AQUI TEM HISTÓRIA - INFÂNCIA
A criança e
jovem que existiram dentro de mim, sobreviveram
em tempos de vacas magras e gordas.
Era o
nordeste nas áreas das intempéries pregando peça no homem explorado e esquecido envelhecido pelo latifúndio.
Vivi nos campos irrigados da planície num tempo.
Noutro em terras de vegetação da caatinga deserta nas estiagens.
Era o nordeste
em chama queimando o intestino do homem pobre do campo.
A caatinga
pregava a maldita seca, muito dramática para quem lá vivia.
Noutro tempo
era o nordeste em aguaceiro.
Fazia rir
o homem como os rios que se enchiam.
O inverno
fazia uns continuar.
A seca fazia
uns se retirar. FUI UM DELES.
Nas
enchentes das invernadas, peixe era
fartura, sorria ao
alimentar gente de tripa vazia.
Nas secas
que rachavam o chão numa arte desalinhada,
carne de gado com
bicho tapuru em luta com urubus, trazia
fartura.
No homem
crescia no semblante a vontade de seguir adiante.
Chão pra fazer seu roçado recebia com fúria a foice e machado derrubando flora.
Filhos aos montes ainda em formação acompanhavam o agricultor.
Sempre
nascia mais em cada juntada de carne em brasa para o amor.
Nas
enchentes inigualáveis, no aguaceiro da peste do açude despejando o majestoso fluido no rio Piranhas, vinha na tarrafa
apanhari, piau, curimba,
cascudo,
muçum, pirarucu, tucunaré.
No landuá
caia peixe da lama. A traíra era atraída com isca de filhote de rã.
No anzol,
peixe faminto tremia na linha do menino em busca de alimento.
Minha fome era saciada com a carne de peixe de
escama, de couro.
Piabinha frita ao sol.
Era ouro ter
o que comer pra não cair de paralisia infantil.
Peixe grande se debatia
antes de pancada na cabeça com pau de
aroeira.
Sabia que ia
pra fervura na trempe do fogão a lenha de Dona Francisca.
Alimentava
boca espumando pela fome quase matando.
No roçado
não tinha pra ninguém, esse aqui era menino muito labutador.
Afoito. Desbravador de mato brabo.
Dores de vez
em quando o pegava. No interior.
Sonhos distantes de pegar com mão de ferro e trazê-lo pro prazer de estar vivo.
Era alumiado por sol medonho nos dias de todo dia.
Nas noites era a lua a poesia.
A enxada
endiabrada, a foice envenenada,
o machado
drogado por erva da mata calcinada,
extraia
desse caboclo menino, um arcabouço de homem feito.
Cacho de
banana nas costas. Uma manga na boca.
Feixe de
palha de arroz no lombo.
Saco de
farinha na cabeça.
Sobrevida me
vinha,
quando
sonhava comer bife a cavalo, parmegiana, milanesa.
Esperança de acontecer,
quando
virasse retirante,
e desse de cara com Sum Paulo pra trabalhar no metrô.
A partir
desse dia começar sofrer de outras dores:
As da
saudade, da discriminação, do subemprego, da solidão num quartinho de pensão, onde os livros eram os amigos. Lá no Bixiga. Num cortiço dos infernos.
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