quarta-feira, 28 de setembro de 2016

AMOR ESBAGAÇADO - FIM

PEDRO  –  Nunca  me  passou  pela  cabeça  trair  sua  filha,  caralho! Sobretudo depois que ela começou a trabalhar fora, pra não dá a oportunidade de ela fazer o mesmo dando o troco. Algumas de vocês são muito vingativas.

SOGRA – (Com Pedro arrasado no sofá, a Sogra se encaminha até ele, começa massagear seus ombros). Eu vou procurar um especialista pra ver o que acontece comigo, pra ver se ele explica de onde vem tanta energia e vontade de homem.

PEDRO  –  Imagine  quando  você  era  jovem, em... Teu  marido  que  ainda não era o português deve ter pastado muito pra te sustentar de sexo, e os vizinhos pra fofocar a teu respeito.

SOGRA – Quando eu dava as minhas escapulidas, era bem longe da  vizinhança,  vizinho  só  serve  pra  ficar  bisbilhotando  e  fazer fofoca com inveja da vida alheia.

PEDRO  –  Ainda  bem  que  nós  não  transamos.  Uma,  porque  se  a tua filha descobrisse, ia ser aquele fuzuê da porra, e outra, não ia poder sustentar as duas. Ia dá muito “zé povin” falando de nós.

SOGRA  –  Eu  aqui  com  esse  calor  fervendo  meu  sangue  e  você com o vento do ártico congelando os nervos. Quem diria, em! Ninguém conhece ninguém nesse mundo apinhado de muitas cabeças que pensa diferente.

PEDRO  –  E  quem  falou  que  você  me  conhecia,  nem  a  sua  filha você nunca conheceu. (Sogra começa a cantar uma canção sensual tentando  ninar Pedro para ver se levanta seu astral).

SOGRA  –  Acorda  meu  nenenzinho,  o  dia  já  nasceu,  pega  o  seu nervinho e faz ele levantar. O seu nervinho não quer levantar e sair espirrando pelo ar? Levanta, levanta meu amiguinho que a sogrinha que usar. (Para a cantoria e pega a falar normal). Usar até ele se desgastar e ficar em frangalhos! (gargalha).

PEDRO  –  Acho  que  o  meu  problema  é  outro,  não  é  fisiológico,  é psicológico  mesmo.  Também  frequentando  a  mesma  caverna  há tanto tempo, sem a malícia sensual que requer a relação íntima nem o colorido de luz piscante.

SOGRA – Pra você ver, não é só de fuque-fuque que as relações íntimas  entre  duas  pessoas  precisam.  Você  veja,  o  meu  corpo sempre  teve  preparado  para  as  batalhas,  nas  camas,  nos  sofás, nos banheiros públicos, nas áreas remotas das festas granfinas que frequentei, até por cima dos espinhos da irresponsabilidade já me doei aos homens.

PEDRO - Você é mulher, não precisa ter nenhuma força psicológica e física, é só abrir as pernas e fazer a sacanagem se deixar levar.

SOGRA – (Ainda o massageando) Também não é assim! Tem que ter certo  desejo  pelo  homem, também  pra  alimentar  o  desejo da vitória, desejo de vencer a guerra e dizer que conseguiu o homem que estava atrás. Tudo isso nos trás o upgrade, alimenta o ego, a autoestima, a vaidade.

(Sogra tenta pegar em suas partes íntimas, ele sai  de supetão do sofá, caindo a ficha sobre o que ela está acontecendo).

PEDRO – Não, sua gulosa, comigo não! (Pega a roupa da sogra no chão e joga sobre ela). Veste sua roupa e para de palhaçada, antes que apareça alguém e veja  você  nesses  trajes se oferecendo.  Comigo  você  não  vai  usar  de subterfúgio com seus restos de paixão antiga. O meu amor por você se chama ódio, ódio!

SOGRA  -  Não  aja  assim  comigo.  A  pior  dor  é  a  dor  da incompreensão, do lavei as mãos, do nem fede nem cheira. Dê-me a chance de lhe ter pelo menos uma vez.

