CONTO 2
Menino não
gostava da época de inverno no sertão, de acompanhar o pai austero de enxada nas
costas em direção ao roçado de mato pesado, com disposição de varar o dia sob
sol calamitoso cultivando leiras de vazante com filhotes de milho e feijão. Era
dia de facada no peito, de tiro de fuzil nos sonhos como ainda o então sertão
caminhava acelerado.
O calor braseiro
do senhor o destronava da alegria, tristeza acachapava a esperança de menino em
formação, pondo na grande e dolorida tristeza que era limpar mato desde o
nascer da aurora, até o sol se por com pinceladas de várias cores: negras, quentes
e frias. Cores que descoloria quase sempre a esperança de meninos filhos de
sertanejos pobres que tentavam tirar da terra o sustento como alimento.
Sentia que
deveria estar como estava pelo momento muitos filhos de bacana da pequena vila
de funcionários, com livros, cadernos,
lápis não mão, e os lábios quentes prontos pra beijar meninas, mais tarde produzir com firmeza um
encontro para tirar sua virgindade. Era seguro que este boy bem nascido e de
família com os pés, as mãos e as ações no corrimão da segurança pública do
sertão, não sofreria represália, a moça era do campo, pobre e com sonhos além
das possibilidades.
Ganhava coceira dos
diabos no corpo das folhas do milharal, e outras tantas culturas florando como
o arrozal, mandioca, canavial. Sofreguidão na pele, nos movimentos, por não
conseguir pegar o dia com sua aspereza de trabalho pesado e trazê-lo pra si
para um carinho beneplácito.
Encher as unhas
de terra preta dava vergonha ir de encontro às meninas nas noites do sertão, até
mesmo nos encontros em sala de aula, quando já era mocinho com hormônio
visitando o organismo, e o vício o pegando pra levar até uma moita, quando
retirava de dentro de si energias acumuladas pela testosterona. As cabritas
pastando capim seco ou verde como a esperança, era fuga pra desafogar a sexualidade.
A tristeza
deletéria em algum momento surgia, quando o eito ia se fechando, ah, vou ficar
livre daqui a pouco pra jogar bola, paquerar, tomar banho no rio que corre
desde o sangradouro do açude soltando água sertaneja que sonha conhecer o mar.
Quando as enxadas se encontravam derrubando mato, cobras surgiam tentando fugir
pra longe. Sabia dos conselhos do pai pra não enfrentar cobras venenosas sem
estar por perto um adulto muito macho em pegar ela com a mão e matá-la com os dentes, pois quebrar coco e rapadura
na testa já sabiam que isso ele fazia.
Dava risada dos
pulos dos irmãos tentando correr do ser rastejante, e da valentia do pai
mirando a cabeça da cobra para amassar com a enxada cortante.
Cada filho
menino fugia pulando pra longe do bote da cascavel. Salamandra, coral,
jararaca, punha medo e respeito sem depender do tamanho.
Os mais velhos
se encarregavam de pegar a cobra de pau, ajudado pelo pai. Pendurada em forquilha,
estava garantida a destreza na ligeireza que tiveram em matá-la primeiro que
ela a eles.
Momento bom
surgia lá pras onze horas da manhã, no mais tardar, ao meio dia, quando cansados
de fome no cambão da enxada surgia meninotes que não podiam cair na lida do
campo, acompanhando mãe carregando num cesto a comida pobre em sustança, mas
preparada com amor no coração gigante.
Filhos que ainda
mamavam choravam pra andar escanchados nas costelas de mãe, de modo a ela andar
torta dum lado arrastando tantos filhos pequenos, levando na cabeça, protegida
com rodilha, o cesto com vários pratos
de comida.
“Ai meus Deus,
que aperrei, é muito menino querendo mimo de uma só criatura!”
Panelas
amarradas em panos encardidos resguardados pelos modos do sertão levavam pouca
comida. Geralmente não dando para repetição. Deixava língua lambendo beiço e
barriga ocupada pela metade, nos coitados jovens que volviam a terra do roçado
na esperança de que ela produzisse bem mais comida que a que a mãe trazia no
momento.
Acontecia de ser
assim pelo meio da seca, que apresentava sangria no corpo do homem, vazando
pouca gordura que porventura havia ganhado nos invernos muito curtos. Era um
tapa na cara a fome impertinente de tempos em tempos que ultrajava a gente do
sertão do polígono das secas.
Quando do breu e do adeus das chuvas, regurgitava, em
estado caótico, esqueleto vivo ululante pervertido pela miséria praticada
pela fome.
Magreza
esquelética ganhava corpo de gente resistente na impertinência, em viver em
estado de conveniência com o solo impiedoso e os homens poderosos que
exploravam sua gente pelo advento da indústria da seca.
Sentados em
qualquer pedaço de toco, ou no próprio cabo da enxada, comia com alegria a
família, por mais um dia terem conseguido atravessar, sem se despistar do
futuro do céu em cantilena religiosa, para ver se nova nuvem carregada
precipita ronco de trovão, e clarão de relâmpago enfeita o firmamento que assusta a meninada.
Ao surgir a chuva, se
precipitando assim, contentamento e nova fé ressurgia em cada
cara, geralmente mais triste que alegre do homem da caatinga que, tinha na
terra molhada, o Senhor como seu patrono.
Na seca era o
cão o inimigo urinando em seu corpo, na sua fé, esperança.
Descansados um tanto de minutinho depois da comida, peleja voltava à carga, não ficando pedaço
de mato em pé que não caísse, quando ajuntavam todos os filhos presentes nos
sábados de todas as semanas dos bons invernos.
Fim de semana de
tristeza para uns menos levados a ser do campo, por serem preguiçosos
pra enxada, picareta, cortar vara de marmelo nas serras para abrir brenhas para roças de coivara, pisar barro pra conserto de
velhas paredes, ir pegar lenha para o fogão com pouco grão para cozimento, trazer água dos canais que corria logo abaixo da tapera.
Sabadão de
produção de alegria para outros acontecia, por ver que o mato não ia comer os
grelos novos de cultura de vazante, e mais adiante as espigas de milho iam encher o paiol, sacos de estopa ganhariam grãos de feijão, outros tantos
trazia do campo o arroz catado cacho por cacho quando pronto pra colheita se
achava dourando os campos de vazantes.
O plantio que
nasceu em dia de chuva, esperando que ela caísse em constância vigorosa,
cresceria e produziria o suficiente pra encher pequenos e grandes açudes, e a pança
da grande família não seria esquecida, nem somente visitada pelas lombrigas que
a fazia esticar.
Vixe Maria,
minha mãe do céu da minha infância!
Açude despejava
pelo sangradouro sobras de água do enchimento, como os grãos enchiam os silos
dos agricultores da minha meninice.
Grãos em baciada
traziam alegria pela fartura de tudo dá as caras. Não cobrava um vintém de
alguém à natureza, mas lubutava o sertanejo para ser feliz até o ultimo suspiro, ao fugir das terras dos coronéis que cobravam a metade do que ele produzia em
suas propriedades.
Feliz ficavam
mães de muitos filhos, chamando o vento no assobio, para fazer palhas pularem da arupemba na limpa dos grãos e envaidecer e
crescer todos e não virarem retirantes prontos pra serem explorados pelo
latifúndio reinante.
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