A FUGA
Não fosse a vivacidade do motorista do caminhão, quiçá lance
de pior ventura tivesse ocorrido com as duas seqüestradas no interior do carro:
fossem parar num cativeiro com cheiro de esgoto e mofo, inferno de alguma zona
urbanística jogada as traças. Visão panorâmica e reduzida que receberia, seria cores
ocres de paredes de blocos nus, a luz, iluminação amarelecida reproduzida por
lâmpada incandescente pendurada no teto da laje de 60 watts. O desaparecimento
de Mãe e filha também traria angústias incontestes para os parentes que, sem
saber por onde andariam e em que mãos se encontrariam e em que situação se achariam
repercutiria desesperos profundos e os levariam a loucura gastando muito do
tempo reduzido que tem um Urbanóide nas delegacias, bem entendido, se não
quisessem depender de algum valor para adquirir os trabalhos corruptos de
alguns delegados e policiais.
Chamou-me a atenção e me despertou, fato como os buzinaços nos
dutos do ouvido das viaturas da polícia perseguindo-os, por ser dia. Gostaria
de deixar claro que se noite sem embaço
de chuva, também as luzes vermelhas e azuis giroscópicas, ajudariam a me
despertar e faze-me correr para a janela, louco para ver o desfecho de mais uma
das tantas ocorrências de desgraça que acontecem todos os dias. Se não os vejo
da minha janela, os vejo pelos noticiários da TV.
No silêncio do meu AP fui despertado. Juro que não estava
disposto a ver nem ouvir, a mim o silêncio seria mais bem compreendido e para
quem fazia, naquela hora, companhia a minha estada em casa, no descanso do lar
depois de um dia de trabalho. Olhei porque existiu e estava ali a minha frente
gratuitamente. Pesquisas mostram: o que mais chama atenção das pessoas assíduas
em vivificar fatos do cotidiano, são as costumeiras confusões encenadas por
pessoas que se envolvem nelas. Não tem um que não pare para ver ocorrências
como a que eu observei da janela do nono andar.
Perseguidos e perseguidores não pensaram o quanto estavam
pondo a população em risco, na operação de resgate, gente que se deslocava por
movimentada avenida na hora do encontro, dividindo a expressão de tanta
velocidade das viaturas com quem andava na tranqüilidade de um dia comum
dirigindo seus carros.
Assisti a um filme ao vivo e em cores. Daqueles bem
berrantes. O horror me abriu os olhos sobre a violência urbana, e o vermelho do
sangue das vítimas desenhou pintura expressionista e chocante no procedimento
do meu rosto, assim como deve ter tornado a cara dos que estavam envolvidos na
fuga e na perseguição, rosto de mesma expressão: apreensão, exasperação, medo e
fuga dos pipocos das armas adentrando carnes, esvaziando almas. Um tiro a
queima roupa na parada repentina fez tombar o policial que, naquele momento, se
dispôs a ser o herói da perseguição, e que, mais tarde, se vivo continuasse,
ganharia as honras dos que trazem nas atitudes da profissão que exercem o
heroísmo com causa. O policial aproximou-se do carro dos sequestrados, este
quase engatado na traseira do caminhão, com a arma em punho direcionada para a
cabeça do seqüestrador, mas infelizmente para o que seria o herói do momento,
não deu, o bandido conseguiu detonar a
sua potente arma primeiro no rosto do da lei. Caiu para trás como se fora um
objeto, uma coisa sem perspectiva nenhuma mais.Jazeu morto instantaneamente.O carona dos seqüestradores
fora mais rápido no gatilho, copiando os mocinhos dos filmes do velho oeste
americano; quem saca primeiro e atira, permanece vivo até outro evento de mesmo
modelo vir ocorrer e a sorte o abandonar.
