sexta-feira, 24 de julho de 2020

MEMORIAL DA NOVA CASA


Memorial da nova casa da rua da baixa.

Eu adolescente tem lembrança da chagada nesta casa. 
Cheirava a reboco e tinta fresca. 
Nova morada, novas amizades, vizinhos. 
Quintal grande e fresco. 
Coqueiros, mangueiras, pinhas, goiabeiras...
Lembro que planei duas árvores na frente dela. 
Não resistiram ao machado ou ao tempo. 
A maior lembrança e mais triste...
É quando penso na noite em que parti
Em companhia de um irmão mais velho. 
Meu pai e minha mãe ficando para trás mexendo as mãos.
Num adeus quase para sempre. 
Era janeiro de 1977.
São Paulo foi à saída. 
Já profissional de cinema. 
Aqui pisei sete anos depois. 
Voltei mais duas vezes.
Uma com a noiva, outra com três filhos. 
A visita dessa gravação
É a quarta vez em que ponho os pés no meu torrão.
Depois de 42 anos de migração. 
E mais uma vez as lembranças me jogam em pântano 

quinta-feira, 23 de julho de 2020

MEMORIAL DA CASA DE TAIPA ONDE NASCI


Memorial da casa de taipa onde nasci


No tempo d’EU menino
Aqui existiu uma tapera humilde abraçada por barro socado.
Refúgio para uma família
Com muitas crianças querendo mimo de braços de adultos
E comida no prato para saciar a fome. 
Uma escadinha no tamanho dos moleques
Apontava a cada dois anos...
Um óvulo fecundado.
Havia fervor no prazer de meu pai e minha mãe
Ao se amarem abraçados
Na quentura das noites sertanejas.
O catre pocilga de vara de marmeleiro
Amparava colchão de palha de junco
Sempre pronto para receber corpos se unindo para fazer novos filhos.
10 vieram ao mundo. 8 escaparam!
Meu eu menino tem em memória a pobreza.
Base movediça pra motivo de lágrimas
No rosto de Dona Francisca. Minha mãe!
Ela chorava escondida dos filhos
Em algum canto mal-cheiroso.
Roia restos de unha carcomida pela aspereza do sabão.
Lavava todo dia fedor de mijo de trapos da miserável família.




segunda-feira, 20 de julho de 2020

AQUI TEM HISTÓRIA - NUM TOU ME GABANDO



AQUI TEM HISTÓRIA
Sessentinha e mais, inteiro.Num tou me gabando.

Não foi nada fácil chegar aos sessenta e três anos, (quem acha que tenho menos ou  mais levante a mão), resisti desde que nasci, não sei como, acho pela fé em querer realizar coisas, lutar pra sair da miséria em que fui criado e mostrar pro meu pai que não seria o inútil que ele dizia que eu ia ser, por ser o moleque mais rebelde dentro da casa de taipa, entre os 8 irmãos, todos homens, que Antonio Aurélio Marques Sarmento concebeu no ventre de Francisca Marcelino Sarmento, sua prima, minha mãe. Aos 19 anos São Paulo foi a saída, acompanhando um irmão que havia se mudado para cá há 2 anos e lá foi passear, levou radinho de pilha vermelho, calça de tergal com vinco boca de sino, camisas sociais, camisetas coloridas, sapato plataforma, relógio seiko dourado, cinto de vivela vistosa, brilhantina para o cabelo, perfume, corte de panos pra mãe e pai e irmãos, vim com ele, viajara para cá depois de um casamento na ‘poliça’, forçado, pegou uma moça virgem no mato, ou casava ou ia pegar cadeia na cidade de Sousa, chagando aqui o choque foi duro, era muito inocente, bobinho, tímido, difícil de enturmar, tinha medo de fazer amizade, ser sugado por ela, quase entrei numas, mas segurei, nas bocas do lixo, no cinema, era muito centrado, racional, apesar de bobinho sabia o que queria, medo da cidade, sempre meio recluso, muito preocupado em ganhar tempo em aprender  aquilo que não consegui até os 20 anos, quando no sertão, nas  minhas incursões culturais o livro sempre esteve presente, desde que aprendi a ler aos 14 anos, isto me acompanhou para cá, também o cinema e o teatro, não consegui tudo que almejei economicamente, isto é fato pra filho de bacana, pertencente a uma elite que explorou, explora pobres de todas etnias com a esperteza de uma mente doentia e conservadora pronta para se dar bem a qualquer preço,  tudo bem, os 4 filhos salvos, criados, na perifa, com suas profissões, agora é pensar levar os dias com tranqüilidade, pensando muito em como trabalhar mais minha literatura, continuar aprendendo nos livros, nas ruas. Sempre fui aberto aos saberes, muito curioso, no primeiro livro que editei disse pra mim mesmo, vou fazer um puta sucesso, comer um monte de mina, viajar, ganhar grana e viver como escritor, pensamento  escroto, né? vai ser da hora, ledo engano, se liga aí a vida é dura, cheia de coisas que se chama capacitação, estudo, entrega, sorte, cu pra lua, politicagem, vaidade, interesse, pouca virtude moral, ética, muito sexo e porralouquice, o sucesso como geralmente a maioria da população aceita precisa de tudo isso. Sempre fui, desde novo, contestador dos valores tradicionais dessa direita maldita que sugou e suga a esperança dos trabalhadores e suas gerações, lhes negando o direito ao aprendizado, direito a mobilidade social e econômica...