quinta-feira, 19 de junho de 2025

 

RETIRANTES – Zé Sarmento)
Vai um oxente aê?
Vai um carne seca aê?
Vai um pé rachado aê?
Um comedor de calango?
Leva. Não custa quase nada.
Só um prato de comida da sobra da elite e burguesia.
Leva eu. Valho um pouco de água filtrada pelo teu preconceito e racismo.
Aceita Eu. Sou pau de arara bom de enxada que cortou estrada poeirenta esburacada.
Leva eu para dentro do olho do furacão da produção das grandes cidades.
Leva eu para dentro do furacão das portarias dos prédios construídos por mãos como as minhas, sem direito à moradia.
Leva eu para casa de famílias ricas e classe média, pra servir de cabide para as tuas necessidades.
Sei que minha cabeça achatada muito chateia os de cabeça alinhada pelo DNA Europeu.
Leva aê, um nordestino. Diacho!
Somos pau mandado pra toda obra mal acabada.
Somos filhos da aroeira, do angico, algaroba...Oh, glória!
Terra rachada se confunde com a sola dos nossos pés.
Leva nóis. Não custa quase nada.
Nem pra tua atenção pedimos admiração na solidão dos quartinhos dos fundos do teu casarão.
Somos atenção 24 horas por dia pra ti.
Calado do teu lado com um copo de água na mão, servimos na tua
refeição.
Passamos pano no teu chão. Passamos peças de roupas caras cantando Ave Maria.
Lavamos no tanque tuas cuecas, calcinhas, meias... Verdades. Verdade!
Na cozinha somos mestras no fogão. Não só pra fazer feijão.
Gostosa carne com mandioca, abobora, pimentão.
Recheamos teus legumes com nossa carne picotada explorada desde antigas gerações.
Com um pouco mais de atenção, vocês até podem nos usar nos prazeres sexuais.
Somos fortes nos gozos e gemidos.
Ora! Vivemos carentes na dormência dos dias de tanto vos servir.
Leva nós. Os nordestinos. Custamos pouco.
A fome e a seca nos ensinou ser fortes como os “cabra de Antônio
Conselheiro”.
Leva nóis pra te servir.
Não esqueçam d’uma coisa.
Aprendemos nos defender da exploração do sul e do sudeste.
E lá de cima. Do Nordeste. Também!
A educação e os estudos foram as armas.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

COMEDORS DE PRÉDIOS


 COMEDORS DE PRÉDIOS

Gostaria de ser uma floresta cheia de animais invisíveis aos olhos de pessoas que habitam este planeta.
Iria soltar meus bichos na cidade desumanizada entregue às corretoras.
Abriria o portal da liberdade deles pra um serviço de sutil presteza.
No meio da urbanidade, meus bichos começariam se alimentar.
O alimento viria de prédios suntuosos com fachadas de vidro protetores do capitalismo destrutivo.
Meus bichos da grande floresta.
Famintos, começariam se alimentar de suas colunas subterrâneas.
Das ferragens internas não ficaria vigas intactas que meus bichos não abocanhassem.
Meus bichos comeriam suas ferragens no silêncio das noites insones.
O sinal do fim do apetite saciado dos meus bichos.
Seria uma festa que fariam pendurados nas árvores afastadas do centro.
Árvores que ainda não receberam visitas das serras elétricas.
Assistiriam de camarote o préidão tremer.
Na correria do povo passando para escapar da sua derrocada.
Ficaria para traz muitos produtos inoportunos que destrói o meio ambiente.
Com o monte de concreto e ferragens no chão.
Meus bichos deixaria mais uma vez a floresta.
Levariam sementes para jogar no novo terreno que acabou de ser recuperado.
Uma praça ali seria construída.
Brinquedos pra criança, pista de caminhada.
Fariam festa no fim de semana os moradores sem sombra no centro da cidade.
Uma biblioteca seria construída no meio da praça.
Receberia leitores ávidos por livros e literatura.
Oh, sonho doido de um velho que adora viver sua criança.
Menino danado que ainda insiste em viver pendurado em sua cacunda.

 

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

AQUI TEM HISTÓRIA - A REGIÃO CENTRAL E SUA ARTE POPULAR

AQUI TEM HISTÓRIA - A REGIÃO CENTRAL E SUA ARTE POPULAR
Minha paixão por cinema e literatura desde que aprendi a ler aos 14 anos e assistir aos filmes a parti dos 10 no cineminha da minha vila operaria do DNOCS, São Gonçalo, Sousa, PB, me fez chegar em São Paulo pronto pra correr atrás dos meus sonhos personificados no desejo de trampar com a sétima arte.
Depois de ser ajudante de metalúrgica e auxiliar de almoxarifado por um tempo, no mesmo ano que migrei como retirante da seca, me matriculei pra estudar num cursinho de cinema, três anos depois estava vivendo de diárias de longas-metragens, curtas, documentários e depois muita publicidade.
Gostava dos longas pelo fato de as equipes tornarem minha família, antes vivia muito só por ser tímido e fechadão no meu mundo de ilusão.
O centro da cidade de Sampa com suas ruas movimentadas, era lugar de passagem e paradas pra assistir de tudo que se propagava nelas, antes de chegar à rua do Triunfo, ou depois de sair dela. O Livro Bixiga, um cortiço dos infernos que o diga.
Nas folgas era hora de entrar de cabeça a escrever meus manuscritos, depois usar a remington para datilografar, isto já morando no cortiço da rua Abolição com mais dois amigos que também faziam cinema, um pernambucano e um mineiro, e assistir teatros, filmes e tudo mais.
Antes de ser profissional de cinema me deparei e descobri a estação do metrô São Bento, morava num cortiço no Brás. Aos domingos tinha shows de bandas muito boas, lugar de matar o tempo e esquecer um pouco das memórias familiares e territoriais e viver arte.

