Aqui tem tudo junto e misturado na criação da escrita:prosa, crônica, conto, prosia. Fotos.
sábado, 5 de novembro de 2016
BIXIGA-Um Cortiço dos Infernos
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domingo, 2 de outubro de 2016
AMOR ESBAGAÇADO - E-BOOK
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MONALISA DONNA MINHA - E-BOOK
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quarta-feira, 28 de setembro de 2016
AMOR ESBAGAÇADO - FIM
PEDRO
– Nunca me
passou pela cabeça
trair sua filha,
caralho! Sobretudo depois que ela começou a trabalhar fora, pra não dá a
oportunidade de ela fazer o mesmo dando o troco. Algumas de vocês são muito
vingativas.
SOGRA – (Com Pedro arrasado no sofá, a Sogra
se encaminha até ele, começa massagear seus ombros). Eu vou procurar um especialista
pra ver o que acontece comigo, pra ver se ele explica de onde vem tanta energia
e vontade de homem.
PEDRO
– Imagine quando
você era jovem, em... Teu marido
que ainda não era o português deve
ter pastado muito pra te sustentar de sexo, e os vizinhos pra fofocar a teu
respeito.
SOGRA – Quando eu dava as minhas escapulidas,
era bem longe da vizinhança, vizinho
só serve pra
ficar bisbilhotando e
fazer fofoca com inveja da vida alheia.
PEDRO
– Ainda bem
que nós não transamos. Uma,
porque se a tua filha descobrisse, ia ser aquele fuzuê
da porra, e outra, não ia poder sustentar as duas. Ia dá muito “zé povin” falando
de nós.
SOGRA
– Eu aqui
com esse calor
fervendo meu sangue
e você com o vento do ártico
congelando os nervos. Quem diria, em! Ninguém conhece ninguém nesse mundo
apinhado de muitas cabeças que pensa diferente.
PEDRO
– E quem
falou que você
me conhecia, nem
a sua filha você nunca conheceu. (Sogra começa a cantar uma canção sensual
tentando ninar Pedro para ver se levanta
seu astral).
SOGRA
– Acorda meu
nenenzinho, o dia
já nasceu, pega
o seu nervinho e faz ele levantar.
O seu nervinho não quer levantar e sair espirrando pelo ar? Levanta, levanta
meu amiguinho que a sogrinha que usar. (Para a cantoria e pega a falar normal).
Usar até ele se desgastar e ficar em frangalhos! (gargalha).
PEDRO
– Acho que
o meu problema
é outro, não
é fisiológico, é psicológico
mesmo. Também frequentando
a mesma caverna
há tanto tempo, sem a malícia sensual que requer a relação íntima nem o
colorido de luz piscante.
SOGRA – Pra você ver, não é só de fuque-fuque
que as relações íntimas entre duas
pessoas precisam. Você
veja, o meu
corpo sempre teve preparado
para as batalhas,
nas camas, nos
sofás, nos banheiros públicos, nas áreas remotas das festas granfinas
que frequentei, até por cima dos espinhos da irresponsabilidade já me doei aos
homens.
PEDRO - Você é mulher, não precisa ter nenhuma
força psicológica e física, é só abrir as pernas e fazer a sacanagem se deixar
levar.
SOGRA – (Ainda o massageando) Também não é
assim! Tem que ter certo desejo pelo
homem, também pra alimentar
o desejo da vitória, desejo de
vencer a guerra e dizer que conseguiu o homem que estava atrás. Tudo isso nos
trás o upgrade, alimenta o ego, a autoestima, a vaidade.
(Sogra tenta pegar em suas partes íntimas,
ele sai de supetão do sofá, caindo a
ficha sobre o que ela está acontecendo).
PEDRO – Não, sua gulosa, comigo não! (Pega a
roupa da sogra no chão e joga sobre ela). Veste sua roupa e para de palhaçada,
antes que apareça alguém e veja
você nesses trajes se oferecendo. Comigo
você não vai
usar de subterfúgio com seus
restos de paixão antiga. O meu amor por você se chama ódio, ódio!
SOGRA
- Não aja
assim comigo. A
pior dor é
a dor da incompreensão, do lavei as mãos, do nem
fede nem cheira. Dê-me a chance de lhe ter pelo menos uma vez.
PEDRO – Nunca serei seu! Será que você não
ver e não se toca que eu quero
ficar só, longe
de todos vocês.
Quero riscar pra sempre
todos vocês do
meu relacionamento, do mapa das
minhas idas e vindas. Não suporto
mais o aperto dessa corda nas
minhas jugulares desde muito. Não me faça perder a cabeça. O fôlego faz tempo
que estou perdendo!
SOGRA
– A minha
vida já não
era nada, depois
da morte do português a coisa ficou muito pior.
PEDRO – Tome uma atitude uma vez na vida,
pelo menos digna e se retire dessa casa. Não lhe quero pelada, não lhe quero
vestida aos modos de uma rainha, princesa, não lhe quero pra dividir o aluguel,
portanto, me
deixe só no
meu mundinho estreito
entre essas paredes.
SOGRA
– Eu não
tenho para onde
ir! Como vou
conseguir viver sozinho, onde as pessoas
só pensam nelas mesmas, qual a chance que vão dá pra uma mulher de 50 anos sem
saber fazer nada.Nem lavar roupa e passar eu sei, cozinhar, vá lá, aprendi
alguma coisa, mas o resto de tudo que tem de profissão, nãos sei migalha.
PEDRO
- Não sei,
dá um jeito,
tem tanta casa
de bacana precisando de
empregada doméstica com possibilidade
de dormir no emprego.
SOGRA – Nunca!
PEDRO – Casa de repouso.
SOGRA – Casa de repouso custa dinheiro.
PEDRO
- Asilo...! Não
lhe sobrou um
pouco de jóia?
Vai num penhor da
caixa, ela te dá dinheiro
na hora, vende
uns vestidos caros pra bazar chique,
vende tudo que dê pra fazer grana.
SOGRA – Cínico! Você acha que vou desfazer
das minhas coisas caras, do que
me restou. Nunca!
Nem se o
mundo pegar fogo e
torrar meu corpo!
PEDRO
– Você é
que sabe se quer ficar
nas ruas perambulando, usando e curtindo suas jóias,
mais a frente um assaltante levar elas e seus membros juntos depois de
amputá-los com faca ou tiro de escopeta. Acho melhor vendê-las, com o dinheiro
arrumar um lugar pra morar, fugir da crueldade
das ruas. Ou
você prefere viver como mendiga nas calçadas imundas do
centro da cidade e dormir à sombra do firmamento sonhando com o diabo enfeitada
dos objetos chique que te sobraram?
SOGRA
– As jóias
são relíquias de
um passado distante,
objetos valiosos da minha
bisavó, algumas ganhas
me deitando com o
português, outras ganhas
de homens endinheirados
do meu relacionamento. Prefiro a morte que vender.
PEDRO – Nesse caso a morte não é uma saída
digna, tá certo que eu não gosto de você, mas daí até chegar desejar que você
morra é coisa pra se pensar, entenda, quando a gente também começa a sofrer.
SOGRA – Você mesmo falou que me quer ver
esmagada embaixo de um trem...
PEXDRO
– Força de
expressão, não tenho coragem
de matar nem uma
barata, só quero
que você caia
fora daqui, se
encontre por algum hemisfério
humano amistoso. Em
algum lugar deve
ter alguém disposto a lhe ajudar ou lhe querer para namorar. Ponha
anuncio num jornal.
Você só tem
que mentir um
pouco a seu respeito. O que todo
mundo faz. Fala que ainda é virgem...
SOGRA
– Você continua
cínico, cruel, prolongando
meu caos interior com
essas palavras vis.
