Outro dia fui ao centro da cidade de buzão, aquele grandão
que foi feito pra corredor que não tem pra onde correr nem como correr. –Toda vez
que preciso me deslocar até o centro sem ser em horário de pico pego condução.
Só vou com a Elba 96 quando é pra trabalho, por não ter horário de acabar os “reclames”
nos estúdios da cidade ou locações.
Os corredores foram feitos pra, de repente, os ônibus chegarem
primeiro que os carros, mas isso não. Os carros, mesmo em engarrafamento chegam
primeiro. Às vezes eles até passam o engarrafamento, mas num piscar de olhos,
os carros passam os ônibus.90% dos carros andam com uma pessoa, o motorista,
horário de trabalho, dia útil, né. Dentro do ônibus me senti muito constrangido.
Sentado por tê-lo pego no ponto inicial. Do centro até o bairro, vice e versa. No
horário das 11h foi calmo indo pro centro,
mas na volta, às 3,4h, tudo muda pra pior. Observando do meu canto, vi como as
pessoas sofrem andando de buzão, e muito mais por terem que enfrentar essa
porra todo dia da sua vida trabalhosa. Percebi que a maioria dos passageiros desse
horário é mulher com ar de muito cansada, carregando sacolas e suas bolsas, enfrentam
dificuldades pra andar no corredor e passar pela roleta, bem mais dificuldade
quando entram algumas atendendo celular. Bolsa, sacola e a mão ocupada com o celular
no ouvido, a dificuldade aumenta. Tava doido pra dá o lugar pra alguém, (pelas
minhas pernas estarem doendo, e pelo constrangimento de estar sentado, homem, e tanta mulher em pé).
O assento era muito colado um no outro, alguém alemaozão iria sofrer bem mais
que eu.Do meu lado se sentou uma mulher, que pela maneira de ser e o cansaço
que deflagrava no rosto, devia ter acordado, no mínimo, às cinco da manhã. Todas ( a maioria
era de mulher) com os mesmos cansaços, vendendo essa fisionomia na forma de
estar, olhando o tempo ao derredor e sentir por dentro, certa angústia pelo
ônibus nunca chagar ao seu destino e não ter assento pra todos.Cada parada num
ponto, pelo menos pra mim, era uma eternidade, dali a pouco tinha que parar
outra vez, pelos semáforos que fechavam. Ao meu lado a senhora puxou uma arma, mas pra atirar,ela puxou
outra, o óculos, abriu o tambor e colocou a munição a certa distancia das vistas
pra poder enxergar. Abriu um livro que de soslaio eu li o nome do autor, Trish
Willy, “sopro de esperança” era o título. Espero que esse livro consiga lhe dá
uma luz e ela resolva os seus problemas e que tudo se resolva em sua vida.Na
certa com a leitura ela vai se dá melhor que as demais que estavam ali apenas
olhando as ruas. Foi à única que eu vi assaltar da própria bolsa um livro. Tava
procurando alguém pra dar o lugar,mas olhando em volta, pensei, como eu ia ser
correto se era tantas mulheres cansadas, desgastadas pelos seus trabalhos de
diaristas? Estaria sendo injusto com as outras, e talvez passasse desconfiança
de que estivesse tentando paquerar agradando uma delas. Na minha timidez, nessas
situações, por dentro disse-me que quando chegasse no terminal ia abordar a
mulher da leitura e dá-lhe um livro meu de presente, talvez ela não conseguisse
ler até fim, por ser outro tipo de literatura, mas enfim faria boa ação e minha
parte pra melhorar a auto-estema da sociedade.Não o fiz, ela desceu antes e
como sou muito fechado nessas situações não a abordei ao momento de estamos de
corpos quase colados, cada um em sua cadeira. O aperto entre duas pessoas como
eu e ela é tão estranho pra mim, que às vezes tinha vontade de me coçar em alguma
parte, mas segurava, pra não me mexer tanto e tocá-la. Segurava-me pensando noutras
coisas, meus personagens, por exemplo, que são todos vindos de classe como a
que anda todo dia de ônibus. Mulheres guerreiras essas da nossa pulação, que
depois de certa idade têm que trabalhar pra tentar se firmar levando parte do
sustento pra casa, e muitas delas são
provedoras do lar. Acordam tão cedo, trabalham por aí usando o corpo e
mente, ou só um ou só outro e ainda têm que enfrentar condução tão ruim. Que pena que os nossos políticos
não precisem de condução pública pra ir trabalhar, pra sentir na pele o que é o
transporte que eles oferecem a população. Sentir na própria carne nada mais é
que sentir pelos outros. Acho que todo cidadão tinha que passar um dia por
alguma dificuldade, mais os políticos e uma elite arrogante acostumada com as
benesses oferecidas pelas fortunas que acumularam, pra poder ter o
discernimento de saber entender o outro com mais finura e humanidade.
Zé Sarmento
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