PEDRO – Pra
se melhorar de vida tem que ser com naturalidade e não da forma que você acha,
que seu marido achava, explorando os coitados dos meninos abandonados, crianças
pobres que precisavam trabalhar pra ajudar no orçamento doméstico, por isso que
o português morreu fodido e mau pago!
SOGRA – Não
fale assim da memória do meu falecido marido! Ele foi um homem bom!
PEDRO – Pode
ter sido bom pra você! As viagens todo mês pra lhe sustentar dentro de casa, ao
lado dele, as butiques... E vai ver se não aconteceu coisa muito mais carregada
de escuridão e traição.
SOGRA – Eu
sempre fui fiel ao meu falecido homem, mesmo nos últimos anos de vida, com todo
mal que ele tinha, prostrado sobre uma cama de hospital.
PEDRO – Eu é
que não ponho minha mão no fogo, o quê? Pela filha que você tem! Será que a cabeça
dele entrou pelo caixão...Quer dizer, os chifres, ou ficaram de fora rindo da
sua safadeza!
SOGRA – Você
não tem direito de falar assim do meu falecido marido! A minha filha deve estar
lhe traindo por sua causa. Vai ver que não dá mais no couro, não ergue mais o
moral.
PEDRO – Você
que pensa que eu não tenho mais virilidade! Esse aqui coroa, (pega no pênis)
sabe muito bem onde quer entrar! Talvez tenha sido o amor que acabou, o tesão
saiu pelas frestas do tempo, entende. Sabe o porquê disso? O cotidiano do
casamento, o mesmo feijão com arroz há anos. Isso causa enjoo.
SOGRA – Se
você cansou, imagine ela, coitada, trabalhando feita uma escrava. A mulher
também sonha com erotismo rebelde e radical.
PEDRO – Na
certa ela começou a sonhar depois que começou trabalhar fora de casa. Muitas
horas extras! Reclama de dores nas pernas. Percebi quem cansou de mim foi ela. Nosso casamento
está indo pelo ralo, tá descendo pela ribanceira e nenhum dos dois sabe onde
vai encalhar nossa relação. Se não fosse às crianças eu sabia o que fazer.
SOGRA –
(Sentando-se num banquinho na frente do palco, fala para o público) Gente, eu
falei pra minha filha. Esse homem não serve pra você. Um homem que não estudou
direito, é um homem que não tem futuro promissor, que vive acompanhado de
vagabundos desempregados coçando o saco em frente aos portões da vizinhança e
que nunca mexeu uma palha, que vive com o rabo sentado nos bancos dos botequins,
esse homem não tem futuro, filha. Ela não quis me escutar, deu no que deu,
casou-se com uma pessoa contaminada pela fantasia. Não, mãe, ele vai mudar, já
é formado, é um técnico e tá com emprego
garantido. De fato, ele se empregou, mas minha filha e ele sonharam
muito alto e até hoje, depois de 10 anos de casamento, não conseguiram mudar de
vida, conseguiram piorar, porque os filhos são empecilho pra separação, e mesmo
a minha filha envelheceu nesses 10 anos, mais de 20, como é que ela vai
conseguir arranjar outro homem que seja bom partido, que lhe dê pelo menos
condições de moradia fora da favela, que não precise trabalhar fora, se acabando naquele hospital?
Minha filha acabou com a sua vida casando-se com o home errado.
PEDRO – (Já
sentado num banquinho na frente do palco, também fala para o público) Eu nasci
pobre, minha família era toda pobre, mas tive o mínimo necessário pra crescer
sadio. Tive até oportunidade de estudar, o que é raro numa pessoa pobre, ter
condições psicológicas e incentivos pra fazer um curso depois que termina o
ensino médio. As ruas e as motos nos chamam pra começar a ganhar algum dinheiro
pra poder ter coragem de chegar nas
minas e oferecer vinho barato, uma noitada de funk. Foi isso que eu fiz e já
fiz muito, devido às condições péssimas com as quais eu me deparei. Eu me
lembro que eu sonhei muito e até demais com a minha mulher. Quando a gente começou
a namorar e levar a sério, fizemos muitos planos, mesmo com o pai dela e essa
jararaca aí contra. Os dois foram nossos inimigos centrais para o desperdício
dos nossos planos. Não deu, vieram os filhos, a recessão do país, os baixos
salários para trabalhador, a crise na indústria e uma série de fatores que
fizeram os sonhos serem adiados. Eu não tenho culpa de viver num país, onde o
trabalhador não tem condições de ter o mínimo necessário pra viver mais ou
menos bem. A gente que nasce pobre, não tem jeito de ficar rico, só se ganhar
em alguma loteria. Eu também não tenho culpa se a filha dela não conseguiu ter
a vida que tinha antes, bem entendido, tinha antes, por isso da revolta da
coroa. Ela é assim porque queria que a filha, ou eu, desse pra ela, tudo que
ela perdeu. Perdeu tudo a coroa, gastou tudo com hospitais, parece até castigo.