Você quer mesmo
é o meu sofrimento, e eu, de ti, só quero o amor,
não vê?
PEDRO
– Que amor
porra nenhuma, abaixo
o amor, isso é
mais uma armação sua para se dar bem, pra continuar explorando mais um
homem, eu, sexualmente.
SOGRA
– Nunca explorei
ninguém! Talvez o
meu erro tenha ocorrido de
usá-los e jogá-los
fora, não sabendo
explorá-los a exaustão. O único
de fato que me doei foi o finado
português, mas que acabou em nada, por ter terminado dura.
PEDRO
– Essa é
sua paga, uma
praga por ter
sido vã nas
suas investidas e relações.
SOGRA – Você acha mesmo que eu não tenho
nenhuma saída plausível ao seu lado?
PEDRO – Não. A única saída pra você é aquela
porta. Ela levará você pra bem longe
da minha casa,
e fará que
minhas vistas não a
vejam nunca mais.
SOGRA – Tá bem! Se é o que me resta, deixarei
o caminho livre pra você viver
a sua solidão
mesquinha, egoísta e
aberto para outras mulheres.
PEDRO
- Que mulheres!
Eu lá quero
saber mais de
mulheres! Quero é viver
a minha vida,
com o direito
de estar em
qualquer lugar sem ter que dá satisfação a ninguém, sem se preocupar em
encher a dispensa, pagar conta de luz, água, gás, prestação dessa caixa de
fósforos que nunca
sei quando vou
terminar de quitar,
dividindo o que
ganho em tantas
partes no final
do mês, não sobrando nada nem para beber uma cerveja.
Chega de mulher, de casamento, de
família, quero viver diferente, já que faz mais de 10 anos que minha
vida é uma
merda. Faça você também à mesma coisa e para de falar que me ama. Vai
procurar tua turma nem que seja embaixo
da terra, se matando.
SOGRA – Turma, amor, amizade, não é fácil de
achar quando se tá na merda meu caro. A
onde vou encontrar essa gente, só se for
embaixo das marquises,
nelas estão os
miseráveis que só acham migalhas de amizade nas drogas.
PEDRO
– Meus olhos também
não enxergam os
horizontes pintados de drama que se formaram a minha frente, vai
enxergar turma.Quero é ficar só,
fazer uma reciclagem
do tempo em
que vivi casado
e tentar esquecer o passado,
jogando terra sobre ele.
SOGRA – Veja como
fala uma pessoa
que não consegue
enxergar nem o possível, vai querer ver o impossível, o inverossímil.
PEDRO – O meu possível eu vi, vivi e quero
continuar vivendo.
SOGRA – Nem viu, nem viveu, nem vai viver.
(A
sogra tira da
bolsa um revólver.
Quando Pedro tenta
chegar perto dela, acaba
vendo-o apontado para
si, nesse instante
ele para).
SOGRA - Não vem não! Atiro no seu peito, vazo
seu coração que carrego dentro do meu, e pronto! Ponho um ponto final na linha
do tempo dos seus dias tristes que vais passar e acabo com os meus.
(Abre o tambor e deixa cair às balas, pegando
uma delas antes de cair ao chão, quando a põe de volta no tambor. Fecha-o e
engatilha apontando para o peito dele. Aperta uma vez, a arma falha. Aponta
para a
sua cabeça, a arma falha.Pedro
está muito assustado.Os dois estão
estáticos no meio
do palco, apenas
uma música de suspense engrossa a cena final do
espetáculo. Aponta novamente para ele, a arma falha. Aponta para ela, falha
outra vez. A música vai crescendo, o
clima ficando mais
tenso, é quando a
cortina começa se fechar. Uma sirene de ambulância se escuta ao longe
quando vai num
crescendo se aproximando
do palco junto
com a música. A cortina acaba de
fechar, não dando tempo de a plateia
saber em quem a bala conseguiu entrar e matar depois de a arma disparar. O tiro
nesse momento do espetáculo deve ser ouvido mais alto que a música e a sirene.
THE END
Zé Sarmento
Email: josemarquessarmento@gmail.com
FaceBook: Zé Sarmento
Blog: http://jmsarmento.blogspot.com.br/
terça-feira, 27 de setembro de 2016
AMOR ESBAGAÇADO 4
PEDRO – Não acredito no que vejo, é um fantasma ou é o fator embriaguez congênita?
SOGRA
– (Arrasada) Não! Sou eu
mesma em carne
e osso, mais
o osso, desfigurada, arrasada
pela sombra da
solidão numa noite
de tempestade, com os fantasmas desse mau que faz as pessoas se desencontrarem
e tropeçarem nas pedras do cotidiano, fazendo da alma um
monstro na luta
para resistir a
guerra psicológica. Eu preciso ficar!
PEDRO - ...Ficar!??
SOGRA - ... Sim!
PEDRO- Você tá é louca!
SOGRA - ...Mas eu não tenho pra onde ir...!
PEDRO - ... Vá pro inferno!
SOGRA – Eu tou falando sério, eu não tenho
pra onde ir, fiquei o tempo todo perambulando por aí... No inferno!
PEDRO – Vá pra sua casa...Você não ficou pelo
menos com uma?
SOGRA
– Não! Foi
tudo para o túmulo
do meu marido depois
de passar meses num hospital aonde vai muitos famosos. A última casa que
sobrou o banco tomou.
PEDRO – Será carma, destino, algum erro grave
que eu cometi em nome de algum deus, joguei pedra na cruz de cristo, chutei
muito o ventre da minha mãe? Não acredito que alegria de pobre corintiano dure
tão pouco.
SOGRA – O meu filho mais velho também não
quer me ver nem de costas, a minha filha não quer que eu passe nem perto da sua
casa. Só me resta
você me aceitar.
As duas únicas
pessoas da minha vida, que
são sangue do
meu sangue, me
odeiam, assim como você.
PEDRO – Você fala a verdade. Te odeio, te
quero ver esfacelada embaixo de vagão de trem, com o sangue encharcando a terra
pra alimentar as minhocas.
SOGRA
– Não sou
esse quadro negro
que você pinta.
O meu problema é a bebedeira, igual o seu defeito também.
PEDRO
– Só a
bebedeira? A sacanagem
não conta, a
falta de compostura como mulher,
tudo isso não conta?
SOGRA
– Não venha
me dizer que
você não gosta
de uma sacanagenzinha regada
de erotismo e
sedução, assim como
toda a população da terra. (Sogra
se encaminha até
ele sensualmente e tenta
pôr a mão no seu peito, Pedro resiste a afastando). -
Anda fugindo de carinhos confortantes, é? Sei que você vive e
anda muito só,
exatamente como eu, que
a solidão é uma
grande e amarga companhia. Fugir não adiante nessas horas, meu caro, se o problema tá enraizado e
levamos juntos com a planta dos pés, pisando em chão movediço.
PEDRO
– Não vem
com delonga esmiuçada
de investidas piegas, não. Aqui
não, comigo não! Sexo só com a pessoa certa e com qualidade. Faz tempo que não
dou bola para quantidade.
SOGRA – Na hora do desespero não se pode
escolher.
PEDRO - Isso é coisa pra adolescente.
SOGRA
– A mão
que vai nos
salvar do buraco
sem ar pode
ser qualquer uma, não importa a cor, o formato das feições. Que qualidade!
Não sou um produto exposto numa vitrine da Oscar Freire, onde as pessoas só compram,
mesmo com preço salgado, devido a qualidade e quem assinou. Não sou uma máquina
para ter qualidade
superior a outras,
o ser humano deve ser tratado com
igual respeito. (Sogra começa a se despir, momento em que se apresenta de
lingerie comportada). – (Sensual) E agora? O que você acha do material, da
qualidade das linhas dessa máquina de carne sensível de fabricar prazer? E
olha que o
material aqui já
passou dos 5.0.
