quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

UMA MINA DE DOENTE

O quase morto sobre mesa de operação por ser um acamado a beira da morte, nem paciente nem in, espera atendimento.
O levaram ao hospital as correias “pra ontem”. Um ataque do miocárdio o derreou quando assistia disputa por título do time que lhe fazia sofrer a anos. A contenda pôs a perder o controle da cabeça, quando esta, de pescoço amolecido, se fez curvar para o lado, bem na hora que o homem gol perdeu pênalti que daria o principal título do clube.
Isso é que dá ser torcedor daqueles onde o órgão que sofre mais é o menos pujante para suportar tão densa carga de emoção.
Na correria do vestir-se dos médicos de plantão do grande hospital, visto que pela aparência, custa uma nota salvar a vida de alguém, os responsáveis dão de cara com situação comum a muitos que estão à beira da morte: o seguro de saúde não dando direito a que os opere, mesmo com tanta emergência.
Para o quase morto não viajar em visita ao porteiro mais famoso cultuados nas anedotas dos gozadores de plantão, antes que os médicos dessem um jeito para não morrer sem a ação de boas mãos, preciso fora que a mulher discutisse muito com a atendente que se encontrava na berlinda para dizer, depois dos telefonemas dados ou do programa de computador confirmar, se era paciente escolhido dentre tantos precisando de bom atendimento hospitalar. Porque é fato que, em prédio de tanta grandeza arquitetônica e parafernália de máquinas modernas, e médicos especialistas em qualquer mal de paciente a beira da morte, quem precisar ser operado às pressas por lá, só morrerá se a dona da foice e da cara mais feia estiver esperando na porta para transportá-lo, ou para São Pedro ou para o diabo.
O homem pela altura do tórax foi aberto. Isto ocorrendo ao cirurgião, por ver que sua profissão estava em risco. Mesmo sem da parte da recepção vir à autorização, uma vez que sabe o doutor que o desfalecido enfartado não era qualquer coisa em relação a dinheiro, por ser branco, ter vindo em ambulância de conhecido e famoso plano de saúde e, bastava ter vindo parar ali, que de algum lugar a equipa ia faturar sobre mais um quase defunto.
Ligando a recepcionista depois de escutar “umas tantas” da responsável pelo operando, ao atendê-la pelo celular o chefe cirurgião, informa que podia abri-lo, pelo cheque caução está preenchido e endossado e grampeado na pasta do paciente que mais a frente receberia informação mais detalhada de quanto foi o prejuízo.
Não, não! Resposta dita, do paciente não precisa embolsar mais nada. Fechasse a matraca. Não precisava usar do seguro saúde do homem, não, pois da parte que acabou de abrir do corpo dele, saiam pérolas, diamantes, todo tipo de pedra preciosa e enormes pepitas de ouro, se vendidas enriqueceriam todos da equipe, sobrando valor para ela, onde receberia como pagamento para fechar a matraca, dinheiro que lhe renderia dez anos de salário.
Ufa! Não estou entendendo, fale mais claro, doutor!
Não teve tempo para mais delonga o médico, desligou e voltou a soltar o celular que o mantém pendurado no pescoço para quando estiver com a mão na massa abrindo os pacientes, dá facilidade em atender. O homem anda com umas dívidas atrasadas, deve algumas prestações do carro importado, a mulher e os filhos levam metade dos rendimentos e o valor do suntuoso apartamento alugado as pressas custa uma fortuna, por isso da correria, de ter que atender o celular a qualquer hora, até abrindo as carnes dos que precisam ir deitar-se sobre mesa de operação. Não está disposto a perder tempo de faturar algum para tentar possuir tudo de bom do reino contemporâneo. Tempo algum em sua vida sobra, por também manter em casa um pequeno laboratório de experiências com raízes e plantas e sementes para tentar descobrir uma fórmula de remédio para emagrecer. Anda se mordendo por ver ex-colegas contemporâneos de faculdade ficando rico vendendo “a rodo” os remédios anunciados nas tevês. Da mesma maneira agem todos da equipe pela vida tá pela hora da morte e para manter o status de médico bem formado, cada um atende o celular de forma que não interrompa o que está fazendo.
Mostra muita pressa a equipe, não para salvar o paciente, mas para ir ao garimpo pelo corpo retesado na mesa de cirurgia.
Descoberto que o homem era um tesouro nômade, não perdeu tempo em tentar pôr pedaço de mangueira para dá passagem livre ao sangue bombeado pelo coração ao cérebro, irrigar o corpo, isto é, os veios por onde nasciam os tesouros. Deixando o primeiro corte aberto com garras de ferro escangalhando a abertura no tórax, tocaram a abri-lo em outros lugares a fim de encontrar nova mina de preciosas pedras.
Divertiam entre si, achando muita graça pela forma que estavam ficando ricos tendo pouco trabalho. Cada vez que encontrava novo veio pelo corpo do paciente, batiam na mão um do outro para dar prova de que a amizade, a partir de agora, ia ficar mais contundente, aja visto que quem ganha fortuna em equipe, a tendência é tornar sólida a amizade e até gastarem juntos em festas regadas à churrascadas com carnes e bebidas de primeira.
Outro corte feito mais abaixo do anterior, acabou retirando dos rins, preciosa pedra de alguns kilates. Preço bom no mercado de jóias ia pegar. Sussurraram, para não dá margem em serem descobertos, dizendo que o homem era realmente um baú da felicidade.
Soubessem os familiares antes que o homem era uma mina ambulante, ou um cofre encalacrado, será que ainda estava ali servindo para estranhos suas jóias?
Bom achou a equipe médica, porque alguns, aqueles que não têm na profissão prazer pelo que faz, podiam deixar de sê-lo, uma vez que feito dinheiro com as pedras, podiam se mudar para Miami ou viver aqui e lá.
Quanto mais retiravam pedras preciosas do corpo do paciente, mais o médico anestesista passava doses fortes para que não acordasse ou sentisse dor e gritasse chamando atenção do hospital inteiro e avisar que estava ficando pobre. Não desejavam dividir com ninguém, a não ser com os da sala de cirurgia, isto porque, garantiram, ficariam de boca miúda, na moita a respeito do inusitado caso do:
O homem das jóias por dentro do corpo.
Cortaram o quase morto em muitas partes e cada vez que pelo seu interior entravam, mais pedras de maior valor iam encontrando, por sua vez, mais cortes iam fazendo, mais anestesia ia ganhando para não se mexer. Estavam dispostos a abri-lo muito mais.
Da sola dos pés retiraram algumas chapas em ouro maciço no mesmo formato, das batatas das pernas, centenas de pequenas pepitas de diamantes, colado nas paredes das costelas, muitos colares de pérolas vindos de trabalho de ostras gigantes de mares profundos.

Problema quase insolúvel foi quando tentaram virar de costas, uma vez que podiam estourar os pontos que fizeram de qualquer jeito, para retirar outra leva de jóias preciosas pelo espinhaço.
Verdadeira autópsia fora feita sem saberem se o paciente já era defunto ou não, por terem lhe cortado os bíceps dos braços, os tríceps, peitoral, serrátil, reto do abdome, reto da coxa, vasto lateral, fibular curto, o trapézio e terem esquecido as máquinas que o fazia respirar. Descobriram que os músculos que deveriam ser de material humano, era de metais preciosos. Se fosse aqui enumerar dos músculos que cortaram para ver se saiam mais pepitas, o leitor não ia precisar freqüentar aula de anatomia e estudar amiúdo sobre músculos, nervos, e tendões que ajudam a sustentar o corpo. Nessa aula estaria livre para ir ao barzinho da frente da faculdade encher a cara e fumar uns ou descobrir ao vivo a anatomia de alguma puta escolada e no futuro serem iguais a esses doutores.
Depois de tantos cortes e costuras para suturá-los, viram que a produção fora de monta superior ao que achou que iam encontrar. Bandejas se encontravam cheias de diversas pepitas de diamante, de ouro e de pérola, poucas de menor valor, mas se o mercado souber de que veio partiram, o valor se multiplicará.
A dificuldade entre eles em discussão chegando a ser acalorada era com quem ia ficar as pedras, pela desconfiança que um sentia do outro, porque se conheciam e sabiam do trabalho que dava para faturar dinheiro de pessoas que ainda não estão nas últimas, facilitando o ganho dos que estão para ir ao reino do desconhecido, por ser a vida de um ente querido de valor incalculável.
Fácil para o cirurgião chefe foi informar a responsável pelo paciente de que ele não resistiu à cirurgia e acabou escafedendo. Para ganhar tempo e não levar a família a gastar mais dinheiro, disse que a autopsia já estava feita, que morrera realmente de infarto do miocárdio. Mostrando a carteira do CRM, (Conselho Regional de Medicina), mostrou que tem graduação e licença para fazer autopsia, cirurgia plástica, cardíaca, gástrica. É um pesquisador nato da anatomia humana e, busca incansavelmente ficar conhecido pelos meios científicos da medicina e também se tornar popular através da televisão, do radio, de jornal, revista e livros que escreve técnico e até de ficção. O homem é fera!

ZéSarmento

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