domingo, 2 de abril de 2017

CONTOS MEMORIAIS - CONTO 1

              PRIMEIRA FASE

     NO CÉU DE NASCIMENTO

                                                                     CONTO 1


Casa humilde abraçada por serra gigante para meu EU menino, era refúgio para uma família com muitas crianças querendo mimo de braços de adultos e comida no prato de barro para saciar a fome.
Uma escadinha no tamanho dos moleques apontava a cada dois anos um óvulo  fecundado com fervor no prazer de se amarem abraçados na quentura das noites sertanejas.
O catre pocilga imunda de vara de marmeleiro amparava colchão de palha de junco, sempre pronto para receber corpos se unindo para fazer novos filhos.
Meu eu menino tem em memória a pobreza, muitas vezes base movediça para motivo de lágrimas no rosto de minha mãe que chorava escondida dos filhos em algum canto mal-cheiroso, roendo restos de unha carcomidas pela aspereza do sabão que retirava fedor de mijo de trapos da miserável família.
Reclamações impertinentes dos responsáveis pela quantidade de filhos, colocados no mundo sem pensar nas consequências, não levava a fábrica da família fechar a linha de produção. Mesmo vivenciando  cotidianamente quão difícil criá-los, continuava com a chaminé acesa soltando jatos de gozo dentro de enorme ventre materno.
Estação sempre aparecia de tempo ruim para o sertanejo selar o riso, bem mais que tempo bom para lhe abrir às gargalhadas. Momento coisa-ruim não existia para a fábrica de embrião humano perder tempo de galar óvulo e gerar mais filhos, prontos para no adulto do futuro dos dias que corria sanguinolento, virar retirantes para algumas plagas distantes. Muitas crianças nasciam concebidas nas noites de qualquer estação de qualquer tempo com chuva, sol, mormaço. A solidão nas noites sertanejas era quebrada por dedos calosos bolinando corpo ainda de pele macia de mãe, bem mais nova que meu pai.
Muito dos bens dos bons anos de inverno desapareciam com pressa, pela seca castigar a terra, gretar em fragmentos desalinhando o solo, e a face do sertanejo ser protagonista das aflições causadas pelas estiagens.
A terra dividida rachada em milhões de seguimentos formava um quadro surrealista, só vindo virar  arte-bela pela técnica da fotografia, ou por mãos de ótimo artista do lápis ou pincel ilustrando sua derrocada nos campos ignotos.
Terra pretumenta nuns cantos largos do sertão, avermelhada noutras áreas imensas de massapé, dava nó em visão de agricultor, quando o sol era o anteparo, e não as nuvens carregadas pelos ilustres visitantes vapor d’água, santificados pelas orações aos santos de devoção da população com São José.
Filhos pequenos e maiores exigiam mastigar o que a terra produzia de suas entranhas, não dava mais para viver de mastigar vento e sol e calor puxados para a boca nos sonhos que a todos alumia.
Terra segmentada, desamparada pelo desaparecimento das plantas viçosas e dos animais, de solidão pela fuga do agricultor que migrava para outras áreas nas secas brabas, deixando mulher e filhos no vazio dos dias mastigando calamidades produzidas pelos coronéis que demandava poder de arbitrar barbaridades.
Tinha nela seu sustento nos bons invernos, nos ruins, tudo sucumbia, dando pernas movimentar para outras áreas do brejo, cariri ou alguma capital dos Estados do país em desenvolvimento horizontal e vertical. A construção civil e as fábricas dominavam o movimento dos paus-de-arara singrando estradas de terra sangrando carnes e mentes dos retirantes.
Produzia poeira e dor algemando peito calafetado sem chave para abrir, as secas medonhas, trazendo doenças e abandono às crianças sem amparo quando o leite materno desaparecia da boca de muitas crias, pelas mães a cada ano receber nova cria em ventre preparado para por no mundo muitos filhos sem destino traçado de como sobreviver estudando os deveres nos cadernos que só a elite entendia que merecia.
