terça-feira, 27 de setembro de 2016

AMOR ESBAGAÇADO 4

PEDRO – Não acredito no que vejo, é  um fantasma ou é o fator embriaguez congênita?

SOGRA  – (Arrasada) Não!  Sou  eu  mesma  em  carne  e  osso,  mais  o  osso, desfigurada,  arrasada  pela  sombra  da  solidão  numa  noite  de tempestade, com os fantasmas desse mau que faz as pessoas se desencontrarem e tropeçarem nas pedras do cotidiano, fazendo da alma  um  monstro  na  luta  para  resistir  a  guerra  psicológica.  Eu preciso ficar!

PEDRO - ...Ficar!??

SOGRA - ... Sim!

PEDRO- Você tá é louca!

SOGRA - ...Mas eu não tenho pra onde ir...!

PEDRO - ... Vá pro inferno!

SOGRA – Eu tou falando sério, eu não tenho pra onde ir, fiquei o tempo todo perambulando por aí... No inferno!

PEDRO – Vá pra sua casa...Você não ficou pelo menos com uma?

SOGRA  –  Não!  Foi  tudo  para  o túmulo  do  meu  marido depois  de passar meses num hospital aonde vai muitos famosos. A última casa que sobrou o banco tomou.

PEDRO – Será carma, destino, algum erro grave que eu cometi em nome de algum deus, joguei pedra na cruz de cristo, chutei muito o ventre da minha mãe? Não acredito que alegria de pobre corintiano dure tão pouco.

SOGRA – O meu filho mais velho também não quer me ver nem de costas, a minha filha não quer que eu passe nem perto da sua casa. Só  me  resta  você  me  aceitar.  As  duas  únicas  pessoas da  minha vida,  que  são  sangue  do  meu  sangue,  me  odeiam, assim como você.

PEDRO – Você fala a verdade. Te odeio, te quero ver esfacelada embaixo de vagão de trem, com o sangue encharcando a terra pra alimentar as minhocas.

SOGRA  –  Não  sou  esse  quadro  negro  que  você  pinta.  O meu problema é a bebedeira, igual o seu defeito também.

PEDRO  –  Só  a  bebedeira?  A  sacanagem  não  conta,  a  falta  de compostura como mulher, tudo isso não conta?

SOGRA  –  Não  venha  me  dizer  que  você  não  gosta  de  uma sacanagenzinha  regada  de  erotismo  e  sedução,  assim  como  toda a população da terra. (Sogra  se  encaminha  até  ele sensualmente  e  tenta  pôr a  mão  no seu peito, Pedro resiste a afastando). - Anda fugindo de carinhos confortantes, é? Sei que você vive  e  anda  muito  só,  exatamente como  eu,  que  a  solidão  é  uma grande e amarga companhia. Fugir não adiante nessas  horas, meu caro, se o problema tá enraizado e levamos juntos com a planta dos pés, pisando em chão movediço.

PEDRO  –  Não  vem  com  delonga  esmiuçada  de  investidas piegas, não. Aqui não, comigo não! Sexo só com a pessoa certa e com qualidade. Faz tempo que não dou bola para quantidade.

SOGRA – Na hora do desespero não se pode escolher.

PEDRO - Isso é coisa pra adolescente.

SOGRA  –  A  mão  que  vai  nos  salvar  do  buraco  sem  ar  pode  ser qualquer uma, não importa a cor, o formato das feições. Que qualidade! Não sou um produto exposto numa vitrine da Oscar Freire, onde as pessoas só compram, mesmo com preço salgado, devido a qualidade e quem assinou. Não sou uma  máquina  para  ter  qualidade  superior  a  outras,  o ser  humano deve ser tratado com igual respeito. (Sogra começa a se despir, momento em que se apresenta de lingerie comportada). – (Sensual) E agora? O que você acha do material, da qualidade das linhas  dessa  máquina de carne sensível de fabricar prazer?  E  olha  que  o  material  aqui  já  passou  dos 5.0.

PEDRO  –  Pelo  tempo  de  uso,  até  que  tá  inteiro,  deve faltar lubrificação,  ser  engraxado  as  engrenagem  internas, já  que  o combustível  que  a  máquina  consome,  derrete  até  ferro,  imagine carne.

SOGRA  –  Meu  interior  tá  muito em  forma,  meus  pulmões  e  fígados polidos, a minha mente, tudo bem, está ressentida e sempre esteve poluída,  magoada, mas  meu  desejo  de  esquentar  o  motor  é garantido,  é  só  você  dá  partida  e  fazê-lo  funcionar pra esquentar. Vem meu bem fazer neném!