O português era tão mão de vaca, um sovina de merda, que o destino resolveu
destruí-lo. É por isso a revolta dela.
SOGRA – O
fracassado aqui não sou eu. Não fui eu quem deixou os dias correrem
escorregando dos dedos das mãos, tropeçando nas tábuas cheias de cupim, pronto
pra morrer como nasceu: pobre sem ter um lugar sequer pra repousar o corpo sem
vida, quando a morte o levar. Minha filha foi gerada pra ser gente na vida, fina,
só que ela chutou cachorro morto deixando uma vaga lacuna torta atrapalhar sua
vida.
PEDRO – Não
queira que todo mundo tenha sua ambição, coroa! Nem toda gente sonha igual
função. Os desejos, aptidões são diferentes, as ambições ambíguas. Não é porque
você quer morrer afortunada, que a tua filha também deve e quem tá do lado.
Mesquinharia coletada das entranhas do ceticismo burguês, você foi freguesa da
avareza. Sai dessa, vai procurar homem, se já não meteu galhos no defunto apodrecendo
ainda sob a cova.
SOGRA – (Levanta,
anda de encontro a Pedro que também se levanta, ficam cara a cara) Ainda não,
mas também não é porque fiquei viúva e ter 50 anos, que tenho de usar cinto de
castidade entre as pernas e ficar a vida que me resta, sem sentir gosto de homem.
PEDRO – Tua
filha é o que é, porque tem a quem puxar. Se ela não fosse tua filha, duvido
que tivesse o tesão que tem. Tua filha, se você não sabe, é uma NINFOMANÍACA de
grau elevado e não sou quem vai ter que aguentá-la na cama pro resto da vida!
Amor de verdade não nasce da grama quando o prato principal é a sacanagem! Eu
não vou mais sustentar sua filha de cama, se ela quiser satisfazer a coceira do
rabo, que vá procurar outro! Eu não aguento mais, chega!
SOGRA – Pelo
que vejo, você virou um machão acabado, desmontado.
PEDRO –
Desmontado pela louca por pica da tua filha... E tem uma coisa, as crianças vão
comigo. Eu não vou deixar meus filhos nas mãos de uma sem-vergonha como ela!
SOGRA – Você
sabia que os filhos ficam geralmente com as mães?
PEDRO –
Quando a mãe é mãe e não uma doente! Qualquer juiz, se eu de fato, falar o que
ocorre, vai me dar à guarda deles.
SOGRA – Um
desempregado, um quase alcoólatra e sem nenhum desejo de progresso, um
fracassado sem ter onde cair morto, vivendo só de sonhos ilusórios pra botar fogo
nas pegadas que não deixam rastros de realização do dia a dia. Apenas isso não vai levar você a ganhar a guarda nem de
uma cadela, quanto mais de duas crianças.
PEDRO - Os
meus sonhos não podem ser motivos de chacota! Eles existem, de fato, e é por
eles existirem, que a minha vontade de viver ainda tá de pé sassaricando
querendo sair do chão e voar. Sai jacaré, sai da minha reta, busca o teu pântano
perdido há anos na exploração do finado português!
Sogra - Eu
explorava sim, mas era gente minha, gente que me dava tudo, porque me amava de
verdade!
PEDRO - Amor,
amor! Dava de tudo pra não ficar sobre a cama sofrendo as dores do mal que o
matou. Não sei como ele te suportou por tanto tempo!
SOGRA - Era o
verdadeiro amor!
PEDRO - Só se
era por parte dele! Ou era medo de ficar só e de ter que dividir os bens. Por
isso que ele te aguentou!
SOGRA -
(Abrindo os braços dramaticamente) Você sabe perfeitamente que ele me aguentou
porque ele teve sempre o que queria, o que ele mais gostava, esse corpo junto
ao dele. Os meus seios ele apalpava, os meus lábios ele mordia, as minhas
pernas ele roçava e logo em seguia me usava e abusava, e eu deixava. Eu o
suportava porque o meu sangue em seu corpo fervia, e via a felicidade que esse
calor lhe fazia. Meu marido era bom de cama, era bom de grana. Não era uma
merda igual você, o meu genro, que nem
pra transar mais serve. O meu marido, o
meu português, pro seu governo, de cama, ainda conseguia me amar muito bem!
PEDRO - Só se
fosse com a língua enorme que ele tinha, que cresceu de tanto falar mal da vida
alheia!