Filetes de lágrimas escorriam no rosto pelos encovados canais das rugas dos pais, mais as mães, quando negava aurora primaveril da cor do anil, tempo de inverno sem negação.
Tapera humilde recebia nas noites úmidas, quentes que fossem, muitas redes estendidas com corpos de jovens e crianças, mais os dois adultos casal em cômodo separado numa cama, sempre se balançando impulsionada pelo movimento da máquina de fazer gente, as redes os pés faziam o movimento quando dava de encontro a alguma parede de reboco na casa de taipa.
Não tinha televisão!!!
Casebre trepado na solidão do alto do morro, segura por base sólida de granito, não entendia quão difícil foi o transporte das pedras para a construção do açude logo acima.
Em companhia de muitos filhos vindos de um só ventre, surgiam uma vez ou outra, homens do governo com pulverizadores nas costas para branquear as paredes da tapera de veneno, dizendo o responsável pelo evento, ser a mando de sanitaristas para dizimar ovos de barbeiro.
Estavam matando gente, dando prejuízo às finanças do governo, por gastar muito do bem público com a doença de Chagas.
Informou o homem de branco, não tivessem medo, não, podia as crianças partir pra cima e torar o rabo das lagartixas, mais tarde apareciam de rabo novo, como as diabruras sempre se renovava para prolongar o sofrimento dos homens e dos jumentos, animais que serviam pra jabá, depois de trabalhar tanto carregando peso no espinhaço para as trempes de fogão a lenha, sacos de mantimentos colhidos nas roças e capim para os cercados de varas que resguardava algum animal leiteiro.
O tempo por aquela região do polígono das secas vivia de tempo ruim num tempo, de tempo bom noutro, mas bem menor os bons tempos que os ruins.
Morcegos encandeados pela amarela lâmpada do teto da tapera, alumiando feito ouro de tolo, fossem chupar sangue de animais e não de meninos nas madrugadas,  já não possuíam  bons fluidos pra movimento, muitos de muitas famílias já se achavam tortos pela desnutrição infantil.
Vaquinha presa no cercado de arame farpado, não dava mais de alimentar os meninos pela falta de verde pasto, choramingavam ao lado puxando o vestido querendo mimo e o leite da mãe que também os peitos  secaram.
Sorria e fazia sorrir a vaquinha às famílias mais poderosas na economia de possuí-la nas invernadas, por fresco capim a qualquer hora colhido em vazante  nos descampados baixios que seguravam alguma umidade mais prolongada.
Crianças muitas, sustentadas na sua essência familiar pelo mais valente dos homens, davam movimentar pelos matos e terreiros sem anteparo às pernas nuas e descalças com  barriga saliente pelos vermes estocados, cachetes pra lombriga distribuídos pelos agentes de saúde, faziam mais tarde despejar os montes pelos matos dos aceiros de casa.
Cabra macho pai como aquele não existia, como muitos, cabra que num passado andou armado em proteção de coronel poderoso e parentes politiqueiros do sertão.
Homem de passado que se dispôs entocar-se nas brenhas das capoeiras, pra pegar de surpresa o inimigo da política dos coronéis dos anos trinta. Derrubava jagunços dos poderosos inimigos que queriam administrar o poder do sertão a seu modo, num piscar de olhos a mando do coronel.
Com tiro de coiteiro certeiro com rifle papo amarelo, o inimigo de outra facção política, de disputa por terra e derrubada de cerca,  visitava o chão, lá ficando para sempre sem bater as pestanas, nem saber de onde partiu a munição que o varou no peito e o jogou ao chão.
De cem metros alvejava o coração de ossos em movimento, sobre montaria, dizia o homem que um dia, alicerçado pelo poder de matar e proteção de quem detinha poder, viveu esse período do sertão do vale-tudo sem lei nos anos vinte e trinta.