 

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

AQUI TEM HISTÓRIA - DA ARTE EM SUM PAULO


 AQUI TEM HISTÓRIA - DA ARTE EM SUM PAULO

Poucos retirantes nordestinos como eu teve a oportunidade de frequentar e estar no meio do povo da arte desde o primeiro ano (1977) em Sum Paulo.
Já cheguei chegando aqui com o propósito de tentar fazer filmes, expressão da arte que entrou como furacão na minha paixão de criança e adolescente. Fazia o diabo, pregava estripulias pra assistir as fitas que passavam no cineminha da minha vila operária nos fins de semana. Até entrar pelo buraco arrombando porta, nos circos pulava cercas de arame farpado, enquanto o vigilante estava distraído paquerando uma mocinha que gostava de dar atenção pra quem era de fora e estava de passagem como pessoa do circo. Vai q?
Aconteceu de eu chegar aqui ao viajar com um irmão mais velho e receber seu apoio. Fiquei uns 5 meses na sua casa de quarto e cozinho na cidade de Santo André, momento em que dormia embaixo da mesa da cozinha da "Casas Bahia", num piso de cimento vermelhão forrado com colchonete. Logo saí em busca de emprego no centro de Sum Paulo. Ao descer na estação da luz do trem que ainda hoje faz o mesmo percurso, peguei a Avenida Cásper Líbero, entrei na Prestes Maia, momento em que divisei com uma placa num escritório de uma construtora oferecendo emprego para trabalhar na construção do metrô praça da Sé, linha leste oeste. Preenchido a ficha, as quatro operações de conta e escrever um texto solicitando o emprego e o porquê, pronto, fui contratado pra ser auxiliar de almoxarifado na obra. Mais uns meses estava matriculado num cursinho de cinema na rua Riachuelo. Desse cursinho depressa dei linha para o campo prático: trabalhar como assistente de tudo e mais um pouco nos sets das produções dos filmes que o dono do cursinho produzia em conjunto com produtoras da boca do lixo do cinema paulista.
Nessa pegada, e já morando na região central, precisamente num cortiço no bairro da Bela Vista, Bixiga, comecei a ver tudo de cinema e de teatro do início dos anos de 1980. Além disso, tinha como extensão da minha morada no "Cortiço dos Infernos", a Biblioteca Mário de Andrade e todo o entorno da região central, como o teatro municipal em que frequentava quando o preço para ver espetáculo era popular, estava eu lá no poleiro mais alto e distante do palco, mas mesmo assim me fazia sair do lugar comum e me deslumbrar por amor e paixão por toda arte e suas expressões. Essa foi a faculdade que, em princípio, proporcionou minha graduação em toda expressão artística que podia estar presente como alguém da audiência. Reuniões políticas e debates do PC do B sobre a Palestina com os irmãos Rabelo, no Bixiga, acompanhar o nascimento do PT e suas lutas nas Diretas Já, não ficaram de fora da panela cultural que mastiguei com muita calma e engoli com pressa, pois era um tabaréu cabeça chata que tinha apenas a oitava série e sentia necessidade de viver tudo aquilo que me faltou no tempo d'eu criança e jovem sobre a arte mais elaborada na minha querida e paradisíaca São Gonçalo, Sousa, PB.
Cheguei do sertão para a metrópole paulistana apenas com os tímpanos ainda vibrando com a zoada da sanfona, dos pandeiros, zabumbas, triângulos, e em alguns momentos nas casas de alguns moradores, repentistas com seus motes pra lá, motes pra cá, dedilhando violas, e a grande saudade de ter migrado e deixado para trás umas namoradas em que as bocas e os peitos foram amassados com a energia que tem quem que está recebendo descarga de hormônios do crescimento, ganhando penugem nos ovos, os peitos crescendo e as punhetas sempre presentes. Hoje sou o que sou pelo meu mundo barroco/rococó sertanejo e da cidade grande terem me moldado. Peste de mundo véio cheio de curvas e pirambeiras!
@zesarmento

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

AQUI TEM HISTÓRIA - NO CINEMA NACIONAL


 AQUI TEM HISTÓRIA - NO CINEMA NACIONAL

Se eu ainda vivesse como profissional do audiovisual, essa época do ano estava me lançando em arrumar um filme pro churrasco de fim de ano, teve um período que não precisava correr atrás, as produções é que corriam atrás de profissionais, tipo anos 1980/90 ou até 2000 e pouco. Muitas marcas fazem filmes com o assunto natal. Muitos perus, frangão, linguiça vão ao ar cuidados por mãos de efeitos especiais, diretores de fotografias e pós-produção nas ilhas de edição, filmes de shoppings não ficam atrás com promessa de sorteios de carrões importados, lojas de vestuários e de bebidas não ficam na rabeira. Aposentado e longe dos sets, sei que tem muitos técnicos nos seus grupos de zap se vendendo para um trabalho, e isto vira leilão nas produções, vindo o preço desabar e o profissional ser desvalorizado, poucas produtoras têm a ética e moral de pagar cachê integral negociado via sindcine. Viva a leitura, os estudos, a literatura, a arte da palavra escrita e falada no pé do ouvido, e de quem gosta de poesia e prosa e conto e crônica e arte em geral. Falar nisso, essa noite eu filmei, um filme pesadelo e pesado, era numa praia e de noite, muitos refletores grandes e pesados para ser colocado em torres pra iluminar areia e mar. Ainda bem que eu tava com parças competentes da equipe que escolhi.