sábado, 24 de setembro de 2016

AMOR ESBAGAÇADO 3

PEDRO - (Indo atrás dela falando) É sim, e a tua filha é você em carne e osso e em todos os desejos representados do corpo! Ela é você por dentro e por fora, e você sabe disso. Isso é doença, é problema pra médico resolver e  não membros masculinos! Vocês que não querem assumir a coceira que sentem a todo instante atrás da calcinha, porque, no fundo, no interior das entranhas, gostam de ter um homem como amante! Fale a verdade, é ou não é? Pra vocês não tem coisa melhor do que transar até perder o juízo, perdendo também o respeito para consigo! Te encontra mulher à toa, acha o teu mundo de paz interior, outros prazeres da vida! O tempo não pode ser somente preenchido com sexo, sexo e sexo!
SOGRA - (Joga o copo com ódio, ele não deve quebrar, para tentar arrancar do público alguma gargalhada) Chega, Chega! O meu ouvido não é fossa pra receber tanta merda, chega! A minha vida não pode ser retrospectiva pra cafajeste nenhum representar cavucando mais audiência! O vendaval que o meu corpo pede, é problema meu! Sai fora da minha reta água suja que tá sempre despencando pros abismos da incoerência!
PEDRO - O meu ouvido não foi feito pra receber nada, migalhas de enxovalho. Você pra mim é nada, sempre foi nada, até quando tinha algum dinheiro. É merda boiando n'água, levada pra lugar nenhum, se dissolverá nos primeiros pingos de chuva ácida que receber! Esse lugar é meu e aqui você não fica, sua malvista pelos olhos de quem a enxerga há anos! Sai do meu mundo, entra pelo túnel do tempo e vai procurar tua turma, pedir perdão a ela, já que tuas amigas te esqueceram depois que ficou na merda! 
 
SOGRA – (Esbravejando junto a ele). Minha  turma  é  minha  filha,  única  que  me  restou,  é  certo.  Muitos amigos só são amigos na hora da moleza, é certo. Meus netos são minha turma. Você é que vai ter que se retirar e procurar um lugar pra encostar esse corpo mole, que tem na terra os vermes loucos para recebê-lo.
PEDRO – (Se encaminha até o bar, pega uma bebida). Você é que vai primeiro que eu matar a fome dos vermes.

SOGRA  – (Indo  pegar  outra  bebida,  quando  ver  que  a  vodka acabou, pega outro tipo de bebida e a despeja no copo). Não pense que esse seu vexame me causa espanto. Vento que se diz  dominante  não  mexe  o  semblante  do  pasto  a  vida  inteira,  só quando está soprando. Daqui a pouco, quando chegar a calmaria, o pasto ficará tranqüilo no seu campo...Na verdade você não domina nem os próprios passos.

PEDRO  –  Não  domino  porque  me  casei  com  a  pessoa  errada, nascida de família errada e com grandes problemas existenciais.

SOGRA  –  Mas  quem  não  tem  grandes  ou  pequenos  problemas existenciais?
PEDRO – Não igual o povo da tua família. É coisa de berço, do feto, da etnia, do sangue dos ancestrais, família desalinhada, criada para vencer na vida e acumular riqueza a custa de qualquer preço, esquecendo  que  tá  no  interior  a  maior  virtude  para  o progresso de tudo. Foi por isso que eu não saí do zero até hoje, me envolvi com pessoas erradas.

SOGRA  –  Qual o quê!  Foram  os  olhos,  olhos  grandes  arregalados pra algum dinheiro que a gente tinha, mas como não ajudamos, se entregou  ao  rebanho  e  se  perdeu  do  mesmo,  ficando  desgarrado das  coisas  que  nunca  soube  valorizar  e  conservar.  Você  apenas conseguiu  aprender  consertar  máquinas,  esse  foi  o  seu  erro, esquecendo-se de consertar você mesmo.

PEDRO  –  Você  sabe  que  nunca  precisei,  e  mesmo  se  precisei, nunca fui atrás de uma migalha sua. Achava e ainda  acho grandes canalhas os membros da sua família.
SOGRA – Não atine a memória do meu falecido!

PEDRO – Por acaso o diabo vivo em carne e osso atiçando fogo das ventas, causador de grades males ao próximo,  explorador de criancinhas carentes, pode ter deixado alguma memória?

SOGRA – Por mais que ele tenha errado você nunca vai ser páreo para ele.

PEDRO – Nem quero ser! O meu mundo é diferente. O meu mundo não é carente de nefasta ambição.

SOGRA – Quem não tem ambição nos tempos de hoje, não terá ombros pra encostar o corpo na velhice.

PEDRO – Quem falou que eu quero ficar velho, adoecer e cair de cama, dando trabalho para os outros, igual você já  começou a dar, se mudando pra cá e se humilhar despudoradamente. Nunca! Que a vida seja bela enquanto dure! (pega outra bebida).

SOGRA – Começou cedo hoje, em...

