domingo, 5 de julho de 2020

AQUI TEM HISTÓRIA – DE SOBREVIVÊNCIA E O CINEMA


AQUI TEM HISTÓRIA – DE SOBREVIVÊNCIA E O CINEMA
Hoje me peguei retrocedendo o juízo sobre minhas vivências profissionais com as equipes de cinema, logo no início da minha profissão no audiovisual. Do modo como algumas pessoas diziam, caçoando sobre o nordestino novinho que vinha tentar a vida aqui na metrópole paulistana, tipo minha figura baixinho, troncudo, pardo, de sobreviver aos tempos de seca braba comendo caças locais, caçadas embaixo de lajedos, nas veredas em meio a mata esturricada da caatinga sertaneja, nas pirambeiras das serras distantes de casa. Os profissionais mais gabaritados, espertos, diziam: vem cá, comedor de calango, me ajuda nisso ou naquilo! Engolia seco pra não entrar em conflito ou, às vezes, dava risada me segurando por dentro pra não explodir e confrontar o racista. Digo, não tinha muita noção de tudo que tenho hoje, das ondas nefastas do preconceito, do bulling, adquirido esses saberes com vivências e estudos e pesquisas e leitura. Quero dizer sim, racistas, as caças caiam fervilhando entrando pela boca, descendo para o estômago para encher as tripas, e praticava grande alegria pra quem estava prestes a desmaiar de fome. Como mistura era a salvação, sem noção sobre as culturas dos povos. Quando havia tempo de falta de quase tudo em casa, a salvação pro menino e os outros membros da grande família pra se alimentar, e ter como mistura, pra não ficar só no feijão e arroz e farinha, eram as caças. Saíamos envenenado pra cima delas nas veredas sertanejas caçando preá, peba, tatu, tamanduá, teiú, camaleão, gambá (essa caça, minha mãe tinha experiência em tratá-la bem, pra que ela não ficasse com o fedor do seu xixi na carne, nem aos derredores do oitão da tapera de taipa.
Das aves, quando as lagoas eram formadas nas cheias, os adultos iam com suas espingardas pra cima dos paturís, socós, galinhas d'água, (bacurau não, esse pássaro era muito escaldado e era ave presunçosa por saber se camuflar) codorna, codorniz, arribaçã, rolinha caldo de feijão, pássaro de arroz, esses caiam com os disparos das espingardas de socar. Para os cachorros era uma festa, pra nossa gente, substância nutritiva em proteína e melhorar o sabor do que engolia à seco.
Quando o inverno se segurava por meses, a produção de alimento nas roças de coivara, nos baixios, grotas e vazantes aliviava a aflição do sertanejo, era quando saia arrotando de bucho cheio. Fui um menino danado na enxada ajudando meu pai a preparar a terra, plantar, colher. Milho verde, feijão verde, (depois maduros e secos) jerimum, arroz, mandioca, gergelim. No final do inverno, quando este era de primeira e alegrava a vida sertaneja, algumas arrobas de algodão eram colhidos. Produto que branqueava os campos, e servia pra fazer algum dinheiro, e meu pai e mãe trocarem algumas redes velhas por novas. Nunca dava pra dá um banho de loja em nenhum dos filhos. Isso ocorria quando meu pai recebia alguns atrasados do DNOCS como funcionário operário padrão do sertão.



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