CONTO 3
Frutas
produzidas no vale irrigado caiam do céu para boca de famintos como luz
multicolor quando ilumina quem vive em tempos de cratera de trevas. Nos
períodos de safra frondosa, ah, que delícia! a fronte dos moradores das áreas
rachadas pelas estiagens ganhava botox natural, o cosmético mais empregado hoje
para esconder as rugas de quem tem, na vaidade, o vício de se esconder do tempo.
Matava fome de
meninos quando estes pulavam cercas e usavam do impulso das pedras para
derrubar frutas ainda madurando no cacho. Um olho na fruta, outro no dono do
pomar para fugir de bala de sal disparada por munição de espingarda de socar.
Alimento bom
trazia as frutas sertanejas pro buxo, sustança elementar pra continuar sonhando
o homem com céu escurecido e o ronco dos trovões acompanhados de claridades
passageiras pelos relâmpagos crepitantes.
Espigados coqueiros produziam bola verde pra matar a sede de menino
arteiro e de adultos famintos. Era um refrigério animador a melhor água doce de
coco do sertão, quando descia pela goela em dia de sol a pino, com suor
escorrendo pelo corpo, produzido por seguidas brutalidades de braços
sacolejantes nas enxadadas na terra.
De barriga cheia, bola chutada era as de meia no terreiro de casa de
taipa sua ou dos vizinhos.
De capotão em campo de terra brincavam de quem fazia mais goools em traves
com trevas nas armações de pedra, de touco de madeira sem lei. Os dedos dos pés
dos jogadores mirins correndo atrás da pelota, se lesionavam com farta facilidade
pelos tocos e pedras serem chutados no lugar da bola.
Água de coco nas sedes das estripulias matava desejo de meninos nos pomares, que nasceram
por mãos de funcionários da vila de terras públicas. Quando o inverno surgia,
era uma festa, sacoleja a esperança de banhos demorados. Saiam os meninos
nadando arrastado pela correnteza do rio, canais de irrigações eram frequentados
para brincadeiras demoradas, do trampolim improvisado da galeria, pulava de
ponta rapazotes mais afoitos. Perigo a vista de ser puxado por redemoinho
formado acima da comporta sugando água que enchia os canais.
Água do açude era entregue à população da pequena vila de funcionários
públicos, em canos de aço enferrujados. Entrava nas casas derivada de grande
caixa d’água pendurada num despenhadeiro.
Lembra do dizer dos mais velhos que a água era boa não só para beber, servia
como xampu, a de coco, a água renovada do açude em reboliço, podia trazer para
as tripas, o vibrião da cólera. Tramóia! Dava cabelo endurecido pelo açucarado
doce sabor, a de coco. Pente não penetrava. Só quando forçava o garfo de
madeira com raios de bicicleta, pelas entranhas do Black Power dos anos de
irreverência dos setenta.
Fiapos de manga do vale irrigado se metiam à besta, se embocando entre dentes.
Aja palito de lascas de capim pra socar entre um e outro, e tirar o
cabelo pelo da manga espada, coquinho. Manga rosa, bem vinda era a popa.
A menina Rosa fazia um bem dos diabos, alimentava a fantasia, aquecia a
energia da juventude espoleta procurando se aventurar em busca dos primeiros
amassos, depois de experimentar os iniciais goles de cana pitu nas beiras dos
canais de irrigação, embaixo das moitas de avelozes.
Suco adocicado de manga chupada com prazer de olhar perspicaz na próxima,
não exprimia careta. Da Rosa o riso tímido alimentava moleque, seu beijo dava
efeito de acelerar o coração. Lembra o menino arteiro de quando moleques de
cócoras, esperava vento no galho que a manga derrubasse, enquanto o outro o
galho balançava, sonhando com a presença de Rosa alargando o sorriso o
convidando pra se encontrarem na praça,
bem longe de olhares guardiães e da TV que mais chiava que falava, bem mais
chuviscava que mostrava imagens definida.
Enfeitava a vida de fartura nas safras as frondosas árvores.
Enfeitava a alegria a Rosa rebolando com trouxa de panos para lavagem na
cabeça, com a mãe à frente gritando. “Rosa, peste de minina, anda adespressa, tá
ficando muito pra trás, é tarde!”
Passarinhos vigilantes cuidavam das frutas para bicar e papo encher, com
elas ainda sem por toda amadurecer.
Meninos parrudos cuidavam da Rosa em formação para beliscar atenção pra
pensamentos sobre amor e sexo nas macegas.
Era bom, lembra o moleque!
Disputava com quem tinha mais fome de amor e comida como os homens já
crescidos.
Das pinhas e
graviolas se comia até o caroço, por ser alongado pequeno e não roliço nem grosso,
deslizava fácil pela garganta e não entupiam como as goiabas.
Amadureciam por
debaixo de capim amontoado, frutas como abacate, pinha, graviola. Frutas esquentavam
a polpa no calor, amoleciam mais cedo pra festejo de menino que tinha pressa
para a fome matar.
Apetite de
moleque em crescimento, não esperava tempo aberto fazer amolecer a polpa
inteira de frutas do viveiro de experimento
agrícola, como os cajus, abacates, seriguelas, cajaranas, cajás e umbus.