PEDRO – (Para a platéia). Veja quem fala! A macaca esconde o rabo pra falar mal do rabo alheio. Essa coroa já tomou várias doses depois que entrou aqui, de repente já chegou doidona, e ainda fica falando de mim, é mole ou quer mais!

SOGRA – Por sua causa. Fique sabendo que eu não tomo um gole de álcool desde a morte do meu marido. 

 PEDRO – (Para a platéia) Pro governo de vocês, isso  não faz nem cinco dias. É...pra quem bebia uma garrafa por dia, já é um grande avanço aturar cinco dias de abstinência. (Passa caminhão de gás fazendo barulho com a famosa música clássica).

SOGRA – (Para si mesma) Que desgraça de lugar barulhento!

PEDRO – Já falei pra você que tem flat a bom preço nos jardins, se muda pra lá.

SOGRA – Essa gente pobre não tem uma  forma de consumir gás encanado, não? Tem que ser como os evangélicos, usar de tanto barulho para conseguir freguês?!

PEDRO – Olha quem tá falando de pobreza, não tem a  onde cair morta  mais  e  ainda  fala  da  dureza  dos  outros,  só  ficou  com  a merreca  da  aposentadoria,  e  ainda  se  acha  pertencente  à  classe privilegiada. (Sogra pega mais bebida e desce de uma só vez).

PEDRO – Você não acha cedo demais pra encher a cara e na casa dos  outros?  Olha  aqui  minha  dita-cuja  sogra,  não  fique  você pensando que vou ter que suportar sua bebedeira. Se quiser beber vai pro botequim aqui da favela, pra uma zona qualquer ou pra casa do cacete, aqui em casa você não fica.

SOPGRA  –  Isso  é  a  minha  filha  quem  decide,  aliás,  eu  até  já conversei com ela, as coisas já estão acertadas.

PEDRO  –  Como  assim?  Ela  não  é  louca  de  ter  tomado  essa decisão sozinha, sem consultar o seu marido...Que sou eu, né!

SOGRA – O que você acha que é aqui dentro, em? Será que ainda não  descobriu  que  depois  que  perdeu  o  emprego  e  passou  a  ser sustentado  pela  minha  filha,  beber  exageradamente  todo  dia,  não passa de um zero a esquerda nesta casa? Só você não quer enxergar,  porque  acha  que  todos  os  cegos  têm  boa  vida.  Você ainda não descobriu isso não, seu burro?!

PEDRO – Quando ela chegar, ela vai se ver comigo, sua jumenta!

SOGRA – Você acha então que ela vai chagar, é?

PERDR – Como assim, não tou entendendo! Não volta?

SOGRA –  É  isso  mesmo  que  você  ouviu  cara  de  gambá,  e  não  se faça  de  surdo,  ela  não  volta  mais,  nem  ela  nem  as  crianças,  ou você acha que ela ia lhe sustentar pro resto da vida?

PEDRO  –  Você  tá  pirada!  Não  acredito  em  nenhuma  palavra  que sai  dessa  boca por  onde  já  passou  algumas  doses.  Isso  é  imaginação criada pela atuação da vodka e conhaque.

SOGRA – você que pensa, ela ganha muito bem, e mais as horas extras no hospital, dá muito bem pra ela sobreviver e as crianças. Sua folga já era, a mordomia criou asas e voou, e esse apartamento você vai te que deixar, não quero ver o nome da minha filha sujo.

PEDRO – Eu é que não ia aguentar mãe e filha ao mesmo tempo infernizando  minha  vida,  soprando  falas  podres  no  meu  ouvido  o tempo todo no mesmo espaço. Não, quem saiu de suas vidas fui eu. Agora ela vai ver o que é sustentar uma casa sozinha e ainda ter que  conviver com uma mãe frustrada e alcoólatra, que quando jovem não a deixava viver e se odiavam. Ela vai ver se vai sobrar dinheiro pra butiques, shoppings, cosméticos, supérfluos importados que ela ama consumir. Ela vai ver aonde a porca torce o rabo, com quantos paus se faz uma cangalha.

SOGRA – (Indo até o banheiro). Ela se preparou muito tempo e vale apena passar por tudo, pra se livrar de um inútil como você.

PEDRO – Jararaca! Ou jararaca mesquinha e truculenta, se a tua filha  não  vai  mais  voltar,  porque  a  jararaca  veio  de  mala  e  cuia? Que  história  é  essa  de  mudar  pra  minha  casa,  antes de  ir  pra onde  estar  a  tua  filha?  Responde,  o  que  você  tá  aprontando dessa vez?

SOGRA – (Respondendo de dentro do banheiro). Não é  nada que não se possa dar um jeito, nem muito grave. Simplesmente a minha filha, que era a sua mulher, não quer que eu passe  nem perto da rua a onde ela mora, aliás, nem sei o endereço.

