sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

É OSSO

Meus ossos de uma hora pra outra começaram a se rebelar com a minha presença sempre exigindo deles mais esforço  pra chegar em algum lugar de difícil alcance.
Quando das minhas corridas malucas pra perder peso, teve uma hora que empacaram, me fizeram estancar de supetão por se amolecerem por entre minhas carnes me dizendo que não saísse do lugar.
Disseram: isso não é vida, companheiro de luta, irmão das mesmas angústias, somos sangue do mesmo sangue, filhos do mesmo DNA, temos que entrar num acordo, precisamos ser cuidados com mais zelo pra durar igual vai durar toda estrutura mole do seu corpo.
Noutras corridas pra chegar primeiro nas oportunidades que apareciam, meus ossos também se fizeram amolecer, se revoltando. De uns tempos pra cá andam me avisando: segura a onde meu irmão, o que você engole, a nós chega também.
            Meus ossos querem me fazer retrair na corrida  para se colocar pra tentar as coisas boas que a vida tem pra dar.
Toda vez que meus ossos acham que excedo para o plantio de algum feito que acho razoável pra me colocar  perante a sociedade, eles me deixam no chão sem poder levantar.
Quando estou ávido para chegar correndo feito um tantã em algum lugar, muitas vezes meus ossos dizem que esqueço de que ter uma vida saudável é melhor, pois, com o tempo, outros elementos que formam o corpo humano, que participam dos mesmos eventos, logo estarão pedindo arrego.
Quando ocorre de se revoltar, meus ossos acabam amolecendo, se tornando uma espécie de borracha que não quebra quando enverga, mas me retira às forças para que o meu corpo não chegue aonde quero. Nessas ocasiões acabo ficando puto com os meus ossos, quando me ponho a me arrastar  no lugar que me encontro clamando a eles que tornem a endurecer, foi pra isso que os milhares de séculos existiram, para formar o ser humano como é hoje, com ossos obedientes e equilibrados.
Dizem: meu irmão, tamos agindo com você desse modo pra segurar sua onda, sua loucura de querer estar em todo lugar se desgastando de forma a nos deixar com menos tempo de vida. Somos tua parte mais dura como elemento de sustentação do teu corpo, mas não somos donos da sua mente, de seus desejos, por causa disso, usamos da artimanha e do poder que temos, que pra nós é sabedoria, de te segurar, quando passamos a ficar  mole nas tuas junções e armadura esquelética. Se ficando mole, levando você a cair e se arrastar, não conseguimos o deixar parado por muito, imagine se não usássemos dessa arte de amolecer. Somos ossos sábios, entendemos com o passador do tempo que só amolecendo  por dentro pra lhe fazer entender que tem hora que as paradas às reflexões são necessárias, com isso conseguimos te parar por fora.
Acho que meus ossos têm muito ciúme das minhas correrias e buscas e sonhos e realizações. Querem me fazer de João bobo, marionete, têm ciúmes das noitadas franqueadas quando estou de caso amoroso com uma mulher que eles não acham gostosa ou não vão com sua cara. Acho que meus ossos acham que quem tem que gozar são eles. Até já se meteram com o meu pau, dizendo a ele que fizesse e agisse como eles agem, amolecesse também nas horas que não comungasse das mesmas idéias e desejos, nas horas das felicidades estremadas. Essas situações na vida das pessoas são um pecado para a vida que se quer levar até os noventa anos, dizem eles. Apesar do meu pau não ter osso, uma vez ou outra quer acompanhar as ideais dos meus ossos. Parece um pinto sem caráter, vai pela conversa dos outros mesmo sabendo que mais tarde pagará  alto preço pelas bobagem que fez.
Tem uma coisa estranha na minha relação com os meus ossos. Parece que eles não me querem ver feliz. Quando rio,  já sinto por dentro do corpo um comichão, são meus ossos agindo pra me fazer retrair e se tornar mais comedido. Outro dia tava com amigos farreando, quando na hora do desfecho do prazer  inigualável, me fizeram arriar e ficar estatelado sem poder sair do lugar. Tudo amoleceu. Meus amigos ficaram sem saber o que fazer, foi quando tive que acalmá-los, dizendo que com os meus ossos eu me entendia. Daí a pouco fiquei triste, foi quando voltaram a endurecer, mais daí a farra acabou, perdi a graça e a calma, senti vontade de pegar uma furadeira, uma serra copo,  esmerilhadeira, moto serra e cortar meus ossos em pedaços minúsculos pra nunca mais fazer feio quando das alegrias.
Como  grande  parte dos elementos do meu corpo também é mole, e ser meus ossos que formam a minha estrutura firme feito rocha, nessas horas fico sem ter como me movimentar. Acabo me comedindo pra que eles acabem com a greve que fazem pra com a minha pessoa.
Acho que meus ossos têm muita inveja de mim. Por que sou uma pessoa solta, sem vínculo psicótico com nada, sem apego, livre, leve e solto no pasto feito um  potro em busca de ração que lhe aqueça o estomago e a alma. Inveja é uma pedra que se atira na direção de quem não se gosta, mas quem recebe não sabe de que direção partiu, isto é, quando não se conhece quem é o invejoso, mas no caso dos meus ossos, não, eu os conheço, afinal nascemos juntos, somos do mesmo espaço, ocupamos a mesma estrutura, vamos no mesmo conjunto pra todo lado, não tinham porque ter inveja de mim, já que aonde vou os levo.

Em varias situações meus ossos me deixam nervoso, é quando se acham o sabichão, e eu o bobão, se acham o Doutor Honoris Causa da sabedoria. Enche o saco: para de beber álcool, toma cálcio, come tal fruta com tal letra, você quer que eu morra antes de você pra ficar por aí gandaiando pelas noites com mulheres,  poesias, se empatufando de proteína animal, criando calo na barriga, desgastando os órgãos internos ingerindo o que não presta como alimento. Respeita Zé! Sou teu e você é meu!