PEDRO – Não acredito no que vejo, é um fantasma ou é o fator embriaguez congênita?
SOGRA
– (Arrasada) Não! Sou eu
mesma em carne
e osso, mais
o osso, desfigurada, arrasada
pela sombra da
solidão numa noite
de tempestade, com os fantasmas desse mau que faz as pessoas se desencontrarem
e tropeçarem nas pedras do cotidiano, fazendo da alma um
monstro na luta
para resistir a
guerra psicológica. Eu preciso ficar!
PEDRO - ...Ficar!??
SOGRA - ... Sim!
PEDRO- Você tá é louca!
SOGRA - ...Mas eu não tenho pra onde ir...!
PEDRO - ... Vá pro inferno!
SOGRA – Eu tou falando sério, eu não tenho
pra onde ir, fiquei o tempo todo perambulando por aí... No inferno!
PEDRO – Vá pra sua casa...Você não ficou pelo
menos com uma?
SOGRA
– Não! Foi
tudo para o túmulo
do meu marido depois
de passar meses num hospital aonde vai muitos famosos. A última casa que
sobrou o banco tomou.
PEDRO – Será carma, destino, algum erro grave
que eu cometi em nome de algum deus, joguei pedra na cruz de cristo, chutei
muito o ventre da minha mãe? Não acredito que alegria de pobre corintiano dure
tão pouco.
SOGRA – O meu filho mais velho também não
quer me ver nem de costas, a minha filha não quer que eu passe nem perto da sua
casa. Só me resta
você me aceitar.
As duas únicas
pessoas da minha vida, que
são sangue do
meu sangue, me
odeiam, assim como você.
PEDRO – Você fala a verdade. Te odeio, te
quero ver esfacelada embaixo de vagão de trem, com o sangue encharcando a terra
pra alimentar as minhocas.
SOGRA
– Não sou
esse quadro negro
que você pinta.
O meu problema é a bebedeira, igual o seu defeito também.
PEDRO
– Só a
bebedeira? A sacanagem
não conta, a
falta de compostura como mulher,
tudo isso não conta?
SOGRA
– Não venha
me dizer que
você não gosta
de uma sacanagenzinha regada
de erotismo e
sedução, assim como
toda a população da terra. (Sogra
se encaminha até
ele sensualmente e tenta
pôr a mão no seu peito, Pedro resiste a afastando). -
Anda fugindo de carinhos confortantes, é? Sei que você vive e
anda muito só,
exatamente como eu, que
a solidão é uma
grande e amarga companhia. Fugir não adiante nessas horas, meu caro, se o problema tá enraizado e
levamos juntos com a planta dos pés, pisando em chão movediço.
PEDRO
– Não vem
com delonga esmiuçada
de investidas piegas, não. Aqui
não, comigo não! Sexo só com a pessoa certa e com qualidade. Faz tempo que não
dou bola para quantidade.
SOGRA – Na hora do desespero não se pode
escolher.
PEDRO - Isso é coisa pra adolescente.
SOGRA
– A mão
que vai nos
salvar do buraco
sem ar pode
ser qualquer uma, não importa a cor, o formato das feições. Que qualidade!
Não sou um produto exposto numa vitrine da Oscar Freire, onde as pessoas só compram,
mesmo com preço salgado, devido a qualidade e quem assinou. Não sou uma máquina
para ter qualidade
superior a outras,
o ser humano deve ser tratado com
igual respeito. (Sogra começa a se despir, momento em que se apresenta de
lingerie comportada). – (Sensual) E agora? O que você acha do material, da
qualidade das linhas dessa máquina de carne sensível de fabricar prazer? E
olha que o
material aqui já
passou dos 5.0.
PEDRO
– Pelo tempo
de uso, até
que tá inteiro,
deve faltar lubrificação,
ser engraxado as
engrenagem internas, já que o
combustível que a
máquina consome, derrete
até ferro, imagine carne.
SOGRA
– Meu interior
tá muito em forma,
meus pulmões e
fígados polidos, a minha mente, tudo bem, está ressentida e sempre
esteve poluída, magoada, mas meu
desejo de esquentar
o motor é garantido,
é só você
dá partida e
fazê-lo funcionar pra esquentar.
Vem meu bem fazer neném!
PEDRO
– Sai fora.