PEDRO – Nunca serei seu! Será que você não ver e não se toca que  eu  quero  ficar  só,  longe  de  todos  vocês.  Quero  riscar  pra sempre  todos  vocês  do  meu  relacionamento, do mapa das minhas idas e vindas.  Não  suporto  mais  o aperto dessa corda nas minhas jugulares desde muito. Não me faça perder a cabeça. O fôlego faz tempo que estou perdendo!

SOGRA  –  A  minha  vida  já  não  era  nada,  depois  da  morte  do português a coisa ficou muito pior.

PEDRO – Tome uma atitude uma vez na vida, pelo menos digna e se retire dessa casa. Não lhe quero pelada, não lhe quero vestida aos modos de uma rainha, princesa, não lhe quero pra dividir o aluguel,  portanto,  me  deixe  só  no  meu  mundinho  estreito  entre essas paredes.

SOGRA  –  Eu  não  tenho  para  onde  ir!  Como  vou  conseguir  viver sozinho, onde as pessoas só pensam nelas mesmas, qual a chance que vão dá pra uma mulher de 50 anos sem saber fazer nada.Nem lavar roupa e passar eu sei, cozinhar, vá lá, aprendi alguma coisa, mas o resto de tudo que tem de profissão, nãos sei migalha.

PEDRO  -  Não  sei,  dá  um  jeito,  tem  tanta  casa  de  bacana precisando  de  empregada  doméstica  com  possibilidade de  dormir no emprego.

SOGRA – Nunca!

PEDRO – Casa de repouso.

SOGRA – Casa de repouso custa dinheiro.

PEDRO  -  Asilo...!  Não  lhe  sobrou  um  pouco  de  jóia?  Vai  num penhor  da  caixa,  ela  te  dá  dinheiro  na  hora,  vende  uns  vestidos caros pra bazar chique, vende tudo que dê pra fazer grana.

SOGRA – Cínico! Você acha que vou desfazer das minhas coisas caras,  do  que  me  restou.  Nunca!  Nem  se  o  mundo  pegar  fogo  e torrar meu corpo!

PEDRO  –  Você  é  que  sabe  se  quer  ficar  nas  ruas  perambulando, usando e curtindo suas jóias, mais a frente um assaltante levar elas e seus membros juntos depois de amputá-los com faca ou tiro de escopeta. Acho melhor vendê-las, com o dinheiro arrumar um lugar pra  morar, fugir da  crueldade  das  ruas.  Ou  você  prefere  viver como mendiga nas calçadas imundas do centro da cidade e dormir à sombra do firmamento sonhando com o diabo enfeitada dos objetos chique que te sobraram?

SOGRA  –  As  jóias  são  relíquias  de  um  passado  distante,  objetos valiosos  da  minha  bisavó,  algumas  ganhas  me  deitando  com  o português,  outras  ganhas  de  homens  endinheirados  do meu relacionamento. Prefiro a morte que vender.

PEDRO – Nesse caso a morte não é uma saída digna, tá certo que eu não gosto de você, mas daí até chegar desejar que você morra é coisa pra se pensar, entenda, quando a gente também começa a sofrer.

SOGRA – Você mesmo falou que me quer ver esmagada embaixo de um trem...

PEXDRO  –  Força  de  expressão,  não  tenho  coragem  de  matar nem  uma  barata,  só  quero  que  você  caia  fora  daqui,  se  encontre por  algum  hemisfério  humano  amistoso.  Em  algum  lugar  deve  ter alguém disposto a lhe ajudar ou lhe querer para namorar. Ponha anuncio  num  jornal.  Você  só  tem  que  mentir  um  pouco a  seu respeito. O que todo mundo faz. Fala que ainda é virgem...

SOGRA  –  Você  continua  cínico,  cruel,  prolongando  meu  caos interior  com  essas  palavras  vis.  Você  quer  mesmo  é  o  meu sofrimento, e eu, de ti, só quero o amor, não vê?

PEDRO  –  Que  amor  porra  nenhuma,  abaixo  o  amor,  isso é  mais uma armação sua para se dar bem, pra continuar explorando mais um homem, eu, sexualmente.