PEDRO
– Pelo tempo
de uso, até
que tá inteiro,
deve faltar lubrificação,
ser engraxado as
engrenagem internas, já que o
combustível que a
máquina consome, derrete
até ferro, imagine carne.
SOGRA
– Meu interior
tá muito em forma,
meus pulmões e
fígados polidos, a minha mente, tudo bem, está ressentida e sempre
esteve poluída, magoada, mas meu
desejo de esquentar
o motor é garantido,
é só você
dá partida e
fazê-lo funcionar pra esquentar.
Vem meu bem fazer neném!
PEDRO
– Sai fora.
(Para a plateia)
Não acredito no
que vejo gente. Ficou louca a
coroa, perdeu o juízo, aliás a filha é a mesma coisa, perde o juízo quando se
fala em homem. (para ela) Você é louca achando que tou carente. O meu aqui não
roga esmola, ele pode e tem consciência em que buraco quer entrar pra caçar o seu
alimento. O seu é lugar que ele sabe que não vai preencher o meu vazio, minha
fome.
SOGRA – Só sendo ele vazio. Deve está oco
por dentro, sem poder se levantar. Tinha certo pressentimento que esse fosse o
seu caso, não conseguir levantar mais o moral. (Indo até Pedro com entusiasmo
em convencê-lo) Eu sempre o quis a minha vida toda, te confesso. Louca, sim,
sempre fui. Como sonhei com você se enroscando em mim, subindo sobre meu corpo,
me apertando, sugando meu sangue feito um vampiro. Minha filha não deixou, levou
você pra longe,
afastando do meu
espaço e dos meus sonhos de amor o seu sorriso.
PEDRO – (Para plateia) Gente, vocês acreditam
no que veem? A coroa agora fica
jogando pela sacanagem.
Foi por isso
que essa sacana não quis mais
saber da filha, tudo pela filha ter se casado com o homem que ela queria levar
pra cama, o homem que ela diz que ama.
SOGRA
– Se a
minha filha não
tivesse casado com
você, quem teria casado era eu.
Sofri muito por isso, acredite. Todas transas que tive com o meu finado
português e os casos de ocasião com outros homens, neles estava sua imagem, e o
gosto de verdade só vinha quando pronunciava
seu nome, gritando
bem alto e apanhando.
Qual o cara
que transa com uma mulher
e ela fala o
nome de
outro que não
apanha? Todos eles
batem e eu apanhei muito por isso. O português
aceitava por que me amava e sabia que eu
gostava de apanhar.
Venha você me
bater, por favor,
faça hematomas nas minhas
costas, avermelhe o
meu rosto com um
tapa.
(Pedro vai até a sogra, a pega pelo braço, a
põe de costas no armário).
PEDRO – Quer transar desgraçada, é isso que
você quer?! (Quando ameaça descer o chicote para bater-lhe, intimamente algo
segura seus braços, é
quando desiste, saindo
de perto dela largando o chicote no chão. Senta-se no
sofá).
SOGRA
– O que
houve machão, porque
desistiu, vacilante? O meu
corpo espera beijos e carinhos do chicote, depois o toque das tuas mãos.
Faça esse favor a quem te ama.
PERO – Não posso. (Se levanta, vai até ela e
a solta). Não posso trair a minha
consciência, trair a
minha criação. A perna
que sustenta o peso do meu corpo anda frágil. Ela não suporta mais o
peso da glória do passado. A minha nave perdeu energia e não voa mais pelas
entranhas do espaço
sideral, não consegue
decolar e sair do
chão, falta-lhe combustível
pra fazê-la circular.
A energia que minha nave precisa
nunca poderá sair de você.
SOGRA – Não estou lhe entendendo, seja mais
explicito.
PEDRO – Você entendeu sim e toda torcida
corintiana. (Sogra gargalha o chacoteando).
SOGRA - Então é isso! A revolta, os
palavrões!
PEDRO – Ele não levanta, tá morto, apagado,
frio.
SOGRA – Você tá com sérios problemas mesmo,
problema muito mais cabeludo do que os meus. Pelo menos só não tenho a onde
ficar. Tenho o problema da bebida, falta de grana, mas você anda mais
arruinado que eu.
Quando um homem
chega a esse
ponto e não assume o problema procurando um médico,
pode cavar sua cova, porque só de
desgosto ele vai pra cova. Vai procurar um especialista em brochura pra pinto
mole.
PEDRO – (Agora é Pedro o arrasado) Sua filha
suportou até onde deu comigo, me deu
grande força, mas uma hora cansa, e a carne é fraca. Ela não aguentou e deu pro
médico. Sou um fracassado sim na relação marido mulher, me assumo.
SOGRA – Ainda bem que você reconhece.
PEDRO – Ela nunca me traiu, até eu liberá-la,
mas também quando liberei, ela exagerou e saiu dando pra todo homem do
hospital, até pra doente afeiçoado. Achei que ela fosse menos gananciosa que
você.
sábado, 24 de setembro de 2016
AMOR ESBAGAÇADO 3
PEDRO - (Indo
atrás dela falando) É sim, e a tua filha é você em carne e osso e em todos os
desejos representados do corpo! Ela é você por dentro e por fora, e você sabe
disso. Isso é doença, é problema pra médico resolver e não membros masculinos! Vocês que não querem
assumir a coceira que sentem a todo instante atrás da calcinha, porque, no
fundo, no interior das entranhas, gostam de ter um homem como amante! Fale a
verdade, é ou não é? Pra vocês não tem coisa melhor do que transar até perder o
juízo, perdendo também o respeito para consigo! Te encontra mulher à toa, acha
o teu mundo de paz interior, outros prazeres da vida! O tempo não pode ser
somente preenchido com sexo, sexo e sexo!
SOGRA - (Joga
o copo com ódio, ele não deve quebrar, para tentar arrancar do público alguma
gargalhada) Chega, Chega! O meu ouvido não é fossa pra receber tanta merda, chega!
A minha vida não pode ser retrospectiva pra cafajeste nenhum representar
cavucando mais audiência! O vendaval que o meu corpo pede, é problema meu! Sai
fora da minha reta água suja que tá sempre despencando pros abismos da
incoerência!
PEDRO - O meu
ouvido não foi feito pra receber nada, migalhas de enxovalho. Você pra mim é
nada, sempre foi nada, até quando tinha algum dinheiro. É merda boiando n'água,
levada pra lugar nenhum, se dissolverá nos primeiros pingos de chuva ácida que
receber! Esse lugar é meu e aqui você não fica, sua malvista pelos olhos de
quem a enxerga há anos! Sai do meu mundo, entra pelo túnel do tempo e vai
procurar tua turma, pedir perdão a ela, já que tuas amigas te esqueceram depois
que ficou na merda!
SOGRA – (Esbravejando junto a ele).
Minha turma é
minha filha, única
que me restou,
é certo. Muitos amigos só são amigos na hora da
moleza, é certo. Meus netos são minha turma. Você é que vai ter que se retirar
e procurar um lugar pra encostar esse corpo mole, que tem na terra os vermes
loucos para recebê-lo.
PEDRO – (Se encaminha até o bar, pega uma bebida).
Você é que vai primeiro que eu matar a fome dos vermes.
SOGRA
– (Indo pegar outra
bebida, quando ver
que a vodka acabou, pega outro tipo de bebida e a
despeja no copo). Não pense que esse seu vexame me causa espanto. Vento que se
diz dominante não
mexe o semblante
do pasto a
vida inteira, só quando está soprando. Daqui a pouco,
quando chegar a calmaria, o pasto ficará tranqüilo no seu campo...Na verdade
você não domina nem os próprios passos.
