Conto safado, um tanto escatológico, nelsonrodrigueano
Há um tempo em que tudo
termina, não é? Ah, se não é!
Animais racionais como
nós, por mais que o corpo perca a condição do que foi feito para fazer,
resistir e sentir, massa
craniana é componente ainda sem reposição por parte da medicina.
O velho Laza, chamado
assim pelos mais íntimos nos negócios que empreendia, Lazinho pelas mulheres,
pelos inimigos de concorrência profissional, filho da puta de quinta grandeza
era considerado, foi coroa muito esperto. Ao longo da vida pôs muita lucidez
peculiar para qualquer situação na massa encefálica, que se não fosse pela
doença, estaria fazendo e acontecendo.
Mal que o pegou de uma
hora para outra e o prostrou sobre a cama, encontrando condições de se mexer um pouco aqui, ali, por perder
do corpo maior ou menor velocidade. Movimentos bruscos por parte de algum
membro exterior eram acontecimentos do passado, perdidos há pouco pelo coração
ter dado um basta ao bombear sangue importante para as regiões que precisam ser
visitadas.
Viveu muito o coroa Laza,
o quase morto já, o que espera a vela acessa diante a morte que não tarda
levando os últimos suspiros e ser puxado para o andar de cima pela luz
encarnada das trevas que ninguém em sã consciência quer dar de cara.
De todos os fatos que
passaram pela vida agitada que levou o acamado Laza, o que mais marcou foram àqueles relacionados às
mulheres.
Vixe Maria! Eh, mulheres
luminosas que me encantaram com a formosura, com os declives e aclives do corpo
e com as sutilezas dos lábios que ferviam enquanto a quentura do corpo fazia esticar
os dias sem serem por arrasto. Descortinavam com prazer as auroras, muitas
vezes eram curtos para tantos encontros de negócios e amores.
Muitas delas passaram
pelo seu desempenho de bom amante.
Foi homem fogoso em
tempos idos, tempos que só estão guardados na velha lacuna cerebral, escondido
por entre encadeamento de tecido que um dia fora regado com mais vivacidade,
mas que, por esses dias, anda desencorajado pelo escasso bombear de
sangue.
Andando pelo glorioso
passado de homem de posses, com poder para fazer e desfazer a qualquer hora foi
muito visitado por diversas delas, desde louras, japonesas, negras. Gostava de
experimentar todas as raças e teve com isso de conviver com a esposa que nunca
veio descobrir se era verdade ou não o que falavam nas rodas sociais a
esse respeito, ou se fazia de desentendida, para não pôr a perder a firma.
Achava que casamento é uma firma aberta a dois e que tinha que durar até o fim
ou até deixar de dar lucro, como decorriam bons lucros financeiros na relação,
na certa se fazia de desentendida.
Laza sente que
ainda está vivo quando saem dos pensamentos os acontecimentos surreais pelos
quais passou em convívio com as moças trepadeiras.
Viveu intensamente o
coroa, mas por esse tempo de en-treva-mento dos órgãos, menos do cérebro por
ainda encontrar nele o refugio para se dizer vivo.
Essas horas quem o cuida dele,
divisa com um sorriso tímido. Hora dos sonhos sobre viagens pelo corpo das
moças que conseguiu possuir até onde pode, dá satisfação, vindo a calhar de endereçar
sorrisos as carnes dos lábios.
Nunca deixou de trabalhar
para quase todo dia ter uma mulher diferente da matriz na cama. Encontrava
muito fácil essas mulheres. Com o poder que tinha, muitas ficaram esperando
namorar-lhe, e envelheceram, assim como ele, com a esperança de um dia fazer
exercer o desejo de se deitar, se deitar não para dormir, mas para foder.
Sonhando como sonhava nas
horas propícias dos dias viajando ao passado, tinha momentos que verbalizava
palavras de entusiasmo para com as moças que se atiraram um dia sobre seu
corpo.
Aí meu bem, aí é bom,
como você trabalha bem, você é a melhor que eu já tive.
A mulher do momento se
entusiasmava e lhe dava o que ele mais gostava que elas fizessem.
Tempos bons que se foram
voltavam nas viagens que a cabeça ainda conseguia passagem gratuita para fazer,
não tinha que forçar nada para viajar a esses desempenhos dos pensamentos.
O bilhete para essas
viagens, o cartão de crédito para pagá-las, o chek-in no balcão dos últimos
dias, sempre surgia quando era levado pensar nelas sem deixar de dizer
que os muitos psicotrópicos que engoliam contribuíam para melhorá-las.
As mulheres para o coroa
sempre foi algo muito superior às outras coisas, a bens matérias. Elas sempre
exerceram fascínio nas suas atitudes de bom amante, bem dizendo, aquelas
mulheres que do corpo, as deusas do Olimpo saem perdendo, aquelas que do rosto
Monaliza de Leonardo da Vince, passa ao largo, aquelas que dos movimentos, nem
Sônia Braga ganharia no filme a dama do lotação, nem Vera Ficher nas chanchadas
do Walter Hugo Khouri da boca do cinema paulista dos anos 70.