(Para a plateia)
Não acredito no
que vejo gente. Ficou louca a
coroa, perdeu o juízo, aliás a filha é a mesma coisa, perde o juízo quando se
fala em homem. (para ela) Você é louca achando que tou carente. O meu aqui não
roga esmola, ele pode e tem consciência em que buraco quer entrar pra caçar o seu
alimento. O seu é lugar que ele sabe que não vai preencher o meu vazio, minha
fome.
SOGRA – Só sendo ele vazio. Deve está oco
por dentro, sem poder se levantar. Tinha certo pressentimento que esse fosse o
seu caso, não conseguir levantar mais o moral. (Indo até Pedro com entusiasmo
em convencê-lo) Eu sempre o quis a minha vida toda, te confesso. Louca, sim,
sempre fui. Como sonhei com você se enroscando em mim, subindo sobre meu corpo,
me apertando, sugando meu sangue feito um vampiro. Minha filha não deixou, levou
você pra longe,
afastando do meu
espaço e dos meus sonhos de amor o seu sorriso.
PEDRO – (Para plateia) Gente, vocês acreditam
no que veem? A coroa agora fica
jogando pela sacanagem.
Foi por isso
que essa sacana não quis mais
saber da filha, tudo pela filha ter se casado com o homem que ela queria levar
pra cama, o homem que ela diz que ama.
SOGRA
– Se a
minha filha não
tivesse casado com
você, quem teria casado era eu.
Sofri muito por isso, acredite. Todas transas que tive com o meu finado
português e os casos de ocasião com outros homens, neles estava sua imagem, e o
gosto de verdade só vinha quando pronunciava
seu nome, gritando
bem alto e apanhando.
Qual o cara
que transa com uma mulher
e ela fala o
nome de
outro que não
apanha? Todos eles
batem e eu apanhei muito por isso. O português
aceitava por que me amava e sabia que eu
gostava de apanhar.
Venha você me
bater, por favor,
faça hematomas nas minhas
costas, avermelhe o
meu rosto com um
tapa.
(Pedro vai até a sogra, a pega pelo braço, a
põe de costas no armário).
PEDRO – Quer transar desgraçada, é isso que
você quer?! (Quando ameaça descer o chicote para bater-lhe, intimamente algo
segura seus braços, é
quando desiste, saindo
de perto dela largando o chicote no chão. Senta-se no
sofá).
SOGRA
– O que
houve machão, porque
desistiu, vacilante? O meu
corpo espera beijos e carinhos do chicote, depois o toque das tuas mãos.
Faça esse favor a quem te ama.
PERO – Não posso. (Se levanta, vai até ela e
a solta). Não posso trair a minha
consciência, trair a
minha criação. A perna
que sustenta o peso do meu corpo anda frágil. Ela não suporta mais o
peso da glória do passado. A minha nave perdeu energia e não voa mais pelas
entranhas do espaço
sideral, não consegue
decolar e sair do
chão, falta-lhe combustível
pra fazê-la circular.
A energia que minha nave precisa
nunca poderá sair de você.
SOGRA – Não estou lhe entendendo, seja mais
explicito.
PEDRO – Você entendeu sim e toda torcida
corintiana. (Sogra gargalha o chacoteando).
SOGRA - Então é isso! A revolta, os
palavrões!
PEDRO – Ele não levanta, tá morto, apagado,
frio.
SOGRA – Você tá com sérios problemas mesmo,
problema muito mais cabeludo do que os meus. Pelo menos só não tenho a onde
ficar. Tenho o problema da bebida, falta de grana, mas você anda mais
arruinado que eu.
Quando um homem
chega a esse
ponto e não assume o problema procurando um médico,
pode cavar sua cova, porque só de
desgosto ele vai pra cova. Vai procurar um especialista em brochura pra pinto
mole.
PEDRO – (Agora é Pedro o arrasado) Sua filha
suportou até onde deu comigo, me deu
grande força, mas uma hora cansa, e a carne é fraca. Ela não aguentou e deu pro
médico. Sou um fracassado sim na relação marido mulher, me assumo.
SOGRA – Ainda bem que você reconhece.
PEDRO – Ela nunca me traiu, até eu liberá-la,
mas também quando liberei, ela exagerou e saiu dando pra todo homem do
hospital, até pra doente afeiçoado. Achei que ela fosse menos gananciosa que
você.
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