sábado, 27 de junho de 2020

PRECISO GRITAR


PRECISO GRITAR
Ninguém vai me impedir de gritar que gosto da afeição às coisas que me faz bem bater o coração.
Ninguém  vai me impedir de gritar que gosto de álcool, maconha, cocaína, anfetamina, das minas e minos que levam dentro de si o cio da juventude.
Ninguém  vai me impedir de gritar que sou eleitor de esquerda, que gosto da querela que fabrica explosivo pra determinar o movimento dos justos pelo bom balanço da justiça.
Ninguém vai me impedir de gritar que choro ao se deitar, levantar, dentro da condução que me leva pro trabalho, num labutar endurecido nas diárias noturnas, sem o prazer do adicional na conta do contra cheque.
Ninguém  vai me impedir de gritar que gosto de trepar nas altas madrugadas com o pau endurecido pelo advento do acumulo do xixi.
Ninguém vai me impedir de gritar que sou hétero, homo, sapatão, que gosto de negro, branco, índio, careca, cabeludo, dentuço, banguela, moralista, libertino, anarquista.
Ninguém  vai me impedir de gritar que gosto de andar descalço, de naike, de pisar na areia, calçamento, cimento, grama, terrão.
Ninguém  vai me impedir de gritar que gosto de futebol de botão, cinema, livro, de se divertir nas tardes  de verão tomando um shop geladaço jogando conversa fora, nas tardes de domingo, na piscina ou na laje sem cerâmica chiarelli, por falta de grana do proprietário.
Ninguém  vai me impedir de gritar que sou educado, ignorante, desinibido, que odeio meu lugar, ou amo, se sou  vegano, vegetariano, carnívoro, se sou cobra venenosa caçando na hora da fome, ave de rapina. Que faço strip pra levantar o pau ou melá a buceta da parceira no remelexo do corpo.
Ninguém  vai me impedir de gritar que quebro regras, vidraça, que ponho chamas quentes nos shoppings com coquetel molotov, só pra ver sorrir as labaredas consumindo o entusiasmo dos investidores.
Ninguém  vai me impedir de gritar que gosto de axé, sertanejo, molejo, pagode, MPB, brega, Odair José, os Chico Cesar e Buarque, Caetano, Gil, Drummond, Oswaldo, Mário, João Cabral, Kafka, Dostoievski, Augusto do Anjos, Graciliano, que não foi anjo como hoje eu não consigo ser a todo instante.
Ninguém  vai me impedir de gritar que sou veado, lésbica, gorda, magra, no ponto, que não gosto de matemática, prefiro português ao inglês.
Ninguém  vai me impedir de gritar que gosto de minha solidão, frustração, encantamento com o lúdico, abstração, que sou bruxo na hora do gozo na cara da santa mais bonita de todas as religiões.
Ninguém  vai me impedir de gritar que sou templo de carne e osso num tempo de paz, guerra, que gosto de soltar minhas amarras nas palavras, muitas delas selvagens com a sociedade de hoje.
Ninguém  vai me impedir de gritar que gosto de retirar de dentro do peito, meu grito sufocado para explodir nos ouvidos dos surdos nos saraus de feios e bonitos.
Ninguém  vai me impedir de gritar que minha religião é braso-africana, católica, budista, hinduísta, judia, indígena.
Ninguém  vai me impedir de gritar que aqui dentro, neste cérebro, formiga um inquilino inquieto, que quer levar para o ser  pensante, barras de ouro em palavras... e não ouro em pó que se dissolve no primeiro minuto do soprar do vento vindo de qualquer bestial horizonte.
José Sarmento

sexta-feira, 26 de junho de 2020

CASA VAZIA


CASA VAZIA
Minha casa do barulho virou silêncio cortante.
Da cozinha não chega mais o chiado da panela de pressão.
Nem o cheiro do feijão.
Da máquina de lavar adeus o barulho do enxáguo.
Do tanque a roupa sumiu, a torneira secou.
Ah, a zoada das músicas dos jogos eletrônicos!
Não incomoda mais a mãe que gritava enfática:
Feche essa porta! baixe esse som!
Tudo é silencio.
Até a TV calou por ter se aquietado num canto o controle remoto.
Muitos anos que não via minha casa sem vida, apagada, fria.
Uma casa vazia enche o peito de saudade.
De desafio para suportar-se só.
Sabendo que os filhos engoliram o mundo.
José Sarmento

quinta-feira, 25 de junho de 2020

QUER MEU BEIJO?


QUER MEU BEIJO?
Quero te arrebatar num beijo, levar-te as alturas.
Quero gravar meu beijo na tua face aguda, na tua boca carnuda.Fazer teu sangue bombear-se às alturas.
Beijo pegando fogo ofereço, numa fria noite de descanso depois de um dia de luta.
Meu beijo vai dilapidar a máquina automática que carregas dentro de ti.
Meu beijo será de fera enjaulada, faminta por carne humana.
Tua carne é o doce sabor da minha fome selvagem.
Meu beijo não vai ser de anjo, de santo, meu beijo vai ser de bicho criado nas veredas sertanejas. Diacho!
Te visitará em todas partes com a língua afiada, sedenta por tua saliva fresca.
Vai te rasgar a velha pele, te cobrir de nova, serás outra mulher, quase criança.
Meu beijo abrirá tuas asas, a fará  voar como uma ave de rapina, faminta por emoção, em busca de novos bichos-homens.
Cada beijo teu me doado, anos ganhará teu corpo em vida.
Teus beijos passarão a ser a droga da minha euforia, como os meus serão da tua alegria.
Vou pular de cabeça nos teus beijos, nadar de braçada nas águas turbulentas deles.
Serás outra mulher. Eu. Outro homem.
Vou mergulhar na tua doce saliva, virar peixe do teu doce lago que balançará desadormecido.
No novo rio que nascerá do meu beijo, de uma margem a outra, estarei presente. Vou te amparar num beijo ardente quando começar cair da cachoeira.
Meus beijos te salvarão de entrar em depressão, de se jogar na frente duma Kombi corujinha.
Quanto mais ousado me oferecer o teu beijo, mais demorados serão os meus feitos.
Beijos como os meus, quem os receber, como você, sairá do lugar comum.
Se encontrará olhando no espelho dizendo pra si:
“Nossa! Num é que o homem é um Dom Juan!”
José Sarmento