quarta-feira, 18 de junho de 2014

Dia do Nordestino-Crônica 'Vaqueiro'

Dia do Nordestino-Crônica 'Vaqueiro'





Homenagem ao meu finado pai que um dia foi vaqueiro.
Rude homem do sertão de João Guimarães Rosa e da caatinga nordestina de Graciliano Ramos.
A terra  que diga da valentia em busca de reses soltas em meio à caatinga rala, sobre os lajedos e matas intransponíveis de meter medo até em cavalo de aparte, por espinhentos galhos e traiçoeiras brenhas os despedaçar o corpo.
Sobre o alazão enfrenta a vegetação da caatinga. Pele encrocada chamuscada pelo sol de quarenta graus, encontram pra perseguição com segurança, gibão de couro de rés como carapaça impenetrável pelos esporões da mata calcinada.
O cavalo é seu corpo, parte inconteste de si, ainda com poder de ser também sua alma para a somatória de tanto entendimento em se conectar com  o sustento que os levam a viver uma vida ardilosa.
Seguro das rédeas do destino, argúcia de homem nascido para as brenhas, assim como seu companheiro e irmão de afobação e fôlego tenso atrás de rês apartada do rebanho. Os dois na somatória tornam-se um, acham-se como amigos de ganha-pão em fuga para resistir ao máximo às intempéries da vida insidiosa da caatinga.
Cavalo-homem, homem-cavalo endiabrados nas esporas que os ferem, se completam para a contenda das obrigações: pegar o boi e derrubá-lo pelo rabo, amarrá-lo pelas pernas, no mourão. Mascarado, nessa configuração estará seguro o trazendo de volta para o curral, preso pelas artimanhas de quem sabe lidar com gado desde menino.  Sim, ali este homem foi criança sem letras, foi jovem sem cultura. Dela só sabe da sua lida. É homem sem medo de se entregar a caça de animais fugidios, e será mais um a morrer no esquecido das terras sem lei, que dela só ganhará os sete palmos para viver no sossego do céu azulado do sertão após a morte.
            Na apartação e perseguição, os dois animais, um irracional ou outro muito homem, se permeiam de movimentos, desviando-se de solapadas mortais pelo meio dos galhos e cipós de madeira de lei como o angico, a aroeira e afins de matos brabos como descreveria Euclides da Cunha.
Sangue ferve e coração  pula pela estripulia dos bichos, quando alguma rês se veste de euforia e sai pela caatinga para fugir ao destino das matas nas cercanias. Um em solo medonho de tabuleiros de pedras, o outro no medonho do dorso que se esquiva para sobreviver  em harmonia com o brado do destino que faz da mata, sua reserva para  a morte, se o erro estiver por ordem do dia.
Não errando nem homem nem cavalo, estarão aptos para a próxima aventura, quando algum dia, se desgarrando nova rês do rebanho, se embrenharem nos veios desconhecidos da caatinga e tenha que ser encontrada, para dar, homem e cavalo, juízo dela ao latifundiário que os explora desde o  Brasil colônia.
Zé Sarmento