Deitado com o costado no
colchão, esticado esperando a visita de quem nunca falhou, encontrava lá no
fundo d’alma quase vivaldina para subir pro céu ou descer pro inferno, o
benefício que exerce quem ainda respira ares de sobre vida em possuí-lo, os
pensamentos.
Numa dessas ocasiões,
recebendo visita de parentes, foram ater-se com ele e pegar-lhe na mão duas
meninas bem jovens, mas que sabe de tudo sobre os tempos de hoje, meninas que, como as amantes do passado do moribundo,
sabiam tirar dos rapazes de mesma idade nos banheiros das festas regadas a
droga e hock end roll, nas festas rave servidas a comprimidos êxtase, complemento
a satisfação de ser alegre e viver de acordo com o bom momento de ser jovem.
Saindo às outras visitas,
acharam por bem fazer um estudo mais aprofundado com o quase morto, e começaram
por alisar-lhe as mãos.
Não satisfeitas em pegar
só nas mãos do moribundo, resolveram que era hora de também morder-lhes os pés,
as coxas, e lamber o peito que batia descompassado coração.
As duas sabiam fazer crer
a quem por elas passavam no serviço da satisfação ao prazer da carne, que levantavam até
defunto.
A muito, o moribundo sem
abrir por completo os olhos, bater as pestanas e movimentar o corpo com maior
alusão aos movimentos, nessa hora fez e pode ver as duas. Acendeu muito os
olhos, vindo às pupilas quase cair fora da caixa. Pelo que mexiam dele e pelo
que pode distinguir, descobriu que podia mexer com maior intensidade as
pernas, esticar-se, rejuvenescer-se.
Esticou o esqueleto, retesou até onde pode nessa
hora. As juntas estalaram, as duas moças riam e se divertiam, por achar que
estavam recuperando o quase morto.
Continuando buliçosas,
descobriram que estavam fazendo um bem dos diabos, mandando embora daquela
casa, daquele leito, a dona da foice que corta quem está em pé, deitado ou
sentado e manda para debaixo da terra ou para o forno.
Enquanto as visitas conversavam na sala em discussão para quem ia
o quê, depois que o velho juntasse os pés, as duas faziam o doente reviver
outrora, dando ao momento, pleno júbilo ao renascimento.
Mordendo joelhos,
passando línguas pelos peitos, visitaram quase todo o corpo do velho enfartado,
quando uma se interessou em pegar uma das mãos que se sentia revivida e ajudou
a ser levada as suas partes pubianas.
A outra com os pés dava a mesma sina, o esfregando nos seios de si.
Meninas danadas. Eram
estudantes de medicina, prostitutas ou simplesmente estavam tentando ajudar a
quem precisava um pouco de alegria? Tinham o coração para fazerem parte de
alguma entidade assistencialista, ou deveras queriam ver o coroa morrer feliz?
Talvez não fosse nem uma
coisa nem outra, talvez fossem simplesmente duas taradas, que não encontrando
hoje gente diferente para fazer o que estavam fazendo, foram encontrar no velho
doente, amparo para suas taras e novas descobertas, uma vez que só tinham agido
dessa forma com pessoas de mesma idade.
Usando-as de tudo que
puderam em relação a fazer com o doente aquilo que deviam ter muita experiência em fazer
com os rapazes nos banheiros da escola, no carro ou num motel, levaram-no a
reviver um passado cheio de glória sobre as mulheres.
Só não acreditaram que o
doente fosse se levantar da cama num só salto, agindo assim, lhe caíram às
cobertas. Viram que ficou de pé repentinamente e se descobriu uma criança vindo
ao mundo.
Assustaram-se com o
membro do doente enrijecido, trazendo o corpo numa tremura de entenderem que
estava baixando um santo, dizendo aos quatro ventos que ia morrer satisfeito
por elas terem surgido naquela hora no quarto e o levado a perseguir horizontes de um passado cheio
de glória.
Venham meninas, estou
pronto pra morrer nos braços de vocês, façam esse favor a quem desse dia não passa. Dizendo
isso com voz trêmula, caiu com parte do corpo na cama, parte no piso, duro como
estava, acabou de ficar para sempre.
Correram para a sala as
duas, e informaram que o homem tinha se levantado sem nada mais nada menos e
caído novamente, dessa vez sem se mexer.
No quarto encontraram o
doente ao chão, com o corpo descoberto e o membro para cima ainda em estado de
alerta, tão duro quanto os outros membros.
Nada como boa química para dar vida a quem
está morrendo, quando em excesso retirar de vez.
Zé Sarmento