PEDRO
– Não domino
porque me casei
com a pessoa
errada, nascida de família errada e com grandes problemas existenciais.
SOGRA
– Mas quem
não tem grandes
ou pequenos problemas existenciais?
PEDRO – Não igual o povo da tua família. É
coisa de berço, do feto, da etnia, do sangue dos ancestrais, família
desalinhada, criada para vencer na vida e acumular riqueza a custa de qualquer
preço, esquecendo que tá
no interior a
maior virtude para o
progresso de tudo. Foi por isso que eu não saí do zero até hoje, me envolvi com
pessoas erradas.
SOGRA
– Qual o quê! Foram
os olhos, olhos
grandes arregalados pra algum
dinheiro que a gente tinha, mas como não ajudamos, se entregou ao
rebanho e se
perdeu do mesmo,
ficando desgarrado das coisas
que nunca soube
valorizar e conservar.
Você apenas conseguiu aprender
consertar máquinas, esse
foi o seu
erro, esquecendo-se de consertar você mesmo.
PEDRO
– Você sabe
que nunca precisei,
e mesmo se
precisei, nunca fui atrás de uma migalha sua. Achava e ainda acho grandes canalhas os membros da sua
família.
SOGRA – Não atine a memória do meu falecido!
PEDRO – Por acaso o diabo vivo em carne e
osso atiçando fogo das ventas, causador de grades males ao próximo, explorador de criancinhas carentes, pode ter
deixado alguma memória?
SOGRA – Por mais que ele tenha errado você
nunca vai ser páreo para ele.
PEDRO – Nem quero ser! O meu mundo é
diferente. O meu mundo não é carente de nefasta ambição.
SOGRA – Quem não tem ambição nos tempos de
hoje, não terá ombros pra encostar o corpo na velhice.
PEDRO – Quem falou que eu quero ficar velho,
adoecer e cair de cama, dando trabalho para os outros, igual você já começou a dar, se mudando pra cá e se
humilhar despudoradamente. Nunca! Que a vida seja bela enquanto dure! (pega
outra bebida).
SOGRA – Começou cedo hoje, em...
PEDRO – (Para a platéia). Veja quem fala! A
macaca esconde o rabo pra falar mal do rabo alheio. Essa coroa já tomou várias
doses depois que entrou aqui, de repente já chegou doidona, e ainda fica
falando de mim, é mole ou quer mais!
SOGRA – Por sua causa. Fique sabendo que eu
não tomo um gole de álcool desde a morte do meu marido.
PEDRO
– (Para a platéia) Pro governo de vocês, isso
não faz nem cinco dias. É...pra quem bebia uma garrafa por dia, já é um
grande avanço aturar cinco dias de abstinência. (Passa caminhão de gás fazendo barulho com a
famosa música clássica).
SOGRA – (Para si mesma) Que desgraça de lugar
barulhento!
PEDRO – Já falei pra você que tem flat a bom
preço nos jardins, se muda pra lá.
SOGRA – Essa gente pobre não tem uma forma de consumir gás encanado, não? Tem que
ser como os evangélicos, usar de tanto barulho para conseguir freguês?!
PEDRO – Olha quem tá falando de pobreza, não
tem a onde cair morta mais
e ainda fala
da dureza dos
outros, só ficou
com a merreca da
aposentadoria, e ainda
se acha pertencente
à classe privilegiada. (Sogra
pega mais bebida e desce de uma só vez).
PEDRO – Você não acha cedo demais pra encher
a cara e na casa dos outros? Olha
aqui minha dita-cuja
sogra, não fique
você pensando que vou ter que suportar sua bebedeira. Se quiser beber
vai pro botequim aqui da favela, pra uma zona qualquer ou pra casa do cacete,
aqui em casa você não fica.
SOPGRA
– Isso é
a minha filha
quem decide, aliás,
eu até já conversei com ela, as coisas já estão
acertadas.
PEDRO
– Como assim?
Ela não é
louca de ter
tomado essa decisão sozinha, sem
consultar o seu marido...Que sou eu, né!
SOGRA – O que você acha que é aqui dentro,
em? Será que ainda não descobriu que
depois que perdeu
o emprego e
passou a ser sustentado pela
minha filha, beber
exageradamente todo dia,
não passa de um zero a esquerda nesta casa? Só você não quer
enxergar, porque acha
que todos os
cegos têm boa
vida. Você ainda não descobriu
isso não, seu burro?!
PEDRO – Quando ela chegar, ela vai se ver
comigo, sua jumenta!
SOGRA – Você acha então que ela vai chagar,
é?
PERDR – Como assim, não tou entendendo! Não
volta?
SOGRA – É isso
mesmo que você
ouviu cara de
gambá, e não se
faça de
surdo, ela não
volta mais, nem
ela nem as
crianças, ou você acha que ela ia
lhe sustentar pro resto da vida?
PEDRO
– Você tá
pirada! Não acredito
em nenhuma palavra
que sai dessa boca por
onde já passou
algumas doses. Isso
é imaginação criada pela atuação
da vodka e conhaque.
SOGRA – você que pensa, ela ganha muito bem,
e mais as horas extras no hospital, dá muito bem pra ela sobreviver e as
crianças. Sua folga já era, a mordomia criou asas e voou, e esse apartamento
você vai te que deixar, não quero ver o nome da minha filha sujo.
PEDRO – Eu é que não ia aguentar mãe e filha
ao mesmo tempo infernizando minha vida,
soprando falas podres
no meu ouvido
o tempo todo no mesmo espaço. Não, quem saiu de suas vidas fui eu. Agora
ela vai ver o que é sustentar uma casa sozinha e ainda ter que conviver com uma mãe frustrada e alcoólatra,
que quando jovem não a deixava viver e se odiavam. Ela vai ver se vai sobrar
dinheiro pra butiques, shoppings, cosméticos, supérfluos importados que ela ama
consumir. Ela vai ver aonde a porca torce o rabo, com quantos paus se faz uma
cangalha.
SOGRA – (Indo até o banheiro). Ela se
preparou muito tempo e vale apena passar por tudo, pra se livrar de um inútil
como você.
PEDRO – Jararaca! Ou jararaca mesquinha e
truculenta, se a tua filha não vai
mais voltar, porque
a jararaca veio
de mala e cuia?
Que história é
essa de mudar
pra minha casa,
antes de ir pra onde
estar a tua
filha? Responde, o
que você tá
aprontando dessa vez?
SOGRA – (Respondendo de dentro do banheiro).
Não é nada que não se possa dar um
jeito, nem muito grave. Simplesmente a minha filha, que era a sua mulher, não
quer que eu passe nem perto da rua a
onde ela mora, aliás, nem sei o endereço.
PEDRO – (Saindo de onde estava encostado à
porta do banheiro. Fala para a platéia).
Não acredito gente, tudo farinha do mesmo
saco como se fala para desqualificar
os políticos, coxo
do mesmo chiqueiro
onde comem os porcos mastigadores da mesma lavagem,
traidores covardes. Que rasteira bem aplicada na coroa. Não credito! Não
acredito! (Sogra dá descarga e sai, Pedro vai de encontro a ela). Vocês duas
se merecem, nasceram
uma pra outra.
Pode ir pra casa da sua filhinha, aqui
você não fica,
nem mais um minuto
da sua vida perdida e ESBAGAÇADA. Saia já do meu ninho, o espaço
que tem
nele não cabe
pássaro errante, onde
o único voo, foi realizar um rasante pra descompostura.
SOGRA
– (Preocupada) Você
quer me expulsar?