Cabra que atirava como ele garantia empregado com passagem e carta de alforria, liberdade para viver acoitado em qualquer terra, de coronel poderoso, ou de político que lhe desse proteção.
Quem tivesse mais poder, o levava como protetor das sesmarias sem mais quais quais quais.
A tapera do cabra pau pra toda obra suspensa por paus de aroeira da braba caatinga, com certeza de prazer na hora do fazer muitos filhos, viu nascer dez rebentos, escapar oito com vida sem vida, sem irmandade nem anestesia pra sarar as dores da agonia da fome.
Com o tempo viviam pulando feito potro brabo, sem arreio, pelo meio da tapera dispersa, terreiro e adjacências, livres para fazer o que desse na telha recém nascida infantil e junvenil. Não existia preocupação de encontrar pela frente, alguém que os fizesse mal, além da fome e a quase miséria do entorno. O medo amedrontava mais quando a mãe gritava: “entra pra dentro, menino, cuidado com o papa figo”!
Pessoas de má índole, diziam, pegavam criança pequena pelas capoeiras e arrancava o fígado para vender às famílias de quem tinha gente com problema hepático e muito poder em bens e dinheiro. Acontecia de ser assim, se a família tinha poder de sobra pra pagar em partes ou a vista, a mercadoria retirada dos órgãos das crianças pobres lesando distante dos terreiros de casa.
Medo dos ciganos também fazia moleque se esconder nas brenhas, ou por baixo da saia de qualquer um da família mulher. Roubavam o que aparecia de interesse, jogavam praga a quem não ajudasse com esmola de caneca de grão de feijão, arroz, farinha, café, galinha, peru, pato, pedaço de leitão, carne de sol ao sol secando, salgada para se proteger das moscas varejeiras que pousavam ovos e criava bicho feio tapuru que dava engulho.
A tristeza maior pra moleque vinha quando na hora do almoço, jantar, merendar, via no prato de barro, feito pela vizinha artesã, o pastoso angu da cor de sangue que escorria dos buchos de cabras arruaceiros, que mexiam com moça donzela e não se sujeitavam a casar na polícia, por poder que o pai exercia nos desmandos. Faca, punhal e bala faziam estrago no corpo de quem não impunha respeito.
Sentia que a seca ressurgia, trazendo um pouco do purgatório,  levando um pouco do céu para fora do prazer que emanava dessa época de fartura, nas chuvas.
Abastança de milho cozido, assado, pamonha, canjica ao sabor de canela em pau, desapareciam nas estiagens prolongadas, era quando dava de crescer o bucho das crianças, pela terra e bosta de animais virarem insumos em alimento.
Desaparecia nas estiagens grãos como fava, feijão verde com nata nadando em caldo saboroso, arroz novinho grudado por ser filhote de grão branquinho ou vermelhão, só sobrava para alimento alguma farinha encaroçada nas vendas de espertos comerciantes, feijão gorgulhento e milho bichado para o moinho triturar e virar cuscuz, angu que fazia azia em goela que requeria mais substancioso alimento.
Colhidos da terra de vazante, ou nos baixios que mais segurava água, surgiam com fartura nas casas dos colonos e rendeiros todo tipo de legumes. Na chuvarada.
Fartura de sorriso nos lábios preenchia cara de moços e velhos, só a terra tinha o poder de produzir sorriso farto. Na chuvarada.
Arroz precisa de água pra se segurar ereto, produzir com profusão, assim como o sertanejo, para deixar de rolar na face, a água do seu interior e curvar-se à terra pra virar estrume nas mãos de quem tinha algum poder estatal ou particular. Os coronéis.
As chuvas traziam muita fartura e ainda segurava o agricultor no seu habitat, perdendo as capitais do país mão de obra barata para as lidas nas construções e fábricas de moer carne de gente deixando a alma demente.
A seca trazia muitos desenganos para o sertanejo que, por causa dela, estava sempre preparado para migrar como retirante.











Nenhum comentário: