AQUI TEM HISTÓRIA- MINHA FINADA MÃE
Dos oito filhos que escaparam e viraram adultos, sou o quarto, e o mais parecido com minha mãe, Dona Francisca Marcelino Sarmento.
Trabalhou muito pra cuidar de 9 homens. Era a mulher de uma casa, nos invernos muito pobre, nas secas intermináveis miserável.
Vivíamos num tempo/espaço amparado por costumes machistas, imagine como não era.
Casou-se aos 17 anos. Meu pai Antônio com 42. Depois de viver
intensamente os colóquios, percalços, violências e estéticas sertanejas na
região de Sousa, Antônio achou que era hora de se encostar num canto e maneirar os
ditames de uma vida esmagada pelo latifúndio, cangaço, violência e seca.
Decidiu pedir a mão
de minha mãe em casamento.
O agricultor Antônio Marcelino, o futuro sogro, achou por bem
entregar a filha, antes que ele a roubasse e fugissem
num cavalo pangaré de casa numa noite de lua cheia branqueando a caatinga.
Afinal, eram primos, e nada há de mais seguro dar uma filha menor em casamento a quem já o conhecia.
O noivo era pau pra toda obra e muito vivido na valente e montaria de amansar burro brabo, na briga de punhal e na segurança de disparar munição de rifle papo amarelo em cima de condenados a morte por desavenças de arrombo de cercas e roubo de gado.
De tão interessado no casamento, o sogro
emprestou, de pronto, pequeno pedaço de terra do seu lote à beira de um açude para o genro fazer sua roça de
coivara. Era preciso, ao se enlaçarem no padre e no cartório, o casal daqueles tempos possuir seu
canto para se amarem e fazer filhos a qualquer tempo nas noites de amor que
entregaria ao sertão muitos rebentos no futuro.
A tapera de taipa erguida pelo noivo Antônio no descampado, também recebeu mãos
febris e pés socando barro para encher o entrançado de varas e forquilhas por parte da família de minha mãe Francisca.
Um alpendre para receber cadeiras de balanço para se refrescar no calor sertanejo e acentos de toras de madeira davam segurança nas conversas de visitas, uma sala, dois quartos e uma pequena cozinha dariam as caras pela fumaceira produzida no estalar da lenha ainda verde cozinhar o básico.
Logo a casinha pequenina de taipa no alto de uma pirambeira recebeu o casal.
Num canto da sala alguns sacos de milho, feijão, um
pouco de arroz em casca, alimentos colhidos na roça pela chuva ter se segurado
por meses.
Uma cama de casal de vara da flora sertaneja, forrada com colchão de
junco começou se balançar no movimento do casal aprontando a chegada do primeiro
rebento.
Uma mesa e dois tamboretes, um pote, uns pratos de barro, uma quartinha para levar água para o roçado, duas redes para armar em qualquer cômodo, uns
panos para cobrir o corpo, umas plantinhas para produzir xaropes e florinhas em frente
a tapera foram suficiente para começar nova vida, e esperar o primeiro de muitos filhos.
Como naquela época dos anos de 1950 não tinha rádio, televisão nem jornal, a diversão para diminuir as preocupações com o futuro, era se amarem intensamente e imitar todos casais do sertão, fazer filhos até perderem o poder da reprodução.
Dez vieram ao mundo, oito escaparam, e cada vez que um nascia, coronéis do latifúndio pipocavam no ar muitos foguetes, pela certeza da continuada mão de obra barata para a manutenção das suas terras. Com o correr dos anos dos pós-guerra, São Paulo foi a saída pra fuga de rapazes marcados por costelas aparentes migrando para os grandes centros urbanos. Zézito foi um deles.