Eu não tenho pra onde ir. As
portas se fecharam e abriram fendas lascadas de grandes no meu peito. Eu não
vou conseguir viver sozinha, depois de tudo perdido. As pessoas se afastaram de
mim, depois que perdi tudo. Estou só no meio da lama, com uma espada no peito
pronta pra vazar um
coração, e se lá ela
chegar, será o
fim pra uma mulher que teve de tudo, sobrando hoje,
apenas a solidão. Não faça uma desgraça dessa comigo peço por favor.
PEDRO – (Aparecendo com a mala dela na mão,
jogando-a a seus pés). Estão aí os seus restos, sobra do cativeiro de quem lutou
tanto pra ter o máximo de dinheiro através da exploração de menores. Obra do
demônio! Se essa mala é a sua vida, se foi o que restou dos seus lindos e
luxuosos dias, leve-a consigo e me deixe só no meu canto com os meus diabinhos.
Aqui eu me encontro, me acho por dentro, consigo viver me alimentando de luz e
sonho, talvez um dia...
SOGRA
– Estou perdida,
achatada sobre uma
chapa de ferro quente,
sou um hambúrguer
devorado por dentes
firmes com apetite.
PEDRO
– Assim você
quis que fosse.
Cada um é
único dono do seu destino, as oportunidades não batem a
porta por muitas vezes.
SOGRA – (Indo até o bar pega outra dose e
bebe de uma só vez). O meu corpo
e mente não
sustêm o tranco.
Pobre, com tudo perdido, na dureza.
Quem já teve
tanto é mais
difícil suportar. A onde eu vou parar? Qual lugar que me dará
luz aos meus dias tão escuros? Será que há esse lugar?
PEDRO – É só sair por aí, por esse mundão de
todos e procurar. Tropece mais um pouco
nos dias, nas horas que completam eles, quem sabe, assim o seu orgulho seja
arrastado pela enxurrada de março e leve
sua máscara de avarenta embora, e fira seu egoísmo com as pedras pontudas do
caminho.
SOGRA
– E a
idade? Não dá mais pra
começar depois dos 50
anos. Tudo bem, concordo, aos cinquenta ainda dá pra começar, mas isso vale pra
quem tá acostumado ao trabalho, e que a vida toda foi de luta... Para mim é
difícil...Eu tive de tudo que uma mulher sonhou, inclusive homens.
PEDRO – Talvez
por isso você
tenha que pastar
um pouco, ou muito, para pagar os seus erros e
aprender a dar valor às coisas simples. Dizem os místicos, os religiosos, que
da terra não se leva nada, só a alma, então comece a ensaboar ela com bastante
alvejante, sofrendo bastante, pra pagar
os teus pecados.
SOGRA – Será que é pecado viver com
intensidade?
PEDRO – Talvez não, mas da forma que você
viveu, pelo menos até quando tinha dinheiro, pelo que eu aprendi nos discursos
católicos quando criança, tudo que você fez são pecados radicais. Deus não
gostou mesmo. O diabo é que deve tá gostado bastante vendo mais um se
preparando para ir morar no seu reino.
SOGRA
– Que vá
tudo pro inferno!
(Sai arrastando a
mala, visivelmente de fogo.Pedro vai até a porta e fecha).
PEDRO – (Pega mais uma bebida, ergue o copo
para cima). Deuses do Olimpo, dêem-me força pra alcançar as escadas com degraus
desgastados da solidão.
Eu me aguento muito
bem. Grande ocasião minha!
Nunca me senti
tão leve, retirando dois fardos
pesados das costas!
(Vai
até um som
na estante, põe
para tocar uma
música carnavalesca. Se enfeita
de colares coloridos,
solta confetes e serpentinas
pelo palco, desce à platéia
e joga sobre
ela também. Muito alegre. Uma
leve passagem de tempo com o palco ficando no escuro, quando à luz volta, Pedro
se encontra no mesmo palco com outra roupa. Sentado no sofá, bem a vontade com
um copo na mão, dá a última golada e
vai pegar outro
drink, senta-se de
novo. A campainha toca, se
levanta para atender, quando abre a porta se depara com a sogra com a mesma
mala na mão.Ele não acredita no que vê).
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
AMOR ESBAGAÇADO 2
PEDRO – Pra
se melhorar de vida tem que ser com naturalidade e não da forma que você acha,
que seu marido achava, explorando os coitados dos meninos abandonados, crianças
pobres que precisavam trabalhar pra ajudar no orçamento doméstico, por isso que
o português morreu fodido e mau pago!
SOGRA – Não
fale assim da memória do meu falecido marido! Ele foi um homem bom!
PEDRO – Pode
ter sido bom pra você! As viagens todo mês pra lhe sustentar dentro de casa, ao
lado dele, as butiques... E vai ver se não aconteceu coisa muito mais carregada
de escuridão e traição.
SOGRA – Eu
sempre fui fiel ao meu falecido homem, mesmo nos últimos anos de vida, com todo
mal que ele tinha, prostrado sobre uma cama de hospital.
PEDRO – Eu é
que não ponho minha mão no fogo, o quê? Pela filha que você tem! Será que a cabeça
dele entrou pelo caixão...Quer dizer, os chifres, ou ficaram de fora rindo da
sua safadeza!
SOGRA – Você
não tem direito de falar assim do meu falecido marido! A minha filha deve estar
lhe traindo por sua causa. Vai ver que não dá mais no couro, não ergue mais o
moral.
PEDRO – Você
que pensa que eu não tenho mais virilidade! Esse aqui coroa, (pega no pênis)
sabe muito bem onde quer entrar! Talvez tenha sido o amor que acabou, o tesão
saiu pelas frestas do tempo, entende. Sabe o porquê disso? O cotidiano do
casamento, o mesmo feijão com arroz há anos. Isso causa enjoo.
SOGRA – Se
você cansou, imagine ela, coitada, trabalhando feita uma escrava. A mulher
também sonha com erotismo rebelde e radical.
PEDRO – Na
certa ela começou a sonhar depois que começou trabalhar fora de casa. Muitas
horas extras! Reclama de dores nas pernas. Percebi quem cansou de mim foi ela. Nosso casamento
está indo pelo ralo, tá descendo pela ribanceira e nenhum dos dois sabe onde
vai encalhar nossa relação. Se não fosse às crianças eu sabia o que fazer.
SOGRA –
(Sentando-se num banquinho na frente do palco, fala para o público) Gente, eu
falei pra minha filha. Esse homem não serve pra você. Um homem que não estudou
direito, é um homem que não tem futuro promissor, que vive acompanhado de
vagabundos desempregados coçando o saco em frente aos portões da vizinhança e
que nunca mexeu uma palha, que vive com o rabo sentado nos bancos dos botequins,
esse homem não tem futuro, filha. Ela não quis me escutar, deu no que deu,
casou-se com uma pessoa contaminada pela fantasia. Não, mãe, ele vai mudar, já
é formado, é um técnico e tá com emprego
garantido. De fato, ele se empregou, mas minha filha e ele sonharam
muito alto e até hoje, depois de 10 anos de casamento, não conseguiram mudar de
vida, conseguiram piorar, porque os filhos são empecilho pra separação, e mesmo
a minha filha envelheceu nesses 10 anos, mais de 20, como é que ela vai
conseguir arranjar outro homem que seja bom partido, que lhe dê pelo menos
condições de moradia fora da favela, que não precise trabalhar fora, se acabando naquele hospital?
Minha filha acabou com a sua vida casando-se com o home errado.