Percebendo que era hora de fuga, a mãe seqüestrada deu-se ao
prazer dela. Pegando a mão da filha sem afagos, saíram pela porta como se fora
um raio, mas no mesmo instante, como outro raio vindo dos infernos pelas mãos
do seqüestrador que dirigia o carro, saíra à disposição de dois tiros, só a
disposição. Percebi que fora essa a atitude, pelos movimentos do braço de quem
atira com arma curta, levando a arma à frente para apertar o gatilho no momento
que mira o alvo. A natureza trabalhou nessa hora para o bem, deixando as mazelas
do mau se desgastar frente à melhor
situação. O revólver do bandido falhou nos dois disparos que tirariam a vida de
mãe e filha. Muita sorte teve as duas, ou não era o dia delas?
Agindo assim o malfeitor, encontrou percepção suficiente um
policial astuto e seguro no disparo de arma e bom na mira de qualquer alvo,
achando que era hora de agir, o alvejou nas costas, fazendo-o tombar. Fora este
retirado de circulação, deixando para sempre de fazer e participar dos ritos de
fugas e seqüestros. Mais uma bala fora visitar as costas daquele que na hora H
teve a má sorte de a arma falhar, vindo acrescentar aos que acham que, quem
deve morrer na véspera é peru e não a quem não chegou o dia. Dizendo a platéia
geral debaixo que tentavam se esconder das balas e eu, em cima também se
esquivando uma vez ou outra, mas sem perder a cena, que mãe e filha nasceram
outra vez.
Na fuga alucinada, pulando um muro, mais uma arma fora
acionada, apertando o gatilho, o da lei sem sê-la, mas que se diz lei por ser
uma lei particular, paga para proteger patrimônio. O segurança de um condomínio
achando que estava praticando boa ação, vendo um dos bandidos pulando o muro do
patrimônio que protegia, achou por bem, por essa hora, usar da arma e o
derrubou ao pular o muro. Como fora rápido para disparar, também fora para guardá-la. Tem tiro que nunca alguém
descobrirá de onde partiu, de que armas, esse para sempre será um deles.
Na troca de tiros entre os oficiais da lei e os de fora
dela, notei que na fuga também foram ao chão, fugitivos que escapavam por entre
árvores, por serem mirados por miras telescópicas de fuzis dos oficiais dos
helicópteros. Não conseguiram que a natureza das folhagens lhes cobrisse então,
seus corpos não resistiram aos besouros voadores vindos do alto perfurando
primeiro alguns galhos e folhas, indo-os se alojar nos corpos em movimento.
Alguns mortos no outro dia os parentes enterraram, bem
dizendo, mais corpos daqueles que acharam melhor ganhar a vida no mele que no
duro, para tanto, duros eternos se tornaram, porque é certo que quem tá morto
nunca mais vai querer e poder viver no
mole. Dizem que nos infernos a moleza está nas mãos do chefe e suas asseclas
virgens. Como acho que não vão conseguir chefiar nem as próprias almas, estes
serão entregues aos fornos avermelhados. Viverão no quente para sempre, suando
feito pano de cuscuz, esperando um dia que o feioso se apiede do que praticaram
entre nós os vivos, e ponha um pouco de ar puro para os descalorar.
Da minha janela retangular do nono andar que dá vistas para
o mundo, o filme que assisti, acredito, não fora só meu nesse dia, muitos viram
o filme dessa tarde a olho nu também de cima, tendo o céu iluminando a projeção
de tanta violência e a terra regada por tanto sangue.
A certeza dessa projeção que fica é aquela onde o ditado
popular diz com sabedoria, de que o barato sai caro. Querendo o ganho fácil do
dinheiro de um sequestro, pagaram com a vida valor que seria de cada um e ainda
saíram devendo, porque a vida de cada matado, não pagaria o que já haviam praticado
desde que entraram para o crime.
E você leitor, acha q’ueles são filhos das dívidas que a
elite brasileira tem para com quem veio do veio da terra sem pátria ou não tem
nada a ver o cu c’as calças?Que para se tornar bandido não importa de que classe
social tenha vindo? È conceito para se pensar.
ZéSarmento