PEDRO  –  Sai  fora.  (Para  a  plateia)  Não  acredito  no  que  vejo gente. Ficou louca a coroa, perdeu o juízo, aliás a filha é a mesma coisa, perde o juízo quando se fala em homem. (para ela) Você é louca achando que tou carente. O meu aqui não roga esmola, ele pode e tem consciência em que buraco quer entrar pra caçar o seu alimento. O seu é lugar que ele sabe que não vai preencher o meu vazio, minha fome.

SOGRA – Só sendo ele vazio. Deve está oco por dentro, sem poder se levantar. Tinha certo pressentimento que esse fosse o seu caso, não conseguir levantar mais o moral. (Indo até Pedro com entusiasmo em convencê-lo) Eu sempre o quis a minha vida toda, te confesso. Louca, sim, sempre fui. Como sonhei com você se enroscando em mim, subindo sobre meu corpo, me apertando, sugando meu sangue feito um vampiro. Minha filha não deixou,  levou  você  pra  longe,  afastando  do  meu  espaço  e  dos meus sonhos de amor o seu sorriso.

PEDRO – (Para plateia) Gente, vocês acreditam no que veem? A coroa  agora  fica  jogando  pela  sacanagem.  Foi  por  isso  que  essa sacana não quis mais saber da filha, tudo pela filha ter se casado com o homem que ela queria levar pra cama, o homem que ela diz que ama.

SOGRA  –  Se  a  minha  filha  não  tivesse  casado  com  você,  quem teria casado era eu. Sofri muito por isso, acredite. Todas transas que tive com o meu finado português e os casos de ocasião com outros homens, neles estava sua imagem, e o gosto de verdade só vinha  quando  pronunciava  seu  nome,  gritando  bem  alto  e apanhando.  Qual  o  cara  que  transa com  uma  mulher  e  ela  fala  o nome  de  outro  que  não  apanha?  Todos  eles  batem  e  eu apanhei muito por isso. O português aceitava por que me amava e sabia que eu  gostava  de  apanhar.  Venha  você  me  bater,  por  favor,  faça hematomas  nas  minhas  costas,  avermelhe  o  meu  rosto  com  um tapa.
(Pedro vai até a sogra, a pega pelo braço, a põe de costas no armário).

PEDRO – Quer transar desgraçada, é isso que você quer?! (Quando ameaça descer o chicote para bater-lhe, intimamente algo segura seus  braços,  é  quando  desiste,  saindo  de  perto  dela largando o chicote no chão. Senta-se no sofá).

SOGRA  –  O  que  houve  machão,  porque  desistiu, vacilante?  O  meu  corpo espera beijos e carinhos do chicote, depois o toque das tuas mãos. Faça esse favor a quem te ama.

PERO – Não posso. (Se levanta, vai até ela e a solta). Não posso trair  a  minha  consciência,  trair  a  minha  criação.  A perna  que sustenta o peso do meu corpo anda frágil. Ela não suporta mais o peso da glória do passado. A minha nave perdeu energia e não voa mais  pelas  entranhas  do  espaço  sideral,  não  consegue  decolar  e sair  do  chão,  falta-lhe  combustível  pra  fazê-la  circular.  A  energia que minha nave precisa nunca poderá sair de você.

SOGRA – Não estou lhe entendendo, seja mais explicito.

PEDRO – Você entendeu sim e toda torcida corintiana. (Sogra gargalha o chacoteando).

SOGRA - Então é isso! A revolta, os palavrões!

PEDRO – Ele não levanta, tá morto, apagado, frio.

SOGRA – Você tá com sérios problemas mesmo, problema muito mais cabeludo do que os meus. Pelo menos só não tenho a onde ficar. Tenho o problema da bebida, falta de grana, mas você anda mais arruinado  que  eu.  Quando  um  homem  chega  a  esse  ponto  e  não assume o problema procurando um médico, pode cavar  sua cova, porque só de desgosto ele vai pra cova. Vai procurar um especialista em brochura pra pinto mole.

PEDRO – (Agora é Pedro o arrasado) Sua filha suportou até onde deu comigo, me  deu grande força, mas uma hora cansa, e a carne é fraca. Ela não aguentou e deu pro médico. Sou um fracassado sim na relação marido mulher, me assumo.

SOGRA – Ainda bem que você reconhece.


PEDRO – Ela nunca me traiu, até eu liberá-la, mas também quando liberei, ela exagerou e saiu dando pra todo homem do hospital, até pra doente afeiçoado. Achei que ela fosse menos gananciosa que você. 

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