PEDRO – (Já
sentado num banquinho na frente do palco, também fala para o público) Eu nasci
pobre, minha família era toda pobre, mas tive o mínimo necessário pra crescer
sadio. Tive até oportunidade de estudar, o que é raro numa pessoa pobre, ter
condições psicológicas e incentivos pra fazer um curso depois que termina o
ensino médio. As ruas e as motos nos chamam pra começar a ganhar algum dinheiro
pra poder ter coragem de chegar nas
minas e oferecer vinho barato, uma noitada de funk. Foi isso que eu fiz e já
fiz muito, devido às condições péssimas com as quais eu me deparei. Eu me
lembro que eu sonhei muito e até demais com a minha mulher. Quando a gente começou
a namorar e levar a sério, fizemos muitos planos, mesmo com o pai dela e essa
jararaca aí contra. Os dois foram nossos inimigos centrais para o desperdício
dos nossos planos. Não deu, vieram os filhos, a recessão do país, os baixos
salários para trabalhador, a crise na indústria e uma série de fatores que
fizeram os sonhos serem adiados. Eu não tenho culpa de viver num país, onde o
trabalhador não tem condições de ter o mínimo necessário pra viver mais ou
menos bem. A gente que nasce pobre, não tem jeito de ficar rico, só se ganhar
em alguma loteria. Eu também não tenho culpa se a filha dela não conseguiu ter
a vida que tinha antes, bem entendido, tinha antes, por isso da revolta da
coroa. Ela é assim porque queria que a filha, ou eu, desse pra ela, tudo que
ela perdeu. Perdeu tudo a coroa, gastou tudo com hospitais, parece até castigo.
O português era tão mão de vaca, um sovina de merda, que o destino resolveu
destruí-lo. É por isso a revolta dela.
SOGRA – O
fracassado aqui não sou eu. Não fui eu quem deixou os dias correrem
escorregando dos dedos das mãos, tropeçando nas tábuas cheias de cupim, pronto
pra morrer como nasceu: pobre sem ter um lugar sequer pra repousar o corpo sem
vida, quando a morte o levar. Minha filha foi gerada pra ser gente na vida, fina,
só que ela chutou cachorro morto deixando uma vaga lacuna torta atrapalhar sua
vida.
PEDRO – Não
queira que todo mundo tenha sua ambição, coroa! Nem toda gente sonha igual
função. Os desejos, aptidões são diferentes, as ambições ambíguas. Não é porque
você quer morrer afortunada, que a tua filha também deve e quem tá do lado.
Mesquinharia coletada das entranhas do ceticismo burguês, você foi freguesa da
avareza. Sai dessa, vai procurar homem, se já não meteu galhos no defunto apodrecendo
ainda sob a cova.
SOGRA – (Levanta,
anda de encontro a Pedro que também se levanta, ficam cara a cara) Ainda não,
mas também não é porque fiquei viúva e ter 50 anos, que tenho de usar cinto de
castidade entre as pernas e ficar a vida que me resta, sem sentir gosto de homem.
PEDRO – Tua
filha é o que é, porque tem a quem puxar. Se ela não fosse tua filha, duvido
que tivesse o tesão que tem. Tua filha, se você não sabe, é uma NINFOMANÍACA de
grau elevado e não sou quem vai ter que aguentá-la na cama pro resto da vida!
Amor de verdade não nasce da grama quando o prato principal é a sacanagem! Eu
não vou mais sustentar sua filha de cama, se ela quiser satisfazer a coceira do
rabo, que vá procurar outro! Eu não aguento mais, chega!
SOGRA – Pelo
que vejo, você virou um machão acabado, desmontado.
PEDRO –
Desmontado pela louca por pica da tua filha... E tem uma coisa, as crianças vão
comigo. Eu não vou deixar meus filhos nas mãos de uma sem-vergonha como ela!
SOGRA – Você
sabia que os filhos ficam geralmente com as mães?
PEDRO –
Quando a mãe é mãe e não uma doente! Qualquer juiz, se eu de fato, falar o que
ocorre, vai me dar à guarda deles.
SOGRA – Um
desempregado, um quase alcoólatra e sem nenhum desejo de progresso, um
fracassado sem ter onde cair morto, vivendo só de sonhos ilusórios pra botar fogo
nas pegadas que não deixam rastros de realização do dia a dia. Apenas isso não vai levar você a ganhar a guarda nem de
uma cadela, quanto mais de duas crianças.
PEDRO - Os
meus sonhos não podem ser motivos de chacota! Eles existem, de fato, e é por
eles existirem, que a minha vontade de viver ainda tá de pé sassaricando
querendo sair do chão e voar. Sai jacaré, sai da minha reta, busca o teu pântano
perdido há anos na exploração do finado português!
Sogra - Eu
explorava sim, mas era gente minha, gente que me dava tudo, porque me amava de
verdade!
PEDRO - Amor,
amor! Dava de tudo pra não ficar sobre a cama sofrendo as dores do mal que o
matou. Não sei como ele te suportou por tanto tempo!
SOGRA - Era o
verdadeiro amor!
PEDRO - Só se
era por parte dele! Ou era medo de ficar só e de ter que dividir os bens. Por
isso que ele te aguentou!
SOGRA -
(Abrindo os braços dramaticamente) Você sabe perfeitamente que ele me aguentou
porque ele teve sempre o que queria, o que ele mais gostava, esse corpo junto
ao dele. Os meus seios ele apalpava, os meus lábios ele mordia, as minhas
pernas ele roçava e logo em seguia me usava e abusava, e eu deixava. Eu o
suportava porque o meu sangue em seu corpo fervia, e via a felicidade que esse
calor lhe fazia. Meu marido era bom de cama, era bom de grana. Não era uma
merda igual você, o meu genro, que nem
pra transar mais serve. O meu marido, o
meu português, pro seu governo, de cama, ainda conseguia me amar muito bem!
PEDRO - Só se
fosse com a língua enorme que ele tinha, que cresceu de tanto falar mal da vida
alheia!
(Os dois
escutam troca de tiros por perto, se escuta uma voz dizer muitos palavrões).
VOZ OFF - Vão
assaltar a mãe, seus filhos da puta! Vagabundos, flagelados desgraçados! Eu sou
muito homem pra não deixar levar meus cacarecos! (Se escuta mais alguns tiros).
(Sogra se
joga para trás do sofá) Que lugar mais perigoso esse que você mora, isso são
fogos ou são tiros de arma de fogo?
PEDRO - São
traquinhos de São João, você não ver que é época de fogueira! As crianças tão
brincando correndo pela favela lá de baixo... Você ainda não viu nada. Hoje tá
até muito calmo. Tem dia que as balas das metrancas entram nas paredes de fora,
isso aqui vira um verdadeiro Vietnam, um morro do Borel, Santa Marta, uma
Bagdá, Siria, é um inferno! Viver perigosamente faz bem a adrenalina e aos
nervos. (Ela continua tremendo).
SOGRA - Você
tem certeza que eles não voltam?
PEDRO - Por enquanto
não. Eles nunca trocam tiro duas vezes no intervalo de uma hora. Se afastam pra
ir pegar mais munição com a polícia que só aparece quando uma dezena de corpos
estão estrebuchando, ou já mortos.
SOGRA - (Fica
mais aflita ainda, só de saber que vai ter que conviver com aquilo, vai até o
bar, pega uma vodka) Não sei não, viu, eu acho que eu não vou conseguir viver
nesse estado de coisa por muito tempo.
PEDRO - Aí no
jornal tem umas propagandas de flats pra alugar nos jardins com preços bem em
conta. Porque você não se muda pra lá, antes de morrer aqui do coração ou de
uma bala perdida?
SOGRA - Não
gostei nem um pouquinho da piada, muito sem graça e numa hora inoportuna.(Dá
uma golada na vodka)
PEDRO -
Inoportuno foi à hora que você entrou por aquela porta com mala na mão, pra
ficar aqui até não sei quando, isto, sim, é inoportuno.
