dando tempo de a plateia
saber em quem a bala conseguiu entrar e matar depois de a arma disparar. O tiro
nesse momento do espetáculo deve ser ouvido mais alto que a música e a sirene.
THE END
Zé Sarmento
Email: josemarquessarmento@gmail.com
FaceBook: Zé Sarmento
Blog: http://jmsarmento.blogspot.com.br/