domingo, 23 de maio de 2021


 AQUI TEM HISTÓRIA - PRIMEIROS MESES EM SÃO PAULO

Tempão que São Paulo não me chama de baiano. Ao aportar aqui e cair na vida da construção da estação Sé do metrô para trabalhar como auxiliar de almoxarife, no meio do ano de 1977, (antes de conseguir ser profissional do audiovisual, e depois de ser ajudante numa metalúrgica em Santo André) era tratado assim pelos “paulistas” meia boca filhos ou netos de nordestinos, e os nordestinos de mesmo teor de fervura na discriminação que, como eu, tentavam a vida na grande metrópole. Talvez pela minha figura típica dos conterrâneos, baixo, meio troncudo, narigudo, cabeça sem débito para com a raça inteiramente branca descendentes natos de imigrantes europeus. Se fosse, talvez não me tratassem desse modo. Dizia. Sou baiano paraibano. E tu? Sou baiano sergipano, alagoano, piauiense...Tempo que se podia ser racista estrutural. Em tudo. Menos andar sem a carteira profissional pelas ruas do centro ou periferia. A ditadura te dava umas cacetadas nas costas, chute nas pernas, tapa na cara de mão aberta, murro na boca do estômago, e se fosse subversivo de querer explodir bancos pra assaltar, sequestrar embaixador, te levavam pro pau de arara, ou direto pras covas clandestinas no bairro de Perus. Na minha boca andava uma língua presa sem poder falar, gritar, cantar ou poetizar a palavra liberdade, por também ter uma timidez quase incurável. Pelo meu tamanho aos 20 anos me chamavam de menino. Inda bem que a vida como profissional do audiovisual me curou. Pra sobreviver o que a gente não faz, hein! Tudo dentro da lei e da ordem. O problema hj em dia é chegar a idade em que estou, 66, e perceber o quanto é ruim os esquemas do: CANCELAMENTO. Escritor que não ganhou fama, prêmio ou dinheiro, na minha idade, não tem valor CULTURAL, inda mais vivendo fora do seu habitat natural. São Paulo valoriza quem está no máximo da sua produção, quem não, é cuspido no lixo que não serve nem pra reciclagem.

De qualquer maneira, obrigado e feliz 470 primaveras, por ter me acolhido e não me engolido por inteiro, minha cabeça ficou de fora da tua grande boca e conseguiu enxergar as tuas beiradas com os nordestinos tentando das tuas ruas retirar o sustento.