(Camelôs
passam com o som a todo volume vendendo pamonha de piracicaba, ovos, frutas,
funk com palavrões a sogra fecha os
ouvidos com as duas mãos para não escutar).
SOGRA - Esse
lugar é um inferno, como você consegue morar aqui, num lugar tão violenta e
barulhento?
PEDRO - Pobre tem que dá graças a Deus ter onde pôr o
corpo pra descansar depois de um dia duro de trabalho. Pobre não escolhe onde
morar, mora onde pode pagar.
SOGRA - Meu
Deus, eu não sabia que a minha filha e os meus netos moravam num lugar tão
horrível que toca essas músicas de nível intelectual tão baixo!
PEDRO - É mole,
gente, ter que ouvir isso. Há mais de 10 anos que a gente mora aqui e essa
coroa não tinha pisado o pé nem no início da rua, só porque tava no mole com o
falecido e dizia que eu era favelado. Veja como é a vida, depois que se perde
tudo e fica na pindaíba, fica difícil ter que aguentar outra vida dura como a
do povo daqui e, essa peste aí vai ter que suportar, essa coisa, a pior sogra
do mundo!
SOGRA -
Gente, esse meu furioso genro quer pôr vocês contra mim, mas vocês não conhecem
esse tarado, tarado sim! Já deu em cima de mim diversas vezes, por isso que ele
é revoltado, por não ter conseguido nada. Meu filho, o meu corpo ainda delineado
trabalhado em academia, não é depósito pra guardar amor de vagabundo. Se eu
traí o meu marido, foi com homem de bem e próspero e não com qualquer desfigurado.
PEDRO -
Mentira da grossa, gente! Foi essa mal resolvida que me sufocou várias vezes,
me agarrando de supetão nos cômodos da casa grande que ela morava, quando tinha
dinheiro, dinheiro que se foi com a morte estúpida e lenta do português canalha
e explorador. Naquelas festas... Lembra? Você ficava de fogo, e quando me via
só, trancava a porta e corria pra cima me atacando com os lábios fervendo,
tremendo a voz doida pra me dar
compulsivamente. Foi assim, gente, na sua juventude! Essa mulher não deu só em
cima de mim, mas em cima de muitos dos meus amigos! O teu português não morreu
de morte, morreu de desgosto, o pior câncer pro corpo!
(Sogra parte
para ele e tenta dar-lhe um tapa na cara, ele a segura pela mão, em seguida
solta).
SOGRA - Seu
filho da puta, você não pode me entregar pro povo, degradar o meu nome, me
fazer uma cadela jogada no caos sujo da tua cabeça! Eu não sou o lixo das suas
sacanagens! (Vai até o bar e pega mais uma vodka).
terça-feira, 20 de setembro de 2016
AMOR ESBAGAÇADO 1
AMOR ESBAGAÇADO
Texto para teatro
Autor: Zé Sarmento- Texto dos anos 80, inédito em tudo.
CENARIO:
Sala de estar de pequeno apartamento nas
bordas de São Paulo.
Pedro, homem de uns 40 anos, corta anúncios
de emprego nos classificados. Sentado no sofá com o jornal sobre uma mesa de centro, fala.
PEDRO- Todo dia essa mesma merda! Enche os
culhões ter que procurar novo emprego! (pausa) Esse não serve... Esse também
não... Esse não... Esse sim...! Esse serve. Porra, até que enfim achei um que é
minha cara!!!!
(Pega um copo sobre a mesa de centro e bebe
uma golada de café. A campainha toca, olha no relógio dando a entender que não
espera ninguém).
PEDRO - (Se levantando) Quem será a essa
hora? Não tou esperando ninguém...
(Olha pelo olho mágico, em seguida abre a
porta. Entra mulher de uns 50 anos com uma enorme mala na mão, é a sogra do
Pedro).
SOGRA - Bom dia genro!
PEDRO - Bom dia sogra!
SOGRA - (Olhando em volta, se encaminha até
uma porta que dá acesso ao corredor). Cadê os meninos?
PEDRO - Na escola, né! Você não queria que
eles tivessem aqui às nove da manhã, correndo pelos cômodos da casa me enchendo
o saco!
SOGRA - Filhos foram feitos pra ser
suportados...Fabricou, aguentou! Na hora do vamo vê, do bem bom, ninguém tá nem
aí pra preocupações, depois que nasce, quer fugir da responsabilidade. Nada
disso, é nessa hora que se mostra o espírito do verdadeiro pai, trabalhando
para educá-los e criá-los com responsabilidade! (Pega a mala e sai de cena pela
porta que dá acesso ao corredor).
PEDRO - (Falando para o público) Com essa
coroa dentro de casa, não vai dá certo!
SOGRA – (Voltando para a sala) Veja a minha
filha, tá no emprego desde que começou nele...E foi o primeiro! (Sai de cena
novamente e entra numa porta que dá acesso ao banheiro).
PEDRO – (Mais uma vez envolvendo a plateia)
Eu aguento a filha me humilhando todo
dia e ainda vou ter que aguentar essa coroa, não vai dar certo! (Escuta-se
barulho de descarga do vaso sanitário).
SOGRA – (Saindo do banheiro) O chefe a
considera a melhor enfermeira do hospital...
PEDRO – (Chacoteando a mulher) Só se for melhor
de bunda!
SOGRA – Você nasceu, cresceu, virou homem e
permanece com a mesma atitude cínica e machista. Ela é a melhor mesmo em tudo.
Não é à toa que ela faz hora extra todo dia pra melhorar o salário e trazer
sustento pra essa casa.
PEDRO – Enquanto isso os meus galhos vão
crescendo e puxando minha cabeça pra frente, já tá me dando até dores lombares.
E falando em salário, ele tem que ser bom no tempo normal de trabalho e não se
escravizando 16 horas por dia dentro de um hospital, onde a única visão são corredores
lotados de gente com ossos esmigalhados, corpos moídos e lágrimas escorrendo
dos que ainda tão vivo em visita!
SOGRA – (Olhando para o que ele estava
fazendo) Tava procurando mais um emprego, é...?
PEDRO – (Acabando de tomar o último gole de
café, entra pela porta da cozinha) É! Tava procurando um que pague bem, pelo
menos melhor do que o último que eu trabalhei, onde me pagavam uma miséria!
SOGRA – Se você continuar procurando salário de
engenheiro como técnico, minha filha continuará lhe sustentado pro resto da
vida! (Entra na cozinha, os dois se chocam na porta. Pedro volta sem a caneca).
PEDRO – (Mais uma vez envolvendo a plateia) Tou
falando, com essa coroa aqui dentro não
vai certo. Vocês não conhecem essa jararaca, gente!
SOGRA – (Voltando da cozinha) Salário bom é
pra quem é formado, bem entendido, formado fora do Brasil com inglês e MBA. É
só mostrar o diploma, tá com salário alto garantido! Você não é formado, é?
PEDRO – Você sabe que não. Você sabe que sou
um simples técnico em manutenção de trens do metrô e o desemprego me pegou pela
greve que emplacamos.
SOGRA – Você sabe que nesse país greve nunca
levou trabalhador a melhorar salário, é tudo ilusão da correção monetária,
gatilho que dispara reposição da inflação.
PEDRO – Em compensação, o metrô tá com vários
carros parados, sucateados por falta de mão de obra qualificada pra reparar o
equipamento e má administração desse governo inapto e arrogante. Elas por elas!
Que você acha dos tempos de hoje, em? Acha que todo mundo quer ser operário,
em? Todo mundo hoje, mesmo sem saber ler ou escrever, quer ser ator de novela,
trabalhar com propaganda, ser artista de cinema televisão, lotar teatro com
piadas sem graça! Ninguém quer ser mais operário de porra nenhuma, todo mundo
quer grana fácil!