(Os dois
escutam troca de tiros por perto, se escuta uma voz dizer muitos palavrões).
VOZ OFF - Vão
assaltar a mãe, seus filhos da puta! Vagabundos, flagelados desgraçados! Eu sou
muito homem pra não deixar levar meus cacarecos! (Se escuta mais alguns tiros).
(Sogra se
joga para trás do sofá) Que lugar mais perigoso esse que você mora, isso são
fogos ou são tiros de arma de fogo?
PEDRO - São
traquinhos de São João, você não ver que é época de fogueira! As crianças tão
brincando correndo pela favela lá de baixo... Você ainda não viu nada. Hoje tá
até muito calmo. Tem dia que as balas das metrancas entram nas paredes de fora,
isso aqui vira um verdadeiro Vietnam, um morro do Borel, Santa Marta, uma
Bagdá, Siria, é um inferno! Viver perigosamente faz bem a adrenalina e aos
nervos. (Ela continua tremendo).
SOGRA - Você
tem certeza que eles não voltam?
PEDRO - Por enquanto
não. Eles nunca trocam tiro duas vezes no intervalo de uma hora. Se afastam pra
ir pegar mais munição com a polícia que só aparece quando uma dezena de corpos
estão estrebuchando, ou já mortos.
SOGRA - (Fica
mais aflita ainda, só de saber que vai ter que conviver com aquilo, vai até o
bar, pega uma vodka) Não sei não, viu, eu acho que eu não vou conseguir viver
nesse estado de coisa por muito tempo.
PEDRO - Aí no
jornal tem umas propagandas de flats pra alugar nos jardins com preços bem em
conta. Porque você não se muda pra lá, antes de morrer aqui do coração ou de
uma bala perdida?
SOGRA - Não
gostei nem um pouquinho da piada, muito sem graça e numa hora inoportuna.(Dá
uma golada na vodka)
PEDRO -
Inoportuno foi à hora que você entrou por aquela porta com mala na mão, pra
ficar aqui até não sei quando, isto, sim, é inoportuno.
(Camelôs
passam com o som a todo volume vendendo pamonha de piracicaba, ovos, frutas,
funk com palavrões a sogra fecha os
ouvidos com as duas mãos para não escutar).
SOGRA - Esse
lugar é um inferno, como você consegue morar aqui, num lugar tão violenta e
barulhento?
PEDRO - Pobre tem que dá graças a Deus ter onde pôr o
corpo pra descansar depois de um dia duro de trabalho. Pobre não escolhe onde
morar, mora onde pode pagar.
SOGRA - Meu
Deus, eu não sabia que a minha filha e os meus netos moravam num lugar tão
horrível que toca essas músicas de nível intelectual tão baixo!
PEDRO - É mole,
gente, ter que ouvir isso. Há mais de 10 anos que a gente mora aqui e essa
coroa não tinha pisado o pé nem no início da rua, só porque tava no mole com o
falecido e dizia que eu era favelado. Veja como é a vida, depois que se perde
tudo e fica na pindaíba, fica difícil ter que aguentar outra vida dura como a
do povo daqui e, essa peste aí vai ter que suportar, essa coisa, a pior sogra
do mundo!
SOGRA -
Gente, esse meu furioso genro quer pôr vocês contra mim, mas vocês não conhecem
esse tarado, tarado sim! Já deu em cima de mim diversas vezes, por isso que ele
é revoltado, por não ter conseguido nada. Meu filho, o meu corpo ainda delineado
trabalhado em academia, não é depósito pra guardar amor de vagabundo. Se eu
traí o meu marido, foi com homem de bem e próspero e não com qualquer desfigurado.
PEDRO -
Mentira da grossa, gente! Foi essa mal resolvida que me sufocou várias vezes,
me agarrando de supetão nos cômodos da casa grande que ela morava, quando tinha
dinheiro, dinheiro que se foi com a morte estúpida e lenta do português canalha
e explorador. Naquelas festas... Lembra? Você ficava de fogo, e quando me via
só, trancava a porta e corria pra cima me atacando com os lábios fervendo,
tremendo a voz doida pra me dar
compulsivamente. Foi assim, gente, na sua juventude! Essa mulher não deu só em
cima de mim, mas em cima de muitos dos meus amigos! O teu português não morreu
de morte, morreu de desgosto, o pior câncer pro corpo!
(Sogra parte
para ele e tenta dar-lhe um tapa na cara, ele a segura pela mão, em seguida
solta).
SOGRA - Seu
filho da puta, você não pode me entregar pro povo, degradar o meu nome, me
fazer uma cadela jogada no caos sujo da tua cabeça! Eu não sou o lixo das suas
sacanagens! (Vai até o bar e pega mais uma vodka).
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