PEDRO - (Indo
atrás dela falando) É sim, e a tua filha é você em carne e osso e em todos os
desejos representados do corpo! Ela é você por dentro e por fora, e você sabe
disso. Isso é doença, é problema pra médico resolver e não membros masculinos! Vocês que não querem
assumir a coceira que sentem a todo instante atrás da calcinha, porque, no
fundo, no interior das entranhas, gostam de ter um homem como amante! Fale a
verdade, é ou não é? Pra vocês não tem coisa melhor do que transar até perder o
juízo, perdendo também o respeito para consigo! Te encontra mulher à toa, acha
o teu mundo de paz interior, outros prazeres da vida! O tempo não pode ser
somente preenchido com sexo, sexo e sexo!
SOGRA - (Joga
o copo com ódio, ele não deve quebrar, para tentar arrancar do público alguma
gargalhada) Chega, Chega! O meu ouvido não é fossa pra receber tanta merda, chega!
A minha vida não pode ser retrospectiva pra cafajeste nenhum representar
cavucando mais audiência! O vendaval que o meu corpo pede, é problema meu! Sai
fora da minha reta água suja que tá sempre despencando pros abismos da
incoerência!
PEDRO - O meu
ouvido não foi feito pra receber nada, migalhas de enxovalho. Você pra mim é
nada, sempre foi nada, até quando tinha algum dinheiro. É merda boiando n'água,
levada pra lugar nenhum, se dissolverá nos primeiros pingos de chuva ácida que
receber! Esse lugar é meu e aqui você não fica, sua malvista pelos olhos de
quem a enxerga há anos! Sai do meu mundo, entra pelo túnel do tempo e vai
procurar tua turma, pedir perdão a ela, já que tuas amigas te esqueceram depois
que ficou na merda!
SOGRA – (Esbravejando junto a ele).
Minha turma é
minha filha, única
que me restou,
é certo. Muitos amigos só são amigos na hora da
moleza, é certo. Meus netos são minha turma. Você é que vai ter que se retirar
e procurar um lugar pra encostar esse corpo mole, que tem na terra os vermes
loucos para recebê-lo.
PEDRO – (Se encaminha até o bar, pega uma bebida).
Você é que vai primeiro que eu matar a fome dos vermes.
SOGRA
– (Indo pegar outra
bebida, quando ver
que a vodka acabou, pega outro tipo de bebida e a
despeja no copo). Não pense que esse seu vexame me causa espanto. Vento que se
diz dominante não
mexe o semblante
do pasto a
vida inteira, só quando está soprando. Daqui a pouco,
quando chegar a calmaria, o pasto ficará tranqüilo no seu campo...Na verdade
você não domina nem os próprios passos.
PEDRO
– Não domino
porque me casei
com a pessoa
errada, nascida de família errada e com grandes problemas existenciais.
SOGRA
– Mas quem
não tem grandes
ou pequenos problemas existenciais?
PEDRO – Não igual o povo da tua família. É
coisa de berço, do feto, da etnia, do sangue dos ancestrais, família
desalinhada, criada para vencer na vida e acumular riqueza a custa de qualquer
preço, esquecendo que tá
no interior a
maior virtude para o
progresso de tudo. Foi por isso que eu não saí do zero até hoje, me envolvi com
pessoas erradas.
SOGRA
– Qual o quê! Foram
os olhos, olhos
grandes arregalados pra algum
dinheiro que a gente tinha, mas como não ajudamos, se entregou ao
rebanho e se
perdeu do mesmo,
ficando desgarrado das coisas
que nunca soube
valorizar e conservar.
Você apenas conseguiu aprender
consertar máquinas, esse
foi o seu
erro, esquecendo-se de consertar você mesmo.
PEDRO
– Você sabe
que nunca precisei,
e mesmo se
precisei, nunca fui atrás de uma migalha sua. Achava e ainda acho grandes canalhas os membros da sua
família.
SOGRA – Não atine a memória do meu falecido!
PEDRO – Por acaso o diabo vivo em carne e
osso atiçando fogo das ventas, causador de grades males ao próximo, explorador de criancinhas carentes, pode ter
deixado alguma memória?
SOGRA – Por mais que ele tenha errado você
nunca vai ser páreo para ele.
PEDRO – Nem quero ser! O meu mundo é
diferente. O meu mundo não é carente de nefasta ambição.
SOGRA – Quem não tem ambição nos tempos de
hoje, não terá ombros pra encostar o corpo na velhice.
PEDRO – Quem falou que eu quero ficar velho,
adoecer e cair de cama, dando trabalho para os outros, igual você já começou a dar, se mudando pra cá e se
humilhar despudoradamente. Nunca! Que a vida seja bela enquanto dure! (pega
outra bebida).
SOGRA – Começou cedo hoje, em...