SOGRA – Quem manda ser de um país onde a
maioria das pessoas não tem dinheiro nem pra tomar um cafezinho, quanto mais
sair de casa pra fazer um passeio cultural. O que resta, é ficar em casa vendo
as novelas ou outro tipo de programa que enche a cabeça do pobre de sonhos e
riqueza e poder! Os realitys shows estão aí escancarados pra provar. (Acaba de
falar entrando novamente ao banheiro).
PEDRO – (Para a plateia) Pelo menos num ponto
ela concorda comigo.
(Se escuta novamente a descarga).
PEDRO – (Para a plateia) Parece que essa coroa
amanheceu com a bexiga hiperativa!
SOGRA – (Saindo do banheiro) Você não vai
pegar os meninos, eles não saem mais ou menos essa hora?
PEDRO – Sim senhora, eles saem às 12 horas,
mas já são bem grandinhos para saberem chegar em casa sozinhos. Filhos não
podem ser criados agarrados às pernas dos pais, como fossem carrapatos, é
melhor aprender desde pequeno que a vida é cheia de descaminhos.
SOGRA – Você é louco, com essa onde de
sequestro que tem havido por aí.
PEDRO – Fique fria, seus netinhos desse mal
não morrerão. Só passam por esse prazer de aparecer na televisão, os filhos das
famílias que têm dinheiro. Nós não temos onde cair mortos... E sequestrador não fica na tocaia em frente a escola pública. Eles vão pra frente
do objetivo ou outras escolas famosas que existem por aí. Só pegam filhos de
bacana, da elite que explora os trabalhadores dessa terra...E de todo mundo!
SOGRA – Dá dó ver os bichinhos magrinhos,
rasgadinhos, com a cara toda sujinha, aparecendo chorando aos prantos, com a
família abraçando e a câmera da globo em cima mostrando para o Brasil todo.
PEDRO – É uma forma de também saírem do
anonimato.
SOGRA – Eu só gosto de ver no outro dia,
quando a criança aparece limpinha, bem penteada, sorrindo da janela no colo da
mãe ou do pai e a parentada inteira atrás para sair no enquadramento como
papagaios de pirata.
PEDRO – Eu gosto mais do drama que o repórter
faz, principalmente quando é filho de gente famosa, eles começam: o seqüestro.
Depois: o cativeiro. Adiante: a perseguição. O reencontro... Me deixa
arrepiado!
SOGRA – É o cachê mais caro pra fama, sequestro... Mas eles podem ser assaltados!
PEDRO – Eles quem...?
SOGRA – Os meninos!
PEDRO – Fique calma, eles só andam com a
roupa do corpo...
SOGRA - ... Mas... e o tênis?
PEDRO - ...ih! Mas sujos e velhos que o nosso
transporte coletivo, os aparelhos dos hospitais públicos, a cabeça dos nossos
políticos, da nossa gente burguesa!
SOGRA – Você acha que o mal só acontece na
casa dos outros?
PEDRO – (Indo
até a gaveta do armário) Eu há anos vivo preparado pro que der e
vier.(Gesticulando com a arma em punho, na direção dela. Ela tenta sempre sair
da direção da arma) Afinal, a gente mora em São Paulo, nos arredores
periféricos da cidade, esse hemisfério lépido, trépido, cidade dos heróis
anônimos e bandidos conhecidos dos vizinhos que vivem de zíper nos beiços por
medo de represália. Povo mudo, surdo e cego, por puro terror e insegurança!
(Dispara para cima).
SOGRA – Você
ficou louco! Entenda que o povo não entrega os bandidos, porque são protegidos
por eles, a polícia quando existe, é para
proteger as classes favorecidas, esquecendo-se da ferida que deve ser sarada no
intestino dos pobres.
PEDRO – (Para a plateia) Mais uma vez essa coroa
concorda comigo, isso não vai dar certo! ( Se encaminha até o armário para
guardar a arma).
SOGRA – Você
tá pensando que eu também não entendo de pobre! Não é porque eu fui bem de vida
até anos atrás, que não entendo de pobreza. Eu não sou uma alienada dos salões
de cabeleireiros e manicures caros como você pensa. Só fiquei viúva, não morri!
Este corpo ainda armazena lenha e tá sequinha, pronta pra ser queimada, receber
novas emoções, se umedecer e derreter todo!
(A campainha
toca, Pedro vai até a porta, olha pelo olho mágico e abre, recebe uma
correspondência, assina, devolve a caneta e um papel, agradece e fecha a porta.
Lê a correspondência e aos poucos vai pulando de alegria).
SOGRA – Que
foi, enlouqueceu de vez, viu periquito verde?
PEDRO – (Beijando
a correspondência) Eu sabia, eu sabia, eu sabia que eles não sobreviveriam sem
os meus conhecimentos técnicos! Eu sou um trabalhador que sabe das suas
tarefas, que sabe e conhece o equipamento. Eles não são loucos de pôr os vagões
do metrô pra rodar sem manutenção diária
ou sendo feitas por burocratas. Eles não são loucos! Fomos readmitidos,
vamos voltar a trabalhar!
SOGRA – É bom
você correr se não eles vão mudar de ideia!
PEDRO – (Anda
pela sala pensando, pensando...)
SOGRA –
(Observando-o, depois fala para a plateia) Não tou falando que o animal tá
ficando louco, pirou de vez, é?!
PEDRO –
Pensando bem... Pensando bem... Sabe que hoje eu vivo muito melhor do que
quando eu era empregado, aquela merreca nunca me deixou viver, sabe que hoje eu
vivo muito mais?
SOGRA – Claro,
sendo sustentado pela mulher!...Não tou lhe entendendo!
PEDRO – Não
quero mais esse emprego. Não vou, não quero! Eles vão ter que me dar valor. Vão
pra puta que pariu! Eles vão ter que pagar muito mais, se me quiserem de
volta. Eles vão ter que me pagar salário de engenheiro! Afinal sou eu quem ponho
a mão na massa e já que ninguém quer ser mais operário, todo mundo quer cargo
de chefia, eu só vou pelo dobro do salário. Que se foda!
SOGRA – Você
ficou louco, não pensa em sua mulher, o quanto ela segura a barra e despesas
dessas casa? Minha filha anda trabalhando muito!
PEDRO – Os
tempos mudaram, a mulher ganhou há muito a liberdade que desejava depois de
tanta luta, então porque também não responsabilidades fundamentais? Sustentando a casa, fazendo
supermercado, comprando material escolar para os filhos. Até hoje, o dinheiro
da sua filha, só deu...Olha, e isso com hora extra e tudo... Só deu para os
salões de cabeleireiros, butiques. Parece até rica. Pro seu governo, nem tênis
pros filhos ela tem coragem de comprar. O dinheiro dela é capim seco num verão
de rachar a terra, é torrado em segundos!
SOGRA – Você
não pode falar assim da minha filha!
PEDRO – Não
pinte sua filha como sendo a Irmã Dulce! Uma,
você vive afastado dela há muito tempo. Quando você tinha o seu marido,
não sabia nem o endereço daqui, aliás, tinha até medo de saber, falava que sua
filha tinha se casado com um fracassado, um coitado de um operário, que não
morava, se escondia. Mas aqui foi onde nasci, aqui cresci, e aqui estão meus
amigos, alguns enterrados por ladroagem, é certo, mas no fundo, este é meu
lugar! E lugar é lugar, é espaço construído com amizades. Com
história, lembranças, identidade!
SOGRA – Não
custa nada fazer um pouco de esforço pra tentar melhorar de vida, ter coisas
materiais não é pecado!
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