Tangerinas eram
furtadas por bandos de moleques, em sítio afastado dos guardas do perímetro,
sempre salientes no experimento de entregar os moleques pra família dar um corretivo
de cipó de marmeleiro, quando o pai não tinha verba pra retirar o cinto do cós
da calça.
Se demorasse derrubar
do galho curvado pelo peso da boa produção, espertos com mais força na fome e na
envergadura, chegavam pra comer fruta primeiro que menino arteiro.
Lembra dos canais
de irrigação que nos invernos deixavam de produzir lágrimas nos agricultores e saíam
abundantes despejando fertilidade nos campos sertanejos formados por várzeas de
terra fértil.
Enfiava gosto pular
de ponta de ponte de tábua, dando cabeçada n’água em correnteza, com certeza. Diversão
danada de boa sair nadando debruçado arrastado pela correnteza do rio temporão,
flutuando deitado em pau de bananeira,
bóia de câmera de caminhão, vigilante no céu alumiado de calor feito
braseiro do Senhor, levado mais adiante de encontro aos braços do guarda-civil Bico-de-Aço.
Lembra, porém,
dessa beleza de existência, apenas quando as chuvas se faziam presente e
despejavam as sobras do grande açude pelo sangradouro, parando de sangrar os
olhos dos agricultores e dando viva aos peixes.
Otoridade civil entregava
moleque para os pais pra correção da malinação nas correntezas do rio e canais
em ação de escorrer água nas invernadas.
Lapadas de cinto
de couro cru no traseiro ou cipó de arbusto que desse pra mão quebrar, visitavam
espinhaço a qualquer hora da ditadura dos pais, apois seguia a risca a ditadura
militar, quando moleque não possuía ainda pernas-pra-quem-te-quero e corria
feito potro brabo para diversão em busca dos braços da vó.
Vixe! Como era
bom o sertão quando chovia de montão!
Vixe! Como era
triste o sertão quando fazia seca de arrastão!
Das goiabas
novas no verde do cio, reclamava moleque pra mãe que não conseguia cagar, tava entupido
pelo excesso de caroço hostil.
Das muito maduras
nem espiava por dentro moleque faminto. Eram devoradas no desarvoro mastigar
quase não. Não via bicho mole se mexendo do tipo tapuru de fruta.
Horror aos
bichos só delegava às vistas, quando era produzido nos restos que os urubus não
conseguiam devorar dos animais mortos pelo estio.
O sertão dá e
tira desde tempos imemoráveis, ouviu o menino esta frase muito dita pelos mais
velhos embriagados por contar sobre o passado hostil do sertão, já contidos
pelo aproximar da morte, apois que morriam desde que nasceram pras bandas
de terras distantes mais secas que
molhadas. Em muitos, lágrimas de despedidas corriam pelos escovados canais do
rosto, vindo sentimento aflorar devido saudade boa ou ruim do passado que
migrara com mais afinco para o presente.
Os homens faziam
cruzes com os dedos indicador das mãos, para afugentar o demônio da seca. Era
lembrado ou citado por alguém adepto do imprestável, nas rodas de conversa dos
mais velhos olhando para o céu em adivinhação, se o inverno seria bom ou não. Imagens
que até hoje continua gravada na cachola de menino.
Com inverno ou
não, ciriguela das verdes exprimia careta na cara dos apressados em chegar
primeiro que os adultos. Subiam nos pés que curvava os galhos para o chão, pela
fartura a cada entrada de ano tão esperada. Os umbus não deixavam faltar outra
face nos sujeitos proprietários de muita fome, por colherem ainda verdes frutas
temporãs produzidas em terras sertanejas. Sangrava boca de saliva as tangerinas
do viveiro, por também não esperarem o amadurecimento dos frutos cajá, cajarana.
Derribava de
galho moleque mais crescido, essas árvores que davam fruta, e se partiam
inteiro com o peso dos meninos em crescimento.
Os adultos
diziam pra ter cuidado com elas, não tinham trançado na matéria madeira como as
goiabeiras resistentes, nem iguais eram aos homens que lutaram na guerra de
Canudos.
Juá o menino não
gostava de provar, em boca disponível pra qualquer alimento em qualquer tempo.
Não tinha muito que mastigar a fruta da árvore sempre verde, perdido no esmo da
mata calcinada. Sua polpa poupava a fome, por ser maior o caroço que o gosto. Sombra
para o descanso de corpo estorvado pelos solavancos das ferramentas que volviam
a terra para o plantio depois do estio era graça para os bóias-frias.
Cassacos da
emergência da seca e agricultores das vazantes penavam quando um juazeiro por
perto não existia. Eram procurados por estarem
sempre fechados no trançado das folhas verdes. Dele valia a casca raspada para
escovar os dentes, depois de comer mais vento e sol que sustança sólida, os
trabalhadores do eito.
Eita febre
fibrosa que atacava sentimento de homem, já pensando nas plagas distantes que
desse para viver sem o medo da fome.
O sertão imprimia
medo ao homem, da fome.
Das mortes
matadas, não.
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