PRECISO
GRITAR
Ninguém vai me
impedir de gritar que gosto da afeição às coisas que me faz bem bater o coração.
Ninguém vai me impedir de gritar que gosto de álcool,
maconha, cocaína, anfetamina, das minas e minos que levam dentro de si o cio da
juventude.
Ninguém vai me impedir de gritar que sou eleitor de
esquerda, que gosto da querela que fabrica explosivo pra determinar o movimento
dos justos pelo bom balanço da justiça.
Ninguém vai me
impedir de gritar que choro ao se deitar, levantar, dentro da condução que me
leva pro trabalho, num labutar endurecido nas diárias noturnas, sem o prazer do
adicional na conta do contra cheque.
Ninguém vai me impedir de gritar que gosto de trepar
nas altas madrugadas com o pau endurecido pelo advento do acumulo do xixi.
Ninguém vai me
impedir de gritar que sou hétero, homo, sapatão, que gosto de negro,
branco, índio, careca, cabeludo, dentuço, banguela, moralista, libertino,
anarquista.
Ninguém vai me impedir de gritar que gosto de andar
descalço, de naike, de pisar na areia, calçamento, cimento, grama, terrão.
Ninguém vai me impedir de gritar que gosto de futebol
de botão, cinema, livro, de se divertir nas tardes de verão tomando um shop geladaço jogando
conversa fora, nas tardes de domingo, na piscina ou na laje sem cerâmica
chiarelli, por falta de grana do proprietário.
Ninguém vai me impedir de gritar que sou educado,
ignorante, desinibido, que odeio meu lugar, ou amo, se sou vegano, vegetariano, carnívoro, se sou cobra
venenosa caçando na hora da fome, ave de rapina. Que faço strip pra levantar o
pau ou melá a buceta da parceira no remelexo do corpo.
Ninguém vai me impedir de gritar que quebro regras,
vidraça, que ponho chamas quentes nos shoppings com coquetel molotov, só pra
ver sorrir as labaredas consumindo o entusiasmo dos investidores.
Ninguém vai me impedir de gritar que gosto de axé,
sertanejo, molejo, pagode, MPB, brega, Odair José, os Chico Cesar e Buarque,
Caetano, Gil, Drummond, Oswaldo, Mário, João Cabral, Kafka, Dostoievski, Augusto do Anjos, Graciliano, que não foi anjo como hoje eu não consigo ser a todo instante.
Ninguém vai me impedir de gritar que sou veado, lésbica,
gorda, magra, no ponto, que não gosto de matemática, prefiro português ao
inglês.
Ninguém vai me impedir de gritar que gosto de minha
solidão, frustração, encantamento com o lúdico, abstração, que sou bruxo na
hora do gozo na cara da santa mais bonita de todas as religiões.
Ninguém vai me impedir de gritar que sou templo de
carne e osso num tempo de paz, guerra, que gosto de soltar minhas amarras nas
palavras, muitas delas selvagens com a sociedade de hoje.
Ninguém vai me impedir de gritar que gosto de retirar
de dentro do peito, meu grito sufocado para explodir nos ouvidos dos surdos nos saraus de feios e bonitos.
Ninguém vai me impedir de gritar que minha religião é
braso-africana, católica, budista, hinduísta, judia, indígena.
Ninguém vai me impedir de gritar que aqui dentro,
neste cérebro, formiga um inquilino inquieto, que quer levar para o ser pensante, barras de ouro em palavras... e não
ouro em pó que se dissolve no primeiro minuto do soprar do vento vindo de
qualquer bestial horizonte.
José Sarmento
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