SOGRA  –  Nunca  explorei  ninguém!  Talvez  o  meu  erro  tenha ocorrido  de  usá-los  e  jogá-los  fora,  não  sabendo  explorá-los  a exaustão. O único de fato que me doei foi o finado  português, mas que acabou em nada, por ter terminado dura.

PEDRO  –  Essa  é  sua  paga,  uma  praga  por  ter  sido  vã  nas  suas investidas e relações.

SOGRA – Você acha mesmo que eu não tenho nenhuma saída plausível ao seu lado?

PEDRO – Não. A única saída pra você é aquela porta. Ela levará você pra  bem  longe  da  minha  casa,  e  fará  que  minhas  vistas  não  a vejam nunca mais.

SOGRA – Tá bem! Se é o que me resta, deixarei o caminho livre pra  você  viver  a  sua  solidão  mesquinha,  egoísta  e  aberto  para outras mulheres.

PEDRO  -  Que  mulheres!  Eu  lá  quero  saber  mais  de  mulheres! Quero  é  viver  a  minha  vida,  com  o  direito  de  estar  em  qualquer lugar sem ter que dá satisfação a ninguém, sem se preocupar em encher a dispensa, pagar conta de luz, água, gás, prestação dessa caixa  de  fósforos  que  nunca  sei  quando  vou  terminar de  quitar, dividindo  o  que  ganho  em  tantas  partes  no  final  do  mês,  não sobrando nada nem para beber uma cerveja. Chega de  mulher, de casamento, de família, quero viver diferente, já que faz mais de 10 anos que  minha  vida  é  uma  merda. Faça  você também  à mesma coisa e para de falar que me ama. Vai procurar tua  turma nem que seja embaixo da terra, se matando.

SOGRA – Turma, amor, amizade, não é fácil de achar  quando se tá na merda meu caro. A onde vou encontrar essa gente, só se for  embaixo  das  marquises,  nelas  estão  os  miseráveis  que  só acham migalhas de amizade nas drogas.

PEDRO  –  Meus  olhos também  não  enxergam  os  horizontes pintados de drama que se formaram a minha frente, vai enxergar turma.Quero é ficar só,  fazer  uma  reciclagem  do  tempo  em  que  vivi  casado  e  tentar esquecer o passado, jogando terra sobre ele.

SOGRA  –  Veja  como  fala  uma  pessoa  que  não  consegue  enxergar nem o possível, vai querer ver o impossível, o inverossímil.

PEDRO – O meu possível eu vi, vivi e quero continuar vivendo.

SOGRA – Nem viu, nem viveu, nem vai viver.
(A  sogra  tira  da  bolsa  um  revólver.  Quando  Pedro  tenta  chegar perto  dela,  acaba  vendo-o  apontado  para  si,  nesse  instante  ele para).

SOGRA - Não vem não! Atiro no seu peito, vazo seu coração que carrego dentro do meu, e pronto! Ponho um ponto final na linha do tempo dos seus dias tristes que vais passar e acabo com os meus.
(Abre o tambor e deixa cair às balas, pegando uma delas antes de cair ao chão, quando a põe de volta no tambor. Fecha-o e engatilha apontando para o peito dele. Aperta uma vez, a arma falha. Aponta para  a  sua  cabeça,  a  arma  falha.Pedro  está  muito assustado.Os dois  estão  estáticos  no  meio  do  palco,  apenas  uma  música  de suspense engrossa a cena final do espetáculo. Aponta novamente para ele, a arma falha. Aponta para ela, falha outra vez. A música vai  crescendo,  o  clima  ficando  mais  tenso,  é  quando a  cortina começa se fechar. Uma sirene de ambulância se escuta ao longe quando  vai  num  crescendo  se  aproximando  do  palco  junto  com  a música. A cortina acaba de fechar, não dando tempo  de a plateia saber em quem a bala conseguiu entrar e matar depois de a arma disparar. O tiro nesse momento do espetáculo deve ser ouvido mais alto que a música e a sirene.

THE END
Zé Sarmento
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