segunda-feira, 26 de março de 2012

A UM FUTURO Nº 10- um pai vendo o filho participando de uma peneira de futebol.


PARA UM FUTURO NÚMERO 10

Olhar intrigado e crítico de um pai vendo o filho participando de uma peneira de futebol.

Do meu canto, com mãos pesadas segurando o alambrado, fico torcendo que a bola tome chá de asa de beija-flor e vá direto ao lado oposto do goleiro.

Fico torcendo, mas infelizmente vejo que não acontece o que peço intimamente. Os chutes em quase todos os lances saem mascados, mesmo tendo o dono das pernas, o tamanho das do tuiuiú, e feito força suficiente para por abaixo uma parede de tijolos nus.
Rapa-Bosta, falam uns, Perna de Pau, dizem outros tantos adjetivos compostos mais. Oralmente falo do meu lugar de solidão sem que ninguém perceba o movimento da minha boca, estou ligado torcendo por alguém que sou eu, torcendo por quando a bola chegar nele, faça jogada de um Pelé.

Depois de duas ou três intervenções, percebo que é alguém que não nasceu para dar afago de bom amante à pelota e, em cada jogada que os bons de bola fazem, vão o afastando mais da redonda, o deixando de lado, esfriando o seu furor em querer mostrar que também é bom boleiro.É público e notório fazer jus a frase antiga: a bola procura sempre os craques.

De múltiplos pés juntados aos dois de mim mesmo, vejo-a partir a bola girando inibida e sem direção, seguindo em trajetória de extensa curva para qualquer canto do campo, menos para o objetivo principal: o gol ou os pés de quem a solicitou e que joga bem.
Bola sem direção essa que vejo, saindo-a de 90% dos pés que correm feito animal em fúria em busca de alimento, mas que não nasceram para encontrá-lo no melhor pasto das quatro linhas do campo de futebol.

Do meu canto de solidão e sonho de ver o filho na Europa, sinto certa inveja no rosto de quem tem filho que chuta bola certeira, por ver que de alguns pés em menor grau de desenvoltura, à pelota age com a naturalidade dos monges budistas endereçada ao passe ou ao gol e, com a sutileza de um apaixonado, cai nos pés de quem a admira e sabe direcioná-la nos passes e dribles ligeiros para fugir dos pés de carrascos concorrentes pernas de pau.

Como sou egoísta de não ter olhos para as bolas que saem de outros pés, moldados sobre a dinâmica do gênio da natureza que detém o poder de fazer um craque de bola nascer. Tão poucos sabem fazer da bola seu brinquedo de raro algum volante ou zagueiro roubá-la na facilidade. Bonito é vê-la a quem sabe tocá-la com a sutileza dos craques do passado e de hoje, sair girando no próprio eixo, deslizando no tapete da perfeição, dando dificuldade ao goleiro em espalmá-la ou encaixá-la retirando-a da trajetória da rede.

Bolas que partem de pés de gênios assim fazem que o goleiro maldiga o atacante, que com certeza é moleque que soube namorá-la desde a infância, visualizando-a entrando entre a trave e o goleiro, ali, naquele lugar onde a coruja faz o ninho, na junção dos dois ferros que formam ângulo de noventa graus, e assiste depois do chute, ela ir lentamente ou velozmente no lugar escolhido pela visão do craque que tem visão panorâmica de toda área do campo.

Bonito mesmo é ver moleque bom de bola, que quase sempre nos seus chutes ao gol, faz o goleiro beijar o tapete verde do gramado e se contorcer em dores de remorsos, tentando lentamente se levantar, ouvindo gritos de alegria da torcida adversária, chegando aos ouvidos, ensurdecedores uivos de vaias da torcida caseira.

Como sou egoísta em não ver o filho do pai que está ao lado se contorcendo de alegria nos gestos de braços e pernas, vendo o filho que sabe tudo de bola, tocá-la com suavidade, sem esforço, sem a maltratar, nem a ele o físico.
Como sou egoísta em ver só o meu filho tentando ampará-la entre as pernas, no peito, na coxa, chutá-la de cabeça e a dona de todas as glorias do futebol se insubordinar e não querê-lo para si.

Esse a quem invejo “numa boa”, porque o futebol é a arte de quem não sabe enganar, tem destino garantido num grande clube espalhado pelo mundo, terá o numero 10 nas costas, levando à responsabilidade de dá continuidade a arte do futebol clássico, onde não só a força física é parâmetro para as conquistas.

Falo com alguém do lado que na certa é pai de algum moleque da peneira. Esse tá garantido. Vai ser o craque de qualquer time grande. Do Brasil, do exterior, do futebol arte.
Do meu canto me vejo o assistindo e torcendo por ele, não mais pelo meu, esse não tem jeito, porque sei que o futebol, o craque de bola, o diferenciado, merece aplauso, por não ser mais um entre os onze para completar a escalação.
ZéSarmento