AQUI TEM HISTÓRIA-MAIS UMA DO CINEMA E EU
Cavoucando aqui minhas memórias, andava por volta de doze primaveras quando descobri a projeção de filmes. Antes desse dia, sabia que existia cinema, mas o acesso veio por essa idade ao assistir a primeira fita no cineminha local da minha vila operária do DNOCS. Antes tarde do que nunca.
Foi uma
descoberta que me impactou juntando fantasia e realidade no mesmo caldeirão da minha região do
sertão que fervia em abundante falta de diversidade cultural.
Não fui
daqueles que se escondiam atrás das cadeiras nas trocas de tiro entre mocinhos e bandidos dos chamados filmes de faroestes. Eram os mais projetados nos
fins de semana na vila das minhas vivências de menino solto como potro nos
pastos e campos irrigados do distrito de São Gonçalo, Sousa, PB.
Os
exibidores surgiam nos fins de semana com um novo filme. A fita era exibida às
sextas-feiras e sábados. Dependendo do sucesso do filme, no domingo também havia projeção.
Uma vez ou
outra ele trazia na sua bagagem rolos de filme diferente na sua estética e
cenários, do tipo, filmes musicais com Grande Otelo e Oscarito e alguns estrangeiros. Era
raro, evidente, por oferecer menos fantasia ao cérebro da assistência que gostava dos filmes com os quais mais se identificavam. Muitos dos conterrâneos adultos andavam armados de revólver e peixeira no meu sertão dos anos 1970, e esse presente dos arquétipos presentes nas fitas, colava a assistência direto dentro delas e no caráter dos personagens.
Os Filmes que não podiam faltar eram aqueles cujas narrativas giravam em torno da religiosidade da semana santa. A Paixão de Cristo levava muita gente a chorar com o sofrimento do magrelo pregador pregado na cruz todo vermelhado de sangue. Outro filme que impactava a plateia era Coração de Luto, história de Teixeirinha. Acometia de as pessoas mais emotivas jorrarem lágrimas e umedecer o rosto em fervura. Os do cangaço me elevava de medo, por achar que ainda existia homens como aqueles pelo sertão perto da minha humilde moradia de taipa. Malvados e assassinos. Até hoje carrego imagem de um filme de cangaceiro (escutava muita história de cangaceiro contada pelo velho Antônio Aurélio, meu pai, foi cabra que andou pelo cangaço pra defender coronéis da terra e a cidade de Sousa da invasão do bando de lampião em conluio com o de Chico Pereira da cidade de Nazarezinho).
Alguns filmes eram acompanhados de episódios das séries Zorro, Superman, Tarzan. O preto branco predominava. Os gêneros mais projetados e que faziam sucesso junto aos moradores, eram os espaguetes, em que os personagens Sartana, Django, Trinity, Sabata saiam vencedores depois de sofrer barbárie de inimigos mexicanos. Os de espadachim nem se fala sobre o entusiasmo da plateia com as aventuras de conquistas e derrotas em busca do amor de uma donzela ou da riqueza do ouro.
O entusiasmo
e as conversas com esses filmes se prolongavam, de maneira a levar jovens de, NO
TEMPO D’EU MENINO, juntar gangues para lutar uma contra a outra pelas áreas do
campo de futebol. Mãos à obra dos jovens na fabricação de revólveres de madeira, e espadas feita com pau de tâmara ou coqueiro.
Nalgumas
vezes eu ficava muito jururu ao saber que o filme do fim de semana era um dos porretas em ação e alumbramento, pelos
comentários ouvidos dos parças, porém essa tristeza surgia pelo fato de estar
sem grana para comprar ingresso. Tentava dá meus pulos pra fazer algum serviço
para algum adulto e ele me arrumar o valor da entrada.
Num dado fim
de semana estava sem dinheiro e sem ninguém para me arrumar um bico para
limpar mato, roçar algum terreno, colher nos roçados, limpar a piscina pública,
foi quando eu e um colega de apelido Tonho
das Bilas, (ele era bom em jogo de bila) passando na frente do cinema vimos a porta dos fundos aberta. Nesse momento alguém responsável limpava
as cadeiras e o piso de cimento distraidamente.
Não tivemos
dúvidas. O filme era daqueles em ação. Muito chumbo trocado entre bandidos e o
mocinho. Entramos e sentamos nas vigas de madeira atrás da tela. Era um espaço
desconfortável e infestado de poeira e teia de aranha. Quando entramos ainda
era hora mágica na vila sertaneja.
Os
trabalhadores do eito já estavam em suas casas, com certeza um prato de comida
à mesa os alimentava depois de um dia puxado na lida nos campos, outros em seus
afazeres como funcionários da burocracia do DNOCS. Ficamos ali muito quietos,
EU e o TONHO. Esperamos a projeção por mais de uma hora. Quando enfim começa o
barulho do projetor jorrar fios de luz com imagens em movimento no écram de
tecido branco. Emoção a milhão no menino amante do cinema.
Essa minha passagem
do amor pelo cinema, pelas imagens em movimento contando histórias ficcionais,
reais, surreais, musicais, de aventura e sofrimento, me levavam fazer essas
loucuras. Inclusive voltar para casa afastada do centro da vila sozinho pelas estradas e veredas sertanejas, muitas
vezes sem a lua como companheira jorrando opaca luz nos campos, e com muito
medo das almas penadas saindo de cruzes no percurso do caminho embaixo da
chamada hoje, alameda das tamarineiras.
Saudades desse tempo do tempo d'eu menino.
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