PEDRO – (Saindo de onde estava encostado à porta do banheiro. Fala para a platéia).
Não acredito gente, tudo farinha do mesmo saco como se fala para desqualificar  os  políticos,  coxo  do  mesmo  chiqueiro  onde  comem  os porcos mastigadores da mesma lavagem, traidores covardes. Que rasteira bem aplicada na coroa. Não credito! Não acredito! (Sogra dá descarga e sai, Pedro vai de encontro a ela). Vocês  duas  se  merecem,  nasceram  uma  pra  outra.  Pode ir  pra casa  da sua filhinha,  aqui  você  não  fica,  nem  mais  um minuto  da sua vida perdida e ESBAGAÇADA. Saia já do meu ninho, o espaço que  tem  nele  não  cabe  pássaro  errante,  onde  o  único voo,  foi realizar um rasante pra descompostura.

SOGRA  –  (Preocupada)  Você  quer  me  expulsar?  Eu  não tenho pra onde ir. As portas se fecharam e abriram fendas lascadas de grandes no meu peito. Eu não vou conseguir viver sozinha, depois de tudo perdido. As pessoas se afastaram de mim, depois que perdi tudo. Estou só no meio da lama, com uma espada no peito pronta pra  vazar  um  coração,  e  se  lá  ela  chegar,  será  o  fim  pra  uma mulher que teve de tudo, sobrando hoje, apenas a solidão. Não faça uma desgraça dessa comigo peço por favor.

PEDRO – (Aparecendo com a mala dela na mão, jogando-a a seus pés). Estão aí os seus restos, sobra do cativeiro de quem lutou tanto pra ter o máximo de dinheiro através da exploração de menores. Obra do demônio! Se essa mala é a sua vida, se foi o que restou dos seus lindos e luxuosos dias, leve-a consigo e me deixe só no meu canto com os meus diabinhos. Aqui eu me encontro, me acho por dentro, consigo viver me alimentando de luz e sonho, talvez um dia...

SOGRA  –  Estou  perdida,  achatada  sobre  uma  chapa  de  ferro quente,  sou  um  hambúrguer  devorado  por  dentes  firmes  com apetite.

PEDRO  –  Assim  você  quis  que  fosse.  Cada  um  é  único  dono  do seu destino, as oportunidades não batem a porta por muitas vezes.

SOGRA – (Indo até o bar pega outra dose e bebe de uma só vez). O  meu  corpo  e  mente  não  sustêm  o  tranco.  Pobre,  com tudo perdido,  na dureza.  Quem  já  teve  tanto  é  mais  difícil  suportar.  A onde eu vou parar? Qual lugar que me dará luz aos meus dias tão escuros? Será que há esse lugar?

PEDRO – É só sair por aí, por esse mundão de todos  e procurar. Tropece mais um pouco nos dias, nas horas que completam eles, quem sabe, assim o seu orgulho seja arrastado pela  enxurrada de março e leve sua máscara de avarenta embora, e fira seu egoísmo com as pedras pontudas do caminho.

SOGRA  –  E  a  idade?  Não  dá  mais  pra  começar  depois  dos  50 anos. Tudo bem, concordo, aos cinquenta ainda dá pra começar, mas isso vale pra quem tá acostumado ao trabalho, e que a vida toda foi de luta... Para mim é difícil...Eu tive de tudo que uma mulher sonhou, inclusive homens.

PEDRO  –  Talvez  por  isso  você  tenha  que  pastar  um  pouco,  ou muito, para pagar os seus erros e aprender a dar valor às coisas simples. Dizem os místicos, os religiosos, que da terra não se leva nada, só a alma, então comece a ensaboar ela com bastante alvejante, sofrendo  bastante, pra pagar os teus pecados.

SOGRA – Será que é pecado viver com intensidade?

PEDRO – Talvez não, mas da forma que você viveu, pelo menos até quando tinha dinheiro, pelo que eu aprendi nos discursos católicos quando criança, tudo que você fez são pecados radicais. Deus não gostou mesmo. O diabo é que deve tá gostado bastante vendo mais um se preparando para ir morar no seu reino.

SOGRA  –  Que  vá  tudo  pro  inferno!  (Sai  arrastando  a  mala, visivelmente de fogo.Pedro vai até a porta e fecha).

PEDRO – (Pega mais uma bebida, ergue o copo para cima). Deuses do Olimpo, dêem-me força pra alcançar as escadas com  degraus  desgastados  da  solidão.  Eu  me  aguento muito  bem. Grande  ocasião  minha!  Nunca  me  senti  tão  leve, retirando dois fardos pesados das costas!

(Vai  até  um  som  na  estante,  põe  para  tocar  uma  música carnavalesca.  Se  enfeita  de  colares  coloridos,  solta  confetes  e serpentinas  pelo  palco,  desce  à  platéia  e  joga  sobre  ela  também. Muito alegre. Uma leve passagem de tempo com o palco ficando no escuro, quando à luz volta, Pedro se encontra no mesmo palco com outra roupa. Sentado no sofá, bem a vontade com um copo na mão, dá a última  golada  e  vai  pegar  outro  drink,  senta-se  de  novo.  A campainha toca, se levanta para atender, quando abre a porta se depara com a sogra com a mesma mala na mão.Ele não  acredita no que vê). 

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