RETIRANTES – Zé Sarmento)
Vai um carne seca aê?
Vai um pé rachado aê?
Um comedor de calango?
Leva. Não custa quase nada.
Só um prato de comida da sobra da elite e burguesia.
Leva eu. Valho um pouco de água filtrada pelo teu preconceito e racismo.
Aceita Eu. Sou pau de arara bom de enxada que cortou estrada poeirenta esburacada.
Leva eu para dentro do olho do furacão da produção das grandes cidades.
Leva eu para dentro do furacão das portarias dos prédios construídos por mãos como as minhas, sem direito à moradia.
Leva eu para casa de famílias ricas e classe média, pra servir de cabide para as tuas necessidades.
Sei que minha cabeça achatada muito chateia os de cabeça alinhada pelo DNA Europeu.
Leva aê, um nordestino. Diacho!
Somos pau mandado pra toda obra mal acabada.
Somos filhos da aroeira, do angico, algaroba...Oh, glória!
Terra rachada se confunde com a sola dos nossos pés.
Leva nóis. Não custa quase nada.
Nem pra tua atenção pedimos admiração na solidão dos quartinhos dos fundos do teu casarão.
Somos atenção 24 horas por dia pra ti.
Calado do teu lado com um copo de água na mão, servimos na tua
refeição.
Passamos pano no teu chão. Passamos peças de roupas caras cantando Ave Maria.
Lavamos no tanque tuas cuecas, calcinhas, meias... Verdades. Verdade!
Na cozinha somos mestras no fogão. Não só pra fazer feijão.
Gostosa carne com mandioca, abobora, pimentão.
Recheamos teus legumes com nossa carne picotada explorada desde antigas gerações.
Com um pouco mais de atenção, vocês até podem nos usar nos prazeres sexuais.
Somos fortes nos gozos e gemidos.
Ora! Vivemos carentes na dormência dos dias de tanto vos servir.
Leva nós. Os nordestinos. Custamos pouco.
A fome e a seca nos ensinou ser fortes como os “cabra de Antônio
Conselheiro”.
Leva nóis pra te servir.
Não esqueçam d’uma coisa.
Aprendemos nos defender da exploração do sul e do sudeste.
E lá de cima. Do Nordeste. Também!
A educação e os estudos foram as armas.