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TEM HISTÓRIA – DE SOBREVIVÊNCIA E O CINEMA
Hoje
me peguei retrocedendo o juízo sobre minhas vivências profissionais com as equipes de
cinema, logo no início da minha profissão no audiovisual. Do modo como algumas
pessoas diziam, caçoando sobre o nordestino novinho que vinha tentar a vida
aqui na metrópole paulistana, tipo minha figura baixinho, troncudo, pardo, de sobreviver aos tempos de seca braba comendo caças
locais, caçadas embaixo de lajedos, nas veredas em meio a mata esturricada da caatinga sertaneja, nas pirambeiras das serras distantes de casa. Os profissionais mais gabaritados, espertos, diziam: vem cá, comedor de
calango, me ajuda nisso ou naquilo! Engolia seco pra não entrar em conflito ou,
às vezes, dava risada me segurando por dentro pra não explodir e confrontar o
racista. Digo, não tinha muita noção de tudo que tenho hoje, das ondas nefastas
do preconceito, do bulling, adquirido esses saberes com vivências e estudos e
pesquisas e leitura. Quero dizer sim, racistas, as caças caiam fervilhando entrando
pela boca, descendo para o estômago para encher as tripas, e praticava grande alegria
pra quem estava prestes a desmaiar de fome. Como mistura era a salvação, sem noção sobre as culturas dos povos. Quando
havia tempo de falta de quase tudo em casa, a salvação pro menino e os outros
membros da grande família pra se alimentar, e ter como mistura, pra não ficar
só no feijão e arroz e farinha, eram as caças. Saíamos envenenado pra cima
delas nas veredas sertanejas caçando preá, peba, tatu, tamanduá, teiú,
camaleão, gambá (essa caça, minha mãe tinha experiência em tratá-la bem, pra
que ela não ficasse com o fedor do seu xixi na carne, nem aos derredores do
oitão da tapera de taipa.
Das
aves, quando as lagoas eram formadas nas cheias, os adultos iam com suas
espingardas pra cima dos paturís, socós, galinhas d'água, (bacurau não, esse
pássaro era muito escaldado e era ave presunçosa por saber se camuflar)
codorna, codorniz, arribaçã, rolinha caldo de feijão, pássaro de arroz, esses caiam
com os disparos das espingardas de socar. Para os cachorros era uma festa, pra nossa gente, substância nutritiva em proteína e melhorar o sabor do que engolia à seco.
Quando
o inverno se segurava por meses, a produção de alimento nas roças de coivara, nos baixios, grotas e vazantes aliviava a aflição do sertanejo, era quando saia arrotando de bucho cheio. Fui um menino danado na
enxada ajudando meu pai a preparar a terra, plantar, colher. Milho verde, feijão
verde, (depois maduros e secos) jerimum, arroz, mandioca, gergelim. No final do
inverno, quando este era de primeira e alegrava a vida sertaneja, algumas arrobas de algodão eram colhidos. Produto que branqueava os campos, e servia pra fazer
algum dinheiro, e meu pai e mãe trocarem algumas redes velhas por novas. Nunca
dava pra dá um banho de loja em nenhum dos filhos. Isso ocorria quando meu pai
recebia alguns atrasados do DNOCS como funcionário operário padrão do sertão.
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