PEDRO – (Para a platéia). Veja quem fala! A
macaca esconde o rabo pra falar mal do rabo alheio. Essa coroa já tomou várias
doses depois que entrou aqui, de repente já chegou doidona, e ainda fica
falando de mim, é mole ou quer mais!
SOGRA – Por sua causa. Fique sabendo que eu
não tomo um gole de álcool desde a morte do meu marido.
PEDRO
– (Para a platéia) Pro governo de vocês, isso
não faz nem cinco dias. É...pra quem bebia uma garrafa por dia, já é um
grande avanço aturar cinco dias de abstinência. (Passa caminhão de gás fazendo barulho com a
famosa música clássica).
SOGRA – (Para si mesma) Que desgraça de lugar
barulhento!
PEDRO – Já falei pra você que tem flat a bom
preço nos jardins, se muda pra lá.
SOGRA – Essa gente pobre não tem uma forma de consumir gás encanado, não? Tem que
ser como os evangélicos, usar de tanto barulho para conseguir freguês?!
PEDRO – Olha quem tá falando de pobreza, não
tem a onde cair morta mais
e ainda fala
da dureza dos
outros, só ficou
com a merreca da
aposentadoria, e ainda
se acha pertencente
à classe privilegiada. (Sogra
pega mais bebida e desce de uma só vez).
PEDRO – Você não acha cedo demais pra encher
a cara e na casa dos outros? Olha
aqui minha dita-cuja
sogra, não fique
você pensando que vou ter que suportar sua bebedeira. Se quiser beber
vai pro botequim aqui da favela, pra uma zona qualquer ou pra casa do cacete,
aqui em casa você não fica.
SOPGRA
– Isso é
a minha filha
quem decide, aliás,
eu até já conversei com ela, as coisas já estão
acertadas.
PEDRO
– Como assim?
Ela não é
louca de ter
tomado essa decisão sozinha, sem
consultar o seu marido...Que sou eu, né!
SOGRA – O que você acha que é aqui dentro,
em? Será que ainda não descobriu que
depois que perdeu
o emprego e
passou a ser sustentado pela
minha filha, beber
exageradamente todo dia,
não passa de um zero a esquerda nesta casa? Só você não quer
enxergar, porque acha
que todos os
cegos têm boa
vida. Você ainda não descobriu
isso não, seu burro?!
PEDRO – Quando ela chegar, ela vai se ver
comigo, sua jumenta!
SOGRA – Você acha então que ela vai chagar,
é?
PERDR – Como assim, não tou entendendo! Não
volta?
SOGRA – É isso
mesmo que você
ouviu cara de
gambá, e não se
faça de
surdo, ela não
volta mais, nem
ela nem as
crianças, ou você acha que ela ia
lhe sustentar pro resto da vida?
PEDRO
– Você tá
pirada! Não acredito
em nenhuma palavra
que sai dessa boca por
onde já passou
algumas doses. Isso
é imaginação criada pela atuação
da vodka e conhaque.
SOGRA – você que pensa, ela ganha muito bem,
e mais as horas extras no hospital, dá muito bem pra ela sobreviver e as
crianças. Sua folga já era, a mordomia criou asas e voou, e esse apartamento
você vai te que deixar, não quero ver o nome da minha filha sujo.
PEDRO – Eu é que não ia aguentar mãe e filha
ao mesmo tempo infernizando minha vida,
soprando falas podres
no meu ouvido
o tempo todo no mesmo espaço. Não, quem saiu de suas vidas fui eu. Agora
ela vai ver o que é sustentar uma casa sozinha e ainda ter que conviver com uma mãe frustrada e alcoólatra,
que quando jovem não a deixava viver e se odiavam. Ela vai ver se vai sobrar
dinheiro pra butiques, shoppings, cosméticos, supérfluos importados que ela ama
consumir. Ela vai ver aonde a porca torce o rabo, com quantos paus se faz uma
cangalha.
SOGRA – (Indo até o banheiro). Ela se
preparou muito tempo e vale apena passar por tudo, pra se livrar de um inútil
como você.
PEDRO – Jararaca! Ou jararaca mesquinha e
truculenta, se a tua filha não vai
mais voltar, porque
a jararaca veio
de mala e cuia?
Que história é
essa de mudar
pra minha casa,
antes de ir pra onde
estar a tua
filha? Responde, o
que você tá
aprontando dessa vez?
SOGRA – (Respondendo de dentro do banheiro).
Não é nada que não se possa dar um
jeito, nem muito grave. Simplesmente a minha filha, que era a sua mulher, não
quer que eu passe nem perto da rua a
onde ela mora, aliás, nem sei o endereço.
PEDRO – (Saindo de onde estava encostado à
porta do banheiro. Fala para a platéia).
Não acredito gente, tudo farinha do mesmo
saco como se fala para desqualificar
os políticos, coxo
do mesmo chiqueiro
onde comem os porcos mastigadores da mesma lavagem,
traidores covardes. Que rasteira bem aplicada na coroa. Não credito! Não
acredito! (Sogra dá descarga e sai, Pedro vai de encontro a ela). Vocês duas
se merecem, nasceram
uma pra outra.
Pode ir pra casa da sua filhinha, aqui
você não fica,
nem mais um minuto
da sua vida perdida e ESBAGAÇADA. Saia já do meu ninho, o espaço
que tem
nele não cabe
pássaro errante, onde
o único voo, foi realizar um rasante pra descompostura.
SOGRA
– (Preocupada) Você
quer me expulsar?
Eu não tenho pra onde ir. As
portas se fecharam e abriram fendas lascadas de grandes no meu peito. Eu não
vou conseguir viver sozinha, depois de tudo perdido. As pessoas se afastaram de
mim, depois que perdi tudo. Estou só no meio da lama, com uma espada no peito
pronta pra vazar um
coração, e se lá ela
chegar, será o
fim pra uma mulher que teve de tudo, sobrando hoje,
apenas a solidão. Não faça uma desgraça dessa comigo peço por favor.
PEDRO – (Aparecendo com a mala dela na mão,
jogando-a a seus pés). Estão aí os seus restos, sobra do cativeiro de quem lutou
tanto pra ter o máximo de dinheiro através da exploração de menores. Obra do
demônio! Se essa mala é a sua vida, se foi o que restou dos seus lindos e
luxuosos dias, leve-a consigo e me deixe só no meu canto com os meus diabinhos.
Aqui eu me encontro, me acho por dentro, consigo viver me alimentando de luz e
sonho, talvez um dia...
SOGRA
– Estou perdida,
achatada sobre uma
chapa de ferro quente,
sou um hambúrguer
devorado por dentes
firmes com apetite.
PEDRO
– Assim você
quis que fosse.
Cada um é
único dono do seu destino, as oportunidades não batem a
porta por muitas vezes.
SOGRA – (Indo até o bar pega outra dose e
bebe de uma só vez). O meu corpo
e mente não
sustêm o tranco.
Pobre, com tudo perdido, na dureza.
Quem já teve
tanto é mais
difícil suportar. A onde eu vou parar? Qual lugar que me dará
luz aos meus dias tão escuros? Será que há esse lugar?
PEDRO – É só sair por aí, por esse mundão de
todos e procurar. Tropece mais um pouco
nos dias, nas horas que completam eles, quem sabe, assim o seu orgulho seja
arrastado pela enxurrada de março e leve
sua máscara de avarenta embora, e fira seu egoísmo com as pedras pontudas do
caminho.
SOGRA
– E a
idade? Não dá mais pra
começar depois dos 50
anos. Tudo bem, concordo, aos cinquenta ainda dá pra começar, mas isso vale pra
quem tá acostumado ao trabalho, e que a vida toda foi de luta... Para mim é
difícil...Eu tive de tudo que uma mulher sonhou, inclusive homens.
PEDRO – Talvez
por isso você
tenha que pastar
um pouco, ou muito, para pagar os seus erros e
aprender a dar valor às coisas simples. Dizem os místicos, os religiosos, que
da terra não se leva nada, só a alma, então comece a ensaboar ela com bastante
alvejante, sofrendo bastante, pra pagar
os teus pecados.
SOGRA – Será que é pecado viver com
intensidade?
PEDRO – Talvez não, mas da forma que você
viveu, pelo menos até quando tinha dinheiro, pelo que eu aprendi nos discursos
católicos quando criança, tudo que você fez são pecados radicais. Deus não
gostou mesmo. O diabo é que deve tá gostado bastante vendo mais um se
preparando para ir morar no seu reino.
SOGRA
– Que vá
tudo pro inferno!
(Sai arrastando a
mala, visivelmente de fogo.Pedro vai até a porta e fecha).
PEDRO – (Pega mais uma bebida, ergue o copo
para cima). Deuses do Olimpo, dêem-me força pra alcançar as escadas com degraus
desgastados da solidão.
Eu me aguento muito
bem. Grande ocasião minha!
Nunca me senti
tão leve, retirando dois fardos
pesados das costas!
(Vai
até um som
na estante, põe
para tocar uma
música carnavalesca. Se enfeita
de colares coloridos,
solta confetes e serpentinas
pelo palco, desce à platéia
e joga sobre
ela também. Muito alegre. Uma
leve passagem de tempo com o palco ficando no escuro, quando à luz volta, Pedro
se encontra no mesmo palco com outra roupa. Sentado no sofá, bem a vontade com
um copo na mão, dá a última golada e
vai pegar outro
drink, senta-se de
novo. A campainha toca, se
levanta para atender, quando abre a porta se depara com a sogra com a mesma
mala na mão.Ele não